terça-feira, 1 de abril de 2008

ESTILOS MUSICAIS - IV — PERÍODO DE 1670 — 1760

1) VISÃO GERAL
No período anterior, deu-se início a uma revolução estilística que chegou ao limite da linguagem
tonal em uso. A nova época caracterizou-se pela consolidação de todos os meios que integram as obras de arte e culminou com as gigantescas obras de Johann Sebastian BACH (1685—1750) e Georg Friedrich HÄNDEL (1685—1759).
A linguagem tonal passou a ser expressa definitivamente dentro do sistema harmônico funcional,
cuja estrutura foi codificada por Jean-Philippe RAMEAU (1683—1764), assim como a sistematização dos demais parâmetros utilizados na época.
A música coral a cappella praticamente deixou de existir, passando a ter o acompanhamento orquestral obrigatório. O canto coral profano fora da ópera foi quase esquecido, passando-se a utilizar o oratório secular em seu lugar. Os principais compositores desse gênero foram: Georg Friedrich HÄNDEL (1685—1759), que escreveu 15 oratórios profanos, entre cantatas e outras obras profanas para coro, solistas e orquestra, e Georg Philipp TELEMANN (1681—1767), que escreveu cantatas profanas.
Neste período duas formas merecem um destaque especial:
a) a fuga;
b) o coral.
Basicamente, a fuga inicia com a exposição de um tema, que é repetido de forma sucessiva pelas
vozes. Numa fuga a quatro vozes, por exemplo, a primeira exposição é apresentada sobre o tom da tônica; a segunda, sobre o tom da dominante; a terceira exposição voltará sobre a tonalidade da tônica; e a quarta, sobre o tom da dominante. Terminada a exposição, inicia-se uma seção mais livre, chamada ponte, seguida pelo desenvolvimento, que reapresenta o tema em uma ou em diversas vozes. O ponto alto da fuga é o processo de imitação canônica que acontece nas diversas vozes e que pode se repetir quantas vezes o compositor desejar.
Em algumas fugas, aparece uma variação do tema, o contra-tema. Não se deve confundir esse sistema com as fugas duplas, ou seja, aquelas que possuem dois temas distintos e independentes, que podem se confrontar no transcurso da fuga em diversas combinações contrapontísticas.
A forma fugato inicia de forma semelhante a uma fuga, mas prossegue de uma maneira livre.
Uma outra forma que predominou nesse período foi o coral. Ao se falar nas derivações da forma, não se fazem referências ao Lied eclesiástico evangélico (coral), como aparece freqüentemente nas cantatas de Johann Sebastian BACH (1685—1750), mas a obras corais, por vezes de grandes dimensões, baseadas em uma melodia tradicional. É interessante notar que, por meio dessa forma musical, o cantus firmus renasceu.
Na elaboração de um coral, utilizam-se várias técnicas:
a) as frases do coral, em geral, são separadas entre si por pausas, cantadas por uma voz, enquanto as demais formam um contraponto à melodia principal;
b) idem ao anterior, com a diferença que cada frase do coral é precedida de um fugato das três vozes restantes; c) a fantasia-coral é muito parecida com o item anterior, mas o material temático é desenvolvido de forma livre.
Os grandes centros estilísticos, a Itália e a França, disputavam o domínio europeu, e a influência italiana sobre todo o continente foi muito importante. A música coral alemã isolou-se das demais e seguiu seu próprio caminho expressivo, baseado no coral evangélico, cujas características foram descritas acima, enquanto a Inglaterra absorveu todas as influências européias.
Dentro dos estilos nacionalistas, destacam-se as principais características do estilo francês e do estilo italiano, de acordo com as observações de George MUFFAF (1653—1704) e Johann Joachim QUANTZ (1697—1773):
a) França: melodia natural, suave e fluída, que evita artifícios e saltos duros e freqüentes. Expressão terna, doce, nobre e delicada. Leviana vivacidade e clareza; pouca improvisação e um caráter demasiadamente refinado;
b) Itália: estilo fogoso, apaixonado, impetuoso, penetrante e de grande sonoridade. Tendência à exaltação e à excentricidade, contraste entre claro e escuro e grande tendência à improvisação.
Quanto à altura do diapasão, encontram-se sempre grandes diferenças de país para país, assim como entre instrumentos destinados a diferentes gêneros.
Parece que, em 1711, foi inventado o diapasão na Inglaterra, mas somente em 1885, em Paris, estabeleceu-se uma unificação de altura, como base internacional, em cima do “lá” - 435 Hz. Atualmente, o “lá” é de 440 Hz, com uma tendência a subir para 442 Hz em função de muitos instrumentos saírem de fábrica com essa afinação e da maioria das orquestras modernas optarem por uma afinação mais alta.

2) IMAGEM SONORA
Em função da familiarização com a linguagem musical dessa época, cometem-se erros como querer interpretar essa música dentro dos padrões sonoros modernos. Junta-se a esse erro o desconhecimento das características dos principais estilos nacionais europeus.
Vale ressaltar que a sonoridade e o timbre de uma voz, cantada ou falada, de um povo é automaticamente projetada sobre sua música, seja ela popular ou artística. Para obter um timbre característico na interpretação de uma determinada obra, é importante penetrar na sonoridade do idioma e nas peculiaridades geográficas do país.
Nesse período, surgiu na Europa uma consciência do belo e junto com ela muitos métodos italianos que ensinavam passagens difíceis, solfejos e exercícios de canto sobre vogais. Pier Francesco TOSI (1646—1732), por exemplo, escreveu, entre outras obras, um importante tratado de canto chamado “Opinioni di cantori antichi e moderni”.
Segundo a tradição francesa, preferiam-se vozes pequenas, por serem mais flexíveis a ornamentos, que deveriam ser executados avec douceur. Recomendava-se aos maestros uma entonação mais delicada e sutil.
Como já foi mencionado anteriormente, a maioria das obras corais requer acompanhamento instrumental.
Quando for realizado por cravo ou órgão, o grave instrumental deve coincidir com a voz do baixo ou com a voz mais grave. As vozes superiores da harmonia devem se realizar segundo a técnica do baixo cifrado.
Dentro dos principais métodos teóricos da época, evidencia-se o “Gradus ad Parnassum”, 1725, de Johann Josef FUX (1660—1741) onde se apresentam técnicas apuradas de composiçõa e contraponto.

3) RITMO
Pode-se afirmar que a maioria das interpretações atuais, no que se refere ao aspecto rítmico, difere muito da maneira com era realizada na época. Os compositores de então sabiam que a riqueza expressiva que se pode transmitir está além de uma configuração rítmica ou de uma passagem marcada por alguns símbolos gráficos.

Estilo francês
Foram especialmente os franceses que conferiram uma grande sutileza à música instrumental e vocal solista. Segundo essa tradição, a duração de certos valores sofreu delicadas modificações. (Esse tema é muito complexo e não será abordado neste livro.)
Serão mostrados três exemplos escritos em movimentos lentos ou moderados, com figuras pontuadas:



Figuras pontuadas e tercinas
Aparecem, ocasionalmente, as figuras rítmicas ternárias (em compassos 12/8, por exemplo) na mesma voz ou no contraponto, valores pontuados ou outras formações que não se relacionam com o ritmo geral. Para essas passagens, não existe uma regra definida, visto que os autores da época possuíam opiniões diferentes. Na maioria dos casos, os ritmos irregulares devem adaptar-se ao ritmo principal.



Um caso muito complexo aparece na “Paixão segundo S. João” de Johann Sebastian BACH (1685 —1750) — II Parte, na ária com coro “Mein teurer Heiland”.
As partes do baixo solista e da orquestra estão escritas em 12/8, e as partes do coro, em 4/4. Ao se observar o compasso 5, percebe-se que a voz do tenor canta um ritmo pontuado, que deve ser modificado para ritmo de tercinas. Já no compasso 11, a voz de soprano e a voz do baixo do coro possuem uma passagem com duas colcheias. Em ambos os casos, deve-se adaptar ao ritmo ternário tocado pelas partes orquestrais.



Essa diferença na notação não deve surpreender. Incongruências gráficas são muito comuns em obras de compositores da época.

Estilo Italiano
O estilo de execução rítmica na música italiana não apresenta muitos problemas, já que ela respeitava a notação escrita.
Para determinar o tempo, utilizavam-se indicações verbais ou numéricas, ou seja, cifras ou símbolos correspondentes.
Quando se compara a música francesa à música italiana, observa-se que os tempos rápidos na Itália eram mais rápidos que na França.
Esta é a escala dos andamentos mais utilizados no século XVIII, que obedece à ordem crescente de velocidade: Grave, Largo, Adagio, Lento, Andante, Maestoso, Sostenuto, Andantino, Affetuoso, Moderato, Tempo giusto, Vivace, Spirituoso, Allegretto, Allegro ma non tanto, Allegro molto, Allegro agitato, Allegro assai, Presto e Prestissimo.
As indicações de tempo, feitas por meio de cifras ou símbolos, seguiam normas da época sintetizadas abaixo:
C — indicava tempo ordinário, lento ou muito lento. A semínima era mantida como unidade de tempo, a M.M. = 75, devendo-se marcar os quatro tempos.
C ou 2/2 — indicava uma velocidade mais rápida, com marcação em dois tempos.
C — Na França, indicava o dobro do tempo do C. Em aberturas, o tempo deve ser lento
3/2 — a mínima corresponde a uma semínima no C. É uma indicação lenta para compassos de três tempos, com exceção dos tempos rápidos escritos, como Vivace.
3/4 ou 3/1 — compasso de três tempos de velocidade média.
3 — indica que a unidade de tempo é a semínima. Compasso de três tempos.
3/8 — indica o dobro da velocidade de 3/4.
6/4 — compasso binário rápido.
6/8 — compasso binário mais rápido que o anterior.
9/8 — compasso ternário rápido.
12/8 — compasso quaternário rápido.
Carl Philipp Emanuel BACH (1714—1788), em seu livro “ Essay on the Tree Art of Playing Keyboard Instruments” de 1753, indica ensinamentos considerados modernos. Ele escreve: “certos sons e pausas devem ser prolongados acima do seu valor escrito, por razões expressivas”, ainda mais adiante: “em geral, os ritenuti são mais apropriados aos tempos lentos ou moderados”. Ele refere-se ao fato de se finalizar toda e qualquer peça com ritardando exagerado.
Uma nota sincopada não requer quase nenhuma acentuação, mas um ataque firme, sem que se diminua a intensidade. A nota anterior tem parte de seu valor cortado, e uma breve interrupção entre as notas enfatiza a nota sincopada.

4) INTENSIDADE
Entre outros procedimentos, existiram, nessa época, meios de estabelecer intensidades das diversas seções estruturais de uma peça musical. Isso significa que a intensidade não acompanhava a flexibilidade do movimento melódico a não ser que se deixasse inalterada durante uma frase ou uma seção inteira, modificando-a bruscamente na frase ou na seção seguinte. O procedimento acontece nos efeitos de eco e nas passagens repetidas — f (forte) e p (piano).
Esse processo realça a estrutura da obra e encontra sua plena justificativa na música para órgão ou cravo, pelas características técnicas desses instrumentos.
Esse sistema foi adaptado também a outros campos sonoros, como, por exemplo, no moteto III de Johann Sebastian BACH (1685—1750), em que ele utiliza três planos de intensidade. O principal está em forte, intercalado com um acorde piano quase como um eco. Segue-se a repetição da primeira frase em piano, intercalada por um pianíssimo. Essa dinâmica é original de Bach.







Aconselha-se que o maestro do coro utilize recursos de dinâmica estrutural com certo cuidado e nunca grosseiramente, ou seja, que ele permita uma flexibilização dentro de cada seção. Não se pode conceber que, em uma época tão rica em sutis modificações em todos os parâmetros musicais, a matização permaneça restrita a uma diferenciação tão rígida como é a dinâmica estrutural.
A dinâmica do crescendo e do decrescendo somente se consolidou na segunda década do século XVIII. Esse tipo de expressão foi descrito por diversos autores como um dos efeitos mais comoventes, no entanto ainda não se utilizavam esses movimentos em longas passagens. O movimento de crescendo e decrescendo em longas frases seria utilizado definitivamente da metade do século XVIII em diante, como se vê nas obras de Johann STAMITZ (1717—1757) e Niccolo JOMMELLI (1714—1774).
Como regra geral, pode-se estabelecer: sempre que não houver indicações expressas, o forte é o matiz natural, e o piano, um efeito especial. Os movimentos, especialmente os rápidos, iniciam-se sempre em forte enquanto as seções contrastantes exigem um piano.
Em relação à matização dos detalhes, pode-se citar Johann Joachim QUANTZ (1697—1773), em
1752, quando menciona: “é necessário introduzir um constante intercâmbio entre o forte e o suave”; já Carl Philipp Emanuel BACH (1714—1788), em 1753, menciona: “aquelas notas de uma melodia que são alheias à tonalidade devem ser enfatizadas, indiferentemente do fato de serem consonâncias ou dissonâncias.”
Aconselha-se que o maestro do coro utilize recursos de dinâmica estrutural com certo cuidado e nunca grosseiramente, ou seja, que ele permita uma flexibilização dentro de cada seção. Não se pode conceber que, em uma época tão rica em sutis modificações em todos os parâmetros musicais, a matização permaneça restrita a uma diferenciação tão rígida como é a dinâmica estrutural.
A dinâmica do crescendo e do decrescendo somente se consolidou na segunda década do século XVIII. Esse tipo de expressão foi descrito por diversos autores como um dos efeitos mais comoventes, no entanto ainda não se utilizavam esses movimentos em longas passagens. O movimento de crescendo e decrescendo em longas frases seria utilizado definitivamente da metade do século XVIII em diante, como se vê nas obras de Johann STAMITZ (1717—1757) e Niccolo JOMMELLI (1714—1774).
Como regra geral, pode-se estabelecer: sempre que não houver indicações expressas, o forte é o matiz natural, e o piano, um efeito especial. Os movimentos, especialmente os rápidos, iniciam-se sempre em forte enquanto as seções contrastantes exigem um piano.
Em relação à matização dos detalhes, pode-se citar Johann Joachim QUANTZ (1697—1773), em
1752, quando menciona: “é necessário introduzir um constante intercâmbio entre o forte e o suave”; já Carl Philipp Emanuel BACH (1714—1788), em 1753, menciona: “aquelas notas de uma melodia que são alheias à tonalidade devem ser enfatizadas, indiferentemente do fato de serem consonâncias ou dissonâncias.”

5) ARTICULAÇÕES
Encontram-se, nas partituras instrumentais, indicações de staccato e non legato, no entanto essas indicações quase não aparecem nas partes corais ou vocais. Deve-se observar a articulação adequada provocada pelo texto em si mesmo.
Jean Baptiste BERARD, em seu livro “Art du chant” de 1755, recomenda: “para todas as passagens marcadas pela paixão, articular muito bem as consoantes, duplicando-as (…) a arte de duplicar as consoantes é a alma da declamação e do canto.”
Em passagens melismáticas, obtém-se o realce dos motivos por meio das articulações em legato e staccato.
Outro meio de obter algum subsídio para as articulações é transferir as indicações instrumentais para o canto, entretanto deve-se observar as diferenças intrínsecas entre os instrumentos e a voz. Em alguns casos, podem-se tomar certas articulações como referência. Nos movimentos lentos, tende-se a um legato, enquanto passagens rápidas exigem um marcato ou, conforme o caso, um staccato, o que propicia uma maior clareza à passagem.

Extraido do livro: MARTINEZ, Emanuel - REGENCIA CORAL - princípios Básicos - Editora D. Bosco, Curitiba (2000)

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