terça-feira, 1 de abril de 2008

ESTILOS MUSICAIS - I — PERÍODO DE 1400 — 1550

1) VISÃO GERAL
Durante esse período, o estilo de composição sofreu uma série de transformações. Diversos compositores, no entanto, continuaram presos a vários aspectos técnicos e conceituais da tradição medieval.
A partir de Johannes OCKEGHEM (1430—1496), surgiram novas tendências que se manifestaram em um tratamento diferenciado do material sonoro. Seu trabalho e o de seus compatriotas influenciaram decididamente o estilo musical europeu até fins do século XVI.
As formas musicais estão sempre em constante modificação, demonstrando influências mútuas entre os gêneros litúrgicos e profanos.


2) FORMAS MUSICAIS
Missa

Guillaume DUFAY (1400—1474) deu à “Missa” a forma cíclica de cinco partes, cujos movimentos
eram baseados no cantus firmus, melodia de origem gregoriana ou profana, geralmente disposta na voz de tenor, na voz de soprano (discanto) ou que podia até passar de voz em voz. O tema do cantus firmus pode aparecer da seguinte maneira:
a) figuras com valores de longa duração;
b) figuras ornamentadas;
c) figuras com variação rítmica diferenciada ou ornamentação melódica;
d) por inversão, retrógrado e movimento contrário.
Nas passagens em que havia o cantus firmus, mesmo fazendo parte da estrutura global do contexto musical, essa voz devia ser levemente ressaltada.
Com Dufay, havia uma tendência de que o cantus firmus não se estabilizasse em uma única voz e, sim, caminhasse por diversas vozes, conferindo ao trecho musical maior variedade e unidade.
No final do século XV, com a utilização de notas longas, o cantus firmus deixou de ser um elemento meramente estrutural na composição musical para se tornar o centro das atenções como acontece, por exemplo, na canção alemã Tenorlied — obra em que o cantus firmus se apresenta somente na parte do tenor, transformando essa voz na principal, que deve ser levada a um primeiro plano sonoro.
Para que se consiga obter bons resultados em passagens contrapontísticas não imitativas, aconselhase que se ressaltem esses movimentos breves do contraponto. No entanto, no emprego de texturas musicais de caráter imitativo, devem-se ressaltar os motivos temáticos, diminuindo um pouco a intensidade das demais vozes. O maestro deve ter a preocupação de que a voz temática não se torne uma voz solista, mas que se destaque um pouco mais que as demais vozes para que ela seja levemente reconhecida.
As partes da missa, gloria e credo, em geral, não iniciam com o texto latino litúrgico, mas requerem uma “entonação gregoriana” realizada por um tenor solista.





Motete
O moteto representa uma das principais formas da música litúrgica. No século XV, diferiu de seu antecessor gótico em muitos aspectos, entre eles o fato de apresentar um mesmo texto para todas as vozes.
Do ponto de vista técnico da composição, sofreu constantes transformações. A partir da segunda metade do século XV, o moteto apareceu armado sobre uma estrutura do cantus firmus. Em alguns casos, a voz de soprano entoava uma melodia gregoriana ornamentada. Segundo o destino, celebração ou funeral, o moteto podia mudar seu caráter, o que implicava na mudança do tempo.
A partir do fim do século XV, Josquin des PRÉS (1450—1521) observou com maior cuidado a expressão da palavra. Operaram-se mudanças expressivas na trama contrapontística dos trechos polifônicos, o que abriu uma maior inter-relação entre as vozes.
Cada parte do moteto correspondia a subfrases do texto e apresentava um novo motivo que poderia ser imitado e elaborado pelas demais vozes.
Nicolas GOMBERT (1505—1556) foi um dos primeiros compositores a abandonar o moteto baseado no cantus firmus e a substituí-lo por um sistema de imitação integral dos motivos iniciais de cada seção, preparando, assim, o caminho para uma evolução que culminaria com a fuga no século XVII.



Chanson
A chanson, canção francesa, cuja melodia se distinguia por seu caráter cantabile e por suas frases concisas, pertencia ao gênero profano. Sua textura era polifônica e imitativa, no entanto mais simples que a forma do moteto. As cesuras entre as frases e as seções apareciam entrelaçadas por uma ou mais vozes, dando a sensação de haver uma seqüência ininterrupta. O contexto poético era geralmente popular, o que conferia à obra uma expressão delicada. Em muitas chansons, as palavras eram quase declamadas em estilo silábico. Quando surgia a repetição da música, em geral, havia um novo texto, passando a ter um caráter estrófico.
Existia também a chanson descritiva. Esse tipo de chanson traduzia diversos efeitos por meio das vozes. “Les chants des oiseaux” e na “La Bataille de Marignan”, ambas de Clement JANEQUIN (1480—560), são exemplos de chansons descritivas. Na primeira, intercalado ao texto, os cantores imitavam o canto de diversos pássaros; na segunda, imitavam o andar dos soldados, entre outros efeitos.







Frottola
A frottola, de origem italiana, estava enquadrada como música profana. Sua melodia principal ficava na voz de soprano e sua estrutura se assemelhava muito à ária, forma popular estrófica. Sua estrutura tendia para a homofonia. A temática dos textos referiam-se ao amor e à natureza, e a declamação do texto era silábica.





Lauda
Embrião do oratório, a lauda a várias vozes surgiu no início do século XVI. Assemelhava-se, em sua estrutura, à frottola, mas a temática era religiosa não litúrgica. Na época da contra-reforma, utilizava-se a lauda em diálogos.

Lied
O Lied alemão, também chamado de Tenorlied, geralmente possuía a melodia principal tirada de canções populares. Era cantado na parte do tenor, por isso recebeu esse nome. As demais vozes se contrapunham no estilo de imitação, à maneira do moteto. A voz do tenor canta frases curtas e declamadas, as quais devem ficar em destaque. Em alguns casos, a voz do tenor era solista e necessitava de acompanhamento instrumental.

Villancico
O villancico teve sua origem no canto popular espanhol, e sua textura podia ser homofônica. Por volta do século XVI, surgiu uma versão religiosa popular. Atualmente, os villancicos estão associados a cantos natalinos. A estrutura formal é composta de duas partes que se repetem. A melodia principal, em geral, localiza-se no discanto (soprano), e as demais vozes podem ser tocadas ou cantadas. Geralmente, nas partituras editadas, o texto da primeira estrofe é totalmente escrito debaixo da música, enquanto para as demais vozes apenas indica-se a primeira palavra de cada estrofe. Por esse motivo, deve-se ter cuidado ao adicionar as demais estrofes para não provocar erros.

A forma musical corresponde ao seguinte:
a) estribilho com repetição;
b) cópola, repete-se várias vezes, mas sempre conclui com o estribilho Segundo os tratados da época, os compositores escreviam suas obras corais a partir do tenor e adicionavam, em seguida, o soprano e as demais vozes. Essas duas vozes (tenor e soprano) deveriam formar um contraponto correto e completo, adicionando-se o contra-tenor e, posteriormente, a voz do baixo. Outras vozes poderiam ser adicionadas sobre as vozes principais.
Esse conhecimento permite que o intérprete dê realce adequado às vozes principais e varie a combinação vocal em cada uma das estrofes. Pode-se combinar, por exemplo: tenor com discanto; numa segunda vez, tenor, discanto e contralto, podendo-se omitir as demais vozes.




3) MUSICA FICTA
A musica ficta ou música falsa era uma técnica muito utilizada pelos músicos da época. Muitas alterações não eram colocadas nas notas, mas os músicos sabiam o que fazer, pois baseavam-se em regras previamente estabelecidas.
Como recomendação sugere-se que o maestro procure edições modernas, que, em princípio, devem ter esses problemas resolvidos, ou pelo menos trazem indicadas as alterações entre parênteses e/ou sobre a nota correspondente. Dessa forma, o intérprete, conhecendo o texto original, reserva-se o direito de aceitar ou não.

4) ORNAMENTAÇÃO
Para o músico de hoje é difícil saber com exatidão como se improvisava a ornamentação vocal e instrumental nessa época. Evidentemente, a ornamentação improvisada simultaneamente a várias vozes faz supor que as partes deveriam ser cantadas ou tocadas por solistas, exceto se a ornamentação tivesse sido previamente estabelecida pelo maestro e ensinada a cantores ou instrumentistas para que todos executassem o mesmo ornamento no mesmo local da partitura. Por se tratar de uma técnica específica, que exigirá estudo e treinamento específicos, esse tema não será aprofundado no momento.

5) SONORIDADE VOCAL
Este estudo atém-se a técnicas e comentários de especialistas sobre a emissão vocal na música antiga. Os especialistas sugerem que o timbre vocal deve ser dominado e modificado de acordo com a origem da obra. Para a música francesa, recomenda-se uma sonoridade mais nasal e projeção sonora com uma ressonância bucal frontal. Pode-se eventualmente produzir-se um leve vibrato laríngeo sobre alguns sons, no entanto para se tornar a música mais transparente, o ideal é a uma emissão sem vibrato. O timbre característico da música inglesa deve ser enriquecido por uma ressonância nasal. Já o canto italiano requer uma certa agilidade e uma sonoridade pontuda frontal para a qual se utiliza a matização vocal sobre a vogal “i”. Para o canto alemão, pode-se aplicar um sutil vibrato, tornando a ressonância laríngeo-peitoral.
Para se dominar essas técnicas, necessita-se de um trabalho técnico-vocal dirigido a cada obra e a cada estilo, adequando o conjunto vocal do coro a cada situação.
Nos séculos XV e XVI, houve mudanças gradativas na entonação, provocadas pela hegemonia da arte italiana do canto, levada a todos os cantos por maestros italianos.
A grande maioria das obras vocais dessa época era igualmente tocada e cantada, embora não se esquecesse do canto a cappella. Existem diversas citações de escritores da época, ao “estilo romano a cappella”. Isso significa que as partes vocais eram dobradas por instrumentos, especialmente pelo órgão, e em muitos casos algumas vozes eram substituídas por instrumentos.
Por meio dessas observações, pode-se concluir que:
1. nem sempre as indicações de vozes (soprano, contralto, tenor e baixo) apresentadas nas edições de hoje correspondem à forma original;
2. seja qual for a forma autêntica, recomenda-se observar a tessitura da voz indicada. Assim, às vezes, seria mais conveniente que uma parte indicada para a voz de contralto fosse feita pelos tenores, e uma parte indicada para tenor, pelos contraltos.

6) NÚMERO DE PARTICIPANTES
O número de coralistas que participavam dos coros eclesiásticos eram em torno de oito a doze cantores. Para as obras profanas, cada naipe poderia ser composto de uma ou duas vozes.
7) DISTRIBUIÇÃO VOCAL
Como as mulheres não tinham participação nos coros litúrgicos, a voz do discanto (soprano), em geral, era executada por meninos, e a parte de contralto, por tenorinos.
Na Inglaterra, surgiu uma voz diferente, que foi chamada de contra-tenor. É uma voz de tenor extremamente aguda, mas que não era igual à dos contraltos, no entanto as partes de contralto passaram a ser cantadas por essas vozes.

8) NOTAÇÃO MUSICAL
A escrita rítmica é complexa, e, sobre ela, existem poucas informações que orientem os músicos.
Em primeiro lugar, não se utilizavam as barras de compasso, como hoje, embora existisse uma escala ampla de durações. O sistema baseava-se na subdivisão de um valor: binária (imperfeita) ou ternária (perfeita). O maestro indicava, por meio do gesto chamado tactus, a unidade métrica que seria utilizada. O movimento descendente era chamado tesis, e o movimento, ascendente, arsis. Num compasso ternário, a tesis poderia corresponder ao dobro da arsis.
A unidade de tempo, no século XV, era predominantemente a semibreve, o que corresponderia hoje à mínima e, em muitas edições, à semínima. As edições modernas reduziram os valores a um quarto, ou seja, as semibreves tornaram-se semínimas. Lamentavelmente, não existe um critério padronizado para a transcrição métrica. Em algumas edições, observa-se que as semibreves foram transformadas em mínimas. Isso não significa que o tempo da obra deva ser modificado. Segundo alguns teóricos antigos (Franchino GAFFORI (1451—1522) em sua obra: “Practica Musicae” de 1496), o tempo equivale ao pulso de um homem tranqüilo, algo em torno de 70 a 80 pulsações por minuto.
Os autores da época aconselham manter o tempo de forma constante e regular. Era aceitável ceder o tempo para a execução de alguns ornamentos. Ao final das frases, era comum colocar-se, sobre a última nota, uma fermata, o que indicava um prolongamento dessa nota. Guillaume DUFAY (1400—1474) utilizou, em alguns motetos, várias fermatas sobre diversas notas, indicando um provável molto ritardando.
Em alguns casos, encontram-se obras que eram concluídas com uma breve para indicar o final da frase musical. Por esse motivo, não é necessário que a duração toda seja fielmente seguida.
A notação sincopada pode ser excepcionalmente separada em motivos rítmicos, com a troca de compassos, no entanto essa forma de escrita poderá provocar acentuações inconvenientes sobre os novos tempos fortes. Essa nova versão facilita a compreensão fraseológica e propicia a valorização apenas do que é necessário.

9) INTENSIDADE
Nos séculos XV e XVI, não existiam convenções para indicar a intensidade de uma frase musical.
Como já foi dito no início deste tópico, tanto nos dias de hoje como nos séculos XV e XVI, confiava-se no critério de escolha do maestro ou do executante. A dinâmica não possuía uma importância vital.
Em geral, deve-se observar o desenrolar da seqüência melo-harmônica. O sentido de crescendo e diminuendo pode, de alguma forma, estar atrelado às relações de tensão e repouso de uma frase musical ou associado ao desenvolvimento do contexto. Por exemplo, um gloria de uma missa deve ser executado com maior intensidade, com muito brilho. Se o acompanhamento instrumental não estiver indicado na partitura, o que era muito comum na época, pode-se utilizar instrumentos mais sonoros, como os instrumentos de metal. O “Gloria in Excelsis Deo” de Guillaume DUFAY (1400—1474), escrito para duas vozes e acompanhamento de instrumentos de metal, é um exemplo.

10) ARTICULAÇÃO
Nem compositores, nem teóricos deixaram muitas informações ou indicações sobre esse assunto.
Com base nas poucas informações escritas e em técnicas instrumentais, as linhas melódicas ágeis ou de um perfil rítmico preciso e variado devem ser executadas com um legato marcato ou um non legato.
Essa técnica é recomendada especialmente para passagens melismáticas. As notas que possuem saltos acima de graus conjuntos não devem ser executadas em legato.
Freqüentemente, encontra-se nas partituras uma forma cadencial formada por dois retardos consecutivos, antecipando-se a resolução.



A resolução requer um legato e a nota repetida, separada nitidamente da seguinte.
Ainda com relação às articulações, existe muita controvérsia, especialmente sobre passagens breves com caráter de ornamento. Alguns sustentam que se deve executar o mais legato possível, com uma leve flexibilização melódica; outros, por sua vez, aconselham um staccato levíssimo.



A ligadura no exemplo acima, indica apenas uma frase musical, não querendo dessa forma dizer que a passagem deve ser em legato. Cabe ao maestro decidir o que e como fazer desde que mantenha um padrão em todo o contexto da obra.

11) MÚSICA E TEXTO
Até meados do século XVI, observava-se uma fusão entre a música e o texto, fosse a obra religiosa ou profana.
Nesse período, a maioria dos autores não possuía grande preocupação em aliar texto e música para que um desse sentido ao outro. Essa negligência diante da palavra também manifestava-se em descuidos com a musicalização. Nem sempre havia precisão na combinação entre sílabas e notas, o que obriga o maestro a organizar o texto sob a frase musical, no entanto, o compositor francês Josquin des PRÉS (1450—1521) fez isso quando realçou o sentido da palavra e deu a ela mais sentido.
No caso da inexistência de indicações de qual palavra deva ser utilizada, sugere-se que, para os villancicos, o romance e os madrigais, não se repitam palavras. Já na música litúrgica, essas repetições são geralmente aceitas.
Outros problemas podem surgir, como a acentuação falsa. Em muitos casos, encontram-se trechos musicais em que a sílaba tônica não coincide com o tempo forte. Um exemplo muito conhecido é o texto da segunda parte do villancico “Oy comamos y bebamos” do compositor espanhol, Juan del ENCINA (1468—1529). A sílaba tônica das palavras “onrra” e “paremonos” estão nos tempos fracos do compasso, e as sílabas fracas dessas mesmas palavras encontram-se sobre tempos fortes. Como resolver esse problema? As sílabas “rra” e “mo” devem possuir menor intensidade que as demais sílabas. Dessa maneira, a palavra manterá a acentuação correta. Em obras mais elaboradas, como, por exemplo, nos Lied alemães, essas dificuldades não são encontradas.





Extraido do livro: MARTINEZ, Emanuel - REGENCIA CORAL - princípios Básicos - Editora D. Bosco, Curitiba (2000)

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