A arte da regência é uma ciência como qualquer outra, utilizada como um meio de fazer arte, no entanto a esta arte são impostas implicações técnicas que devem ser desvendadas e dominadas por todos os candidatos a regentes, não importa que tipo de grupo se predispõe a dirigir. Não há diferença no dirigir um coro, orquestra ou banda. A técnica do dirigir é igual para todos os tipos de grupo, o que muda são os conhecimentos específicos de cada um.O que é a regência? Segundo o maestro Roberto Duarte:"dirigir é muito mais que abanar os braços. É acima de tudo saber se relacionar com as pessoas. È lembrar que do outro lado de uma estante de música encontra-se um ser humano, que tem alegrias, tristezas, preocupações e problemas como todos, inclusive o maestro, e que ele deve ser tratado com respeito".
O ato de dirigir engloba diversos conhecimentos importantes, como o conhecimento do relacionamento humano, o domínio dos conhecimentos gerais, o domínio dos conhecimentos musicais em geral, o domínio dos conhecimentos específicos da regência e por último o domínio da técnica do gesto. Nenhum destes conhecimentos isolados desempenham sua função dentro do “ser um regente”, mas só a soma do conjunto destes conhecimentos vai contribuir para que o regente se torne um bom regente.
O maestro Duarte ainda sugere (os valores apresentados nas porcentagens são fictícios, mas servem como sugestão para a reflexão que se pretende) que a formação da regência é composta por uma pirâmide, formada da seguinte forma (o maior valor de porcentagem corresponde à base da pirâmide e o menor valor da porcentagem corresponde ao vertice superior da pirâmide):
Isto quer dizer que o gesto encontra-se no alto da pirâmide da arte da regência, mas que para que ele aconteça é necessário que na base da pirâmide haja os demais conhecimentos.
O ato de dirigir está mais intimamente ligado a como se relaciona o maestro com seus comandados que com o gestual propriamente dito.O gesto tem sua importância na comunicação. Observe esta palavra: Table. O que significa? Como se pronuncia? O significado é um só: table = mesa, mas a pronúncia vai depender do idioma: francês ou inglês. O que desejo mostrar é que cada um tem seus meios de expressão, mas o significado é o mesmo. Há diversas maneiras de dizer a mesma coisa, dependendo apenas como você a diz. No entanto a linguagem que você usa deve ser compreensível para todos.
O gesto tem um padrão universal, que pode variar dependendo do contexto da obra. O gesto não é um símbolo independente, ele está associado ao domínio e conhecimento da partitura, adquirido pelo estudo diário e pela dedicação ao que faz. Dirigir, não é apenas conduzir os elementos melódicos. Alguns maestros se tornam maestros dos primeiros violinos, dos sopranos ou das palhetas solistas. Dirigir é muito mais que dirigir uma linha melódica, com toda a certeza ela é importante, mas nem sempre a regência deverá se ater a linha melódica, visto que algumas linhas melódicas dependem de algum elemento rítmicos ou harmônico, e é aí que o maestro deverá verificar a importância destes elementos: a melodia, ritmo ou harmonia.
Só para clarear um pouco mais, muitas vezes a linha melódica depende do bom desempenho de uma passagem rítmica ou de uma passagem harmônica. O maestro se preocupa tanto com o desempenho melódico e esquece de observar o que lhe dá sustentação.
O olhar, as mãos, os braços, dedos, enfim o corpo todo deve participar na função da regência e estes não devem ser desperdiçados.
A comunicação do maestro é feita por meios não verbais, e por este motivo os sinais devem ser claros, objetivos e precisos. Todo o processo de reger exige do maestro muito estudo e dedicação. O gesto deve ter objetivo claro e possuir uma estratégia bem definida. Tudo o que se faz a mais é desperdício e desvia a atenção podendo induzir ao erro.Todo o processo do gestual, não acontece por acaso. Alguns regentes se preocupam com a marcação de compassos, mas o ato de reger envolve muito mais que marcar compassos. Os músicos não desejam que um maestro marque compassos e sim que dirija a obra.
O que desejo mostrar aqui é justamente o que está por trás de uma partitura simples ou complexa. O gesto é portador de uma idéia, de uma frase, de um efeito, de uma dinâmica, de uma passagem ou de um encadeamento harmônico. É pra isso que serve o gestual. Quando marcamos apenas um compasso, estamos nos tornando um metrônomo gigante, que na maioria das vezes não tem qualquer utilidade musical.
Convido a você a acompanhar o meu raciocínio numa abordagem sucinta de alguns tópicos, aspectos importantes da regência válidos para todo e qualquer tipo de grupo que necessite de um regente:
a) O poder que temos em nossas mãos ao nos colocarmos frente a um grupo, pode de alguma forma contribuir ou prejudicar a eficiência do trabalho. Como desfrutar dos benefícios da autoridade, sem agredir nossos músicos, e sem prejudicar o resultado de nosso trabalho?
b) A memória e a importância que ela desempenha na direção musical?
c) A percepção do maestro frente aos fatos que se sucedem a cada instante dentro do grupo que dirigimos.
d) O domínio da partitura, a importância de saber a partitura de memória e dominar todo o conteúdo.
e) A batuta, como e porque usar.
f) As técnicas do gestual.
g) Como organizar o ensaio.
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I) Poder
A autoridade do maestro frente ao grupo de trabalho pode ser resumida em dois aspectos:· autoridade pessoal· autoridade técnicaNa regência, a autoridade é o substractum de sua arte, e é como se fosse parte integrante da natureza das coisas, sendo lastreada pelo conhecimento, experiência e competência do maestro. Na atividade humana, raras vezes o poder de um único indivíduo se mostra tão evidente nas exigências de obediência e lealdade. O gestual do maestro é dominador e sua imagem exprime suas intenções e expressões que devem ser seguidas. Exercer a atividade da regência, pressupõe ter virtudes de liderança, poder de comunicação, precisão técnica e senso de autoridade.
O regente moderno não tem mais a ascendência autoritária como Karajan, que era chamado de Pontifex Maximus, que usava de mão de ferro para dirigir seus músicos.
Hoje o “maestro sugere, não impõe sua vontade”. Bernard Haitink.
O maestro Carlo Maria Giulini, falando sobre a autoridade do maestro:
“Não nos sentimos absolutos sobre o podium. Devemos pedir constantemente aos músicos que executem e aos cantores que cantem. Se formos autoritários é para pedir”.
Ainda falando sobre o assunto, o maestro ainda comenta:
“Entre o maestro e os músicos não deve haver trocas desiguais e que a obediência deve vir da convicção: eu prefiro convencer”
O maestro Pierre Monteaux fala sobre o assunto da seguinte forma:
“O maestro nunca deve faltar com o respeito aos seus músicos, que tem o direito a ter direitos”.
Há um provérbio italiano que sintetiza essas afirmações:
“Tu recebes o que me destes”.
O autoritarismo absoluto não existe mais, mantendo-se o respeito, o diálogo, sem abdicar de nosso senso de perfeição e musicalidade.
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II) Memória
A memória é a possibilidade do indivíduo de disponibilizar conhecimentos adquiridos sem o auxílio de referências escritas.
Nesse sentido a memorização, segundo a psicologia, passa por três etapas principais:
a. a aquisição do conhecimento
b. tratamento da informação
c. a lembrança, quando a informação é transferida para o momento do uso.
O maestro Von Bülow sempre dirigia de memória e exigia que seus músicos o fizessem. Ele sempre afirmava que:
“mais vale a pena ter a partitura na cabeça, que ter a cabeça na partitura”.
O século XX tornou-se célebre que os grandes maestros dirijam seus concertos de memória, com a ascensão do maestro virtuose.
Muitos regentes gostam de dirigir seus concertos totalmente de memória e outros, como Mendelssohn-Bartholdy (1809-1847), usava a partitura apenas como apoio, não necessitando utilizar o texto para toda a direção. No entanto, alguns regentes podem possuir lapsos, déficits ou perturbações de memória que o impedem de dirigir sem a partitura.
Muitos consideram que dirigir de memória é um ato de exibicionismo e outros consideram que é um ato que demonstra o talento do maestro, no entanto não há uma unanimidade sobre o assunto. Cabe ao maestro considerar os riscos e os caprichos de dirigir com ou sem a partitura durante uma apresentação pública. De qualquer forma conhecer a obra de memória, com ou sem a partitura na sua frente no ato do espetáculo, é extremamente importante para o bom desempenho do maestro.Quando o uso da partitura for necessário, deve ser utilizada somente como apoio para eventuais consultas durante a execução.
O trabalho de memorização do regente é fruto de paciente e demorado estudo e perseverança ao trabalho anterior ao primeiro ensaio, ou seja o domínio absoluto da partitura. A prática contribuirá para o desenvolvimento artístico, contribuindo dessa forma para o domínio do gesto, da expressão, da comunicação e da concentração, ou seja, o regente sabendo a partitura de memória, com ou sem ela à sua frente, passará a dominar os aspectos visuais, táteis, musculares analíticos, rítmicos e auditivos de sua música.
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III) Percepção
A percepção do músico de um conjunto instrumental ou vocal, que está sempre em estado receptivo é bem complexa, determinada pela associação do senso de acuidade visual, estabelecida por sinais gerados pela fisionomia, gestual e atitudes do maestro, somados à percepção auditiva do coletivo, sem deixar de lado as informações da partitura, que este transformará em linguagem musical, na elaboração do senso musical coletivo.
Esse processo de percepção começa a partir do momento que se determina a afinação do conjunto, quando o maestro ergue os braços, chamando a atenção para o início do processo sonoro musical, seguido pelo principal sinal que se chama levare, do “i” ou seja, a preparação para a emissão do primeiro som do coletivo. A partir deste processo, o músico instrumentista ou cantor inicia a sua postura de receptáculo das informações. Todos os sentidos estão voltados para o maestro, e respondem as suas indicações, entrando num grau máximo de concentração.
O gesto deve conter todas as informações necessárias para a interpretação, entre muitas estão as seguintes:
a. Fazer todo o efetivo musical tocar ou cantar junto.
b. Indicar o tempo.
c. Indicar as principais entradas.
d. Indicar os andamentos.
e. Indicar as dinâmicas.
f. Controle dos planos sonoros entre os naipes.
g. Indicar acelerandos e ritardandos.
h. Qualidade sonora do instrumento ou cantor.
i. Indicações e saída de fermatas.
j. Dirigir os fraseados.
k. Linhas melódicas.
l. Manter a fidelidade na interpretação.
m. Indicar articulações diversas, entre muitas outras indicações.
Ao mesmo tempo em que se pede a concentração dos músicos cantores ou instrumentistas, se faz necessário à mesma concentração do maestro, pois não havendo, pode-se ter a sensação de vazio no podium, sem saber o que fazer podendo provocar um desastre artístico.
O maestro que não possui gestos claros, ou que possui gestos tencionados, que não olha para seus conduzidos, marcando apenas os compassos, perde a sua função como maestro, ou seja o músico não sente a necessidade de interagir com ele.
“A função de maestro não é só o marcar de compassos, ser maestro vai muito mais além, é a arte de se comunicar com as mãos, ou ainda saber utilizar a comunicação não verbal, saber inspirar seus músicos, controlar o som do seu grupo em cada detalhe, usar todos os recursos intuitivos para dominar a técnica e saber dosar a mente e o coração em partes iguais” são palavras de Arnold Schoenberg.
O maestro Lorin Maazel referindo-se ao desafio de ser um maestro, comenta:
“o desafio do maestro é o de dirigir um grupo, guiando-o, conduzindo-o, inspirando-o e coordenando-o, ao mesmo tempo em que modela, mede e dosa, nisso consiste a grandeza do maestro”.
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IV) Domínio da partitura
O estudo de uma partitura começa muito antes do primeiro ensaio. Os principais objetivos que o regente deve observar quando do estudo de uma partitura é a compreensão do caráter da obra, seu estilo, forma, técnica e meios de expressão. Cabe ao maestro conhecer os conteúdos temáticos, harmônicos, contrapontísticos, rítmicos e instrumentais da musica. Este estudo detalhado do contexto leva o regente a estabelecer uma visão global da obra através do que chamamos de “audição interna”, isto é a representação mental do som. É este processo que permite ao maestro ouvir sem o auxílio de instrumentos aquilo que, por exemplo Beethoven, escrevia e sentia em si próprio, sem jamais ter ouvido uma só nota delas externamente. O maestro deve ter a capacidade de obter pleno domínio da partitura, sendo capaz de recriar a imagem sonora. A audição interna deve ser tão perfeita quanto terá o próprio compositor ao escrevê-la.
Um outro ponto a ser estudado é o detalhamento do gestual, sinais de expressão, como esses sinais devem ser realizados, como traduzir os significados da obra através da mímica, com gestos simples, claros e eficientes. O gestual deve resultar da capacidade de traduzir a representação mental da audição interna da obra. Quando isso não acontece, o maestro passará a ser um “metrônomo gigante”, um marcador de compassos, abdicando assim de sua função de maestro.
“A obra musical deverá amadurecer em nós até que se torne parte de nós mesmos”. Karajan.
Uma obra, mesmo executada diversas vezes pelo maestro, esta deveria ser estudada a cada exibição, pois somente dessa forma o processo de aperfeiçoamento e maturidade musical da obra se concretiza na memória do maestro. Este estudo permanente sempre revela algum novo elemento.
Segundo Georg Solti,
"o processo mobiliza a concentração, paciência e tenacidade, preferindo não utilizar instrumento algum”.
Para ele o melhor método é sentar-se à mesa de trabalho e ler minuciosamente cada linha e detalhe da partitura. Ele assegura que o processo de estudo e a assimilação não acontece de um dia para o outro.
“O músico que diz não precisar desse processo é um mentiroso e não é um bom músico com toda a certeza”. Georg Solti.
O primeiro passo é conhecer a estrutura, em seguida examinar detalhadamente cada parte, decompondo as frases, iniciando pelas cordas, madeiras e por último metais e percussão.
Finalizando o processo, observar os mínimos detalhes de informações e expressões indicados pelo compositor. Havendo dificuldade em um trecho, o ideal é sentar ao piano e tocar as passagens, objetivando a imagem sonora do trecho.
Um outro ponto importante é que o maestro absorva de tal forma o conteúdo sem introduzir modificações próprias, ou seja, alguns dos maestros desejam tanto impor sua personalidade que introduzem elementos não especificados pelo compositor, como fermatas, acelerandos ou ritardandos, ou simplesmente alterar o movimento em detrimento do caráter ou indicação explícita do compositor. O mais fiel intérprete, é sem dúvida aquele que não dá a sua própria interpretação, e sim aquele que procura exprimir a intenção desejada pelo autor.
Hoje em dia com a facilidade dos recursos tecnológicos, é comum ver maestros copiarem o que os outros fazem, ou melhor, dependem de uma gravação para poder realizar seu estudo musical, refletindo a imaturidade ou pior, a falta de conhecimentos musicais necessários para ocupar a função de maestro.
O trabalho do regente é constituído pelas seguintes atividades básicas:
a. “A de decifrar e estudar a partitura no seu aspecto formal e estrutural, interiorizando-a nos seus elementos: linhas melódicas, fraseados, andamentos, estilos, caráter, personalidade do compositor, obtendo pleno domínio mental da partitura” Herman Scherchen.
b. Examinar isoladamente cada detalhe e problemas expostos na partitura, não só em seu caráter formal, mas também relacionando à instrumentação.
c. Compreender, identificar, observar as indicações do compositor e saber traduzir as intenções do compositor em cada momento da obra musical.
d. Desvendar os múltiplos e variados significados expressos pelos signos da partitura, sabendo direcionar a intenção do sentimento, expressão dramática, emocional, os climas de tensão e repouso, a natureza, os contornos melódicos de cada naipe, ornamentos, entre outros.
e. Definição da intensidade sonora da orquestra, equilíbrio dos naipes no plano sonoro do contexto, dosagem dos timbres e matizes, dominar a melhor sonoridade de cada instrumento da orquestra ou de cada voz de um coro.
f. “Saber moldar a obra, buscando um senso de equilíbrio e precisão rítmica, o elaborar de fraseados, domínio da linguagem”. Leonard Bernstein.
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V) Batuta
Usar ou não usar? Eis a questão! Muitos maestros não concebem a direção de um grupo instrumental ou vocal sem o auxílio de uma batuta. Para que serve a batuta?
A batuta foi utilizada pela primeira vez provavelmente por Louis Spohr (1784-1859), por volta de 1820, substituindo o barulhento e antimusical bastão que era utilizado nos séculos XVII e XVIII pela chamado marcador de compasso.
A batuta pode funcionar como um prolongamento da mão direita, um prolongamento ótico, mão esta que tem como principal função a marcação dos compassos, marcação rítmica, simboliza a ordem e clareza, podendo auxiliar a esquerda em suas funções inerentes, já a mão esquerda, com suas sutilezas, exprime nuances, fraseados, cores, indica as entradas dos instrumentos, suscita a expressão e indica nuances, entre muitas ouras funções. O maestro Charles Munch, dizia que “a mão direita representava a razão e a mão esquerda o coração” e dizia mais se referindo á mão esquerda, “o coração não deve ter razões que a razão não possa conhecer”. Ainda o maestro referindo-se ao uso da batuta, dizia ele:
“a batuta não é indispensável, mas serve para tornar mais visíveis e claros os movimentos do maestro, devendo integrar-se a ele como se fosse um só corpo”.
Às vezes, as duas mãos podem variar de funções ou até mesmo uma mão servir de espelho para outra, como numa passagem difícil ou que assim o exige a partitura. As mãos devem ser movimentadas de maneiras independentes, obedecendo a uma coerência e de forma integrada. A utilização de gestos simétricos nos dois braços, pode provocar confusão visual para os músicos, criando duas referências.
Toscanini sempre comentava com seus músicos que não olhassem a mão direita e sim a mão esquerda, porque ela realmente é a mais importante.Alguns maestros não gostam de utilizar a batuta, um dos primeiros a dirigir uma orquestra sem a batuta foi o maestro russo Vassily Safonoff (1852-1918). Outro maestro que se destacou também pela abstinência do uso da batuta foi o maestro russo Leopold Stokowski (1882-1977). Já o maestro italiano Arturo Toscanini (1867-1957) não dispensava a batuta, pois achava que suas mãos não eram suficientemente expressivas. Vários maestros acham que a batuta é um economizador de energia, outros acham que a batuta é uma necessidade expressiva, dá maior precisão á marcação de compassos, enquanto para outros a batuta inibe a expressão da mão, é um complicador, é um objeto que precisa ficar na mão o tempo todo, e alguns também acham que não há necessidade de um prolongamento ótico. Alguns maestros utilizam a batuta para movimentos de precisão rítmica e movimentos rápidos, já nos movimentos lentos preferem a utilização das mãos por ser muito mais expressivo. Os regentes antigos achavam que a batuta era um símbolo de poder e domínio.
A batuta deve ser utilizada como ferramenta, deixando que a mão esquerda seja mais comunicativa, caso deseje não utilizar a batuta, utilize as mãos com critérios, precisão, sinais objetivos, claros e sempre comunicativas.
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VI) Gestual
Para o público em geral, uma questão torna-se evidente: como o músico aprende as informações resultantes do gesto? Como eles podem tocar suas partes, traduzindo a leitura para o som do seu instrumento e ao mesmo tempo seguir as informações geradas pelo gestual das duas mãos do maestro?
Não podemos deixar de mencionar a habilidade do instrumentista. Ele deve ler a sua partitura, decodificar as informações contidas e associá-las ao mesmo tempo com as informações advindas do gestual do maestro traduzindo-as, convertendo-as em som musical, tocando corretamente seu instrumento. Não esquecendo que seu ângulo de visão é bastante limitado em relação ao maestro.
“É o poder de ver sem ver”, assim diz o maestro inglês Colin Davis, ainda o poeta francês Paul Claudel criou a expressão “o olho escuta”, para indicar que a visão e a audição se fundem como receptores cinestésicos buscando a tradução do significado musical.
É importante que o gestual do maestro seja claro, sintético e objetivo.
O maestro deve dizer o máximo com o mínimo de palavras e fazer o máximo com o mínimo de gestos.
O gesto deve ser sempre claro, evitando que o músico seja confundido pela ambigüidade de gestos impróprios. O gestual é o único canal de comunicação entre os músicos e o maestro. Por isso a capacidade de comunicação pelas mãos e olhos, associada á expressão do rosto e corpo, constituem qualidades essenciais.
“Quando o maestro não faz nada no gesto, deixa que cada um toque o que deseja. Os músicos estão abandonados à sua sorte... Os braços são o centro da vida emotiva do homem como ser, o centro de nossa fala como maestro, é o centro eufônico. Por isso o gesto deve sempre convergir para o centro, ao nos afastarmos desse centro, não podemos fazer música... O que eu faço na mão pode afetar o resultado sonoro que desejo obter .” Sergius Celebidache.
Meu professor em S. Paulo, o maestro Eleazar de Carvalho, sempre me dizia, quando meus gestos não diziam nada, ou quando fazia gestos demais sem sentido ou aleatórios:
"se não tem o que fazer com as mãos é preferível que elas estejam dentro do seu bolso",
numa alusão à utilização consciente e produtiva do gestual. Se vai usar um gesto, pergunte-se, para que serve?.
O regente pinta esse quadro partindo das informações contidas na partitura pelo compositor. Inegavelmente um só olhar pode servir de indicação de entrada para um determinado instrumento, ou mesmo para encorajar um músico em uma passagem importante ou difícil, aprovar ou reprovar. A indicação de entrada de um instrumento, deve ser vista como um convite a tocar e não uma imposição. Isto se reflete na maneira como nos expressamos a nossos músicos ou cantores.
O rosto também possui importância vital na comunicação e na expressão, por outro lado, deve-se cuidar para que esses sinais não se tornem inúteis, ou mesmo cacuetes que venham a desviar a atenção dos músicos.
É importante mencionar os cuidados que o maestro deve ter para que não desperdice energia supérflua com gestos excessivos. Muitos regentes utilizam-se de gestos extraordinários para expressar alguma coisa, desperdiçando suas energias, gestos esses que poderiam ser re-estudados de forma mais concisa e que produziriam maior efeito onde um simples olhar resolveria. A economia e a eficiência do gesto é fruto de um longo trabalho de estudo da comunicação não verbal. O gesto deve ser dinâmico, flexível e não estático, usar todas as possibilidades que o braço pode oferecer, da ponta dos dedos ao ombro. Quanto maior a complicação da partitura torna-se pertinente a utilização de gestos dominados, controlados, especialmente gestos precisos, o que ajuda a compreensão a um primeiro olhar ou a um olhar periférico. O gesto deve ser adequado ao contexto musical, como por exemplo, uma frase, ou um elemento rítmico. E ainda é pertinente que o regente dirija seguindo a topografia e a geografia do grupo que dirige.
O excesso do gestual pode levar ao caminho do exibicionismo, alguns maestros utilizam-se deste artifício para chamar a atenção do público sobre si, por vezes exibindo proezas mirabolantes. Essa atitude do maestro faz despertar uma reação negativa nos comandados, interferindo na qualidade interpretativa, anulando todo o potencial de receptividade, podendo criar um clima de tensão e de insegurança. Segundo o maestro Viegas Muniz Martins,
“a técnica regencial é tanto mais importante quanto mais realizada sem esforço, quando então o que se vê é a música”.
O maestro Benjamin Zander[1] esboça alguns pensamentos sobre a regência da seguinte forma:
“A música faz com que nos alinhemos a cada instante. Não é só tocar um instrumento, ou fazer que uma orquestra toque junto. Não é só isso, os compositores ao escreverem suas obras não se interessam apenas por fatores, mas também pela relação com a obra, como ela virá ao mundo”.
Num curso de regência não se ensina a dirigir... apenas aprendemos juntos, é um ato excitante. Quando se dirige o mais importante é ter uma idéia clara do conteúdo da obra, se a mente tem essa clareza as mãos seguem o pensamento. Este é o processo. Cada um tem seu próprio modo para dirigir. A base do gesto é igual para todos: dirigir 1, 2, 3 ou 4 é a única coisa comum a todos os dirigentes, a diferença está na maneira como cada um executa a obra. Gente diferente, música diferente.
A música é um idioma, uma linguagem e é uma das forças mais poderosas das emoções humanas. Nossa tarefa é dominar esse idioma em todos os detalhes, conhecer seu vocabulário, como tudo funciona, as diferenças entre, por exemplo, uma frase, onde temos compassos iguais e as formas da linguagem são bem diferentes. É isso que se deve aprender, estudar e, sobretudo entender. Uns podem levar vinte minutos para entender como uma frase foi criada e desenvolvida, e outros mais ou menos tempo para isso.Não conseguiremos fazer grande música se não tivermos partido nossos corações. É isso que devemos fazer, transcender a arte, elevar-nos do pessoal e do imediato para o universal. È uma das expressões mais gratas.
A inibição der ser sublimada, temos de ser crianças quando precisamos e um bailarino quando houver necessidade, de uma certa forma esquecer que as pessoas estão te olhando, sublimar e representar o que a música sugere, explorar o afeto, a contensão emocional da música, não somente compreender, mas demonstrar poder com as mãos, com o corpo, os olhos, todo o ser deve se expressar. Convencer o músico do seu desejo e intenção: sorte, triunfo, tristeza, melancolia, terror, o que for, e assim os músicos derramam sobre os seus instrumentos o que você lhe passou, por sua vez, passando essa informação ao público, que é o objetivo final, ou seja, como traduzir a minha música em gestos.
Do que trata a música? Podemos responder a essa pergunta? Então qual o gesto? Se não pode responder a essas indagações então só estarão marcando compasso ou abanando os braços e não causará nenhuma sensação a ninguém nem aos músicos, nem ao público, portanto a necessidade de verificar o que acontece na obra e sentir o corpo. Portanto em momentos mais enérgicos os movimentos são mais perto do corpo, se não veja o caso dos boxeadores, quando eles desejam maior concentração de força eles fecham os gestos perto do tórax para poder desfechar golpes com maior poderio de impacto. O gestual pode ter grande força. Quando os instrumentos de arco, exemplo os violinistas tocam perto da ponte, imprimem mais força e poderio sonoro, se fechando sobre o instrumento. É exaustivo, e deverá ser assim. Nos movimentos enérgicos, quanto mais claro o gesto, mais claro os músicos entenderão suas intenções.Tudo o que se fizer com as mãos, braços, olhos e corpo, deve sugerir o que vai e está dizendo, pensar a cada momento da música e tentar passar o máximo de informações com o máximo de concentração”.
Ainda comentando sobre o gesto, o maestro Sergius Celibidache falava o seguinte para seus alunos:
“O gesto grande o tempo todo, priva o maestro das possibilidades de expressão, o que o impede de chegar onde deseja. Esse tipo de gesto contradiz com o caminho natural do som para o gesto que se coloca entre o som e a música”.
A função primordial do maestro: da parte técnica, gostaria de enfatizar alguns pontos:
a. “Dirigir é estabelecer uma relação com o conjunto de seres humanos: quanto mais simples, mais verdadeira e intensa essa relação, mais compreensível e eloqüente será a mensagem, e os músicos, com bem estar e entusiasmo, poderão melhor reconstituir a execução como uma verdadeira obra de arte”. Hermann Scherchen.
b. “Transmitir à orquestra o mesmo controle fantástico de uma revoada de pássaros, eles não pensam se vão para a direita ou para a esquerda, apenas voam”. Karajan.
c. As entradas não começam com um golpe, mas nascem progressivamente do repouso. As indicações devem ser prévias, antes que elas aconteçam. O início deve merecer uma atenção especial do maestro, é um dos momentos mais importantes da regência.
d. O ato preparatório, é o grande segredo da boa regência. O modo preparatório determina a qualidade do som com uma exatidão absoluta. A precisão e a clareza do gestual são algumas das virtudes que deve acompanhar o maestro. Os gestos em nenhum momento podem se contradizer. As informações devem ser precisas, não exigir do músico um staccato, quando se demonstra um cantabile, um legato.
e. Não é possível provocar emoção, se não se está emocionado.
f. “Numa obra musical, tudo tem sua importância e cada detalhe tem sua razão de ser”. Feliz Weingartner.
Cuidar dos detalhes sempre pensando que não existe nada inútil.
g. “O maestro deve saber provocar no músico o desejo de tocar”. Leonard Bernstein. O que se deseja obter é que o músico seja sensibilizado a amar a música como você a ama, se necessário utilizar-se de todos os meios disponíveis para mostrar suas intenções.
h. Fazer tocar juntos qualquer quantidade de músicos ou cantores, como se fosse um só instrumento, cuidando das qualidades essenciais do domínio dos diversos planos sonoros, da variedade de cores e refinada delicadeza dos tons. Cuidar das variações das dinâmicas sejam elas de mudanças bruscas ou progressivas, das articulações em todas as suas formas, destacar um fraseado, precisão rítmica, observando as variações de andamentos ocasionais assim como todas as possibilidades de efeitos explícitos no texto musical.
i. Segundo Leopold Mozart, "a técnica do rubato é uma das mais difíceis. É mais fácil mostrar que falar sobre o assunto. No entanto o rubato pode ser logrado abreviando-se ligeiramente um determinado tempo para alongar um outro. Dessa forma atinge-se uma certa relação de andamento que não é a forma maquinal do compasso. Essa técnica exige muito estudo, pois é necessário muito tempo de dedicação para efetuar um rubato inteligente, é uma técnica perigosa que deverá estar a serviço do estilo".
j. “Quando o maestro não faz nada no gesto, deixa que cada um toque o que deseja. Os músicos ficam abandonados à sua sorte”. Sergius Celebidache.
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VII) Ensaios
São seções de trabalho que precedem a uma apresentação, neles, o maestro e os instrumentistas definem o espírito da execução, da interpretação da obra musical.
É no ensaio que a partitura é destrinchada, analisada nos seus mínimos detalhes e cabe ao maestro orientar os músicos a fim de atingir o máximo de perfeição na apresentação.Cabe ao maestro dividir a partitura em blocos para poder trabalhar por partes. Em geral as partituras estão marcadas com número ou letras de ensaio ou números de compasso, facilitando assim a localização por todas as partes do trecho a ser estudado.Num ensaio, entre muitas coisas, deve ser observado seguinte:
a. Afinação: afinação dos naipes e a afinação geral da orquestra, realizada pelo spalla.
b. Precisão Rítmica
c. Estudo: estudar a obra por sessões. Os trechos de maior dificuldade técnica em cada naipe, devem ser passados e repassados, não desistindo até que a passagem esteja de acordo com as intenções do maestro. Observar as estruturas, estilos e os diversos planos sonoros, levando em conta as características sonoras peculiares de cada instrumento e da obra. Nos instrumentos de cordas, cada um deles possui características próprias. Por exemplo, os contrabaixos são instrumentos mais lentos e as cordas graves não possuem grande brilhantismo, comparando com as cordas mais agudas. Com relação à precisão de ataques, cada instrumento tem características específicas que pode ser influenciada pela respiração. O gestual influencia no tipo de ataque.
d. Arcadas e articulações: em parceria com os chefes de naipe e o spalla definir as arcadas e as articulações não indicadas na partitura. Estabelecer acentos, articulações, tensões e dinâmicas, mudanças de andamentos.
e. Obter o melhor equilíbrio e melhor qualidade timbrística de cada instrumento ou naipe.
f. Determinar a quantidade ideal de instrumentistas, observando as características da obra, estilos, compositor e período inerentes à obra.
g. Observar o fluxo do tecido musical, estabelecendo o melhor fraseado; estabelecer a escala de intensidades e expressões para manter uma coerência no equilíbrio da execução musical; cuidar para que a interpretação não altere o caráter da obra, entre outras; controlar as mudanças e variações de andamento, como rallentandos e accelerandos.
h. O maestro deve observar para que suas orientações sejam anotadas na partitura, a lápis. Por quê lápis? Porque cada regente tem suas características e por isso se a orquestra toca uma mesma obra com vários regentes deverá anotar essas mudanças, podendo apagar e reescrever o que precisar. Usando anotações a tinta ou outro meio definitivo de indicação pode prejudicar a leitura da obra. Essas anotações podem ser as arcadas, dinâmicas, expressões, alterações na intensidade, mudanças de tempo, entre outras.
i. Observar as características de cada instrumentos. Neste trabalho artesanal, o maestro deve cuidar de forma especial, dos instrumentos de cordas, porque se as cordas forem bem o restante da orquestra irá bem. Não há necessidade de saber tocar os instrumentos, mas conhecer suas características e técnicas peculiares. Há instrumentos que tem características mais ligeiras que outros, como por exemplo, as cordas são mais ágeis que os instrumentos de sopro e percussão, por isso os tempi devem ser cuidadosamente escolhidos observando essas características. Por exemplo, as flautas são muito mais ágeis que as trompas e os violinos mais ágeis que os contrabaixos, e assim por diante.Quando se fala que o maestro deve falar, isso não significa que o maestro deve utilizar o tempo todo a linguagem verbal e sim, de forma especial a linguagem gestual da regência. O que o maestro faz é a lei? Não, se acha que não funciona, deve mudar sem constrangimento, e mudar quantas vezes for preciso. É óbvio que o maestro ao chegar em frente à orquestra deve saber exatamente o que deseja. Não deve deixar passar nada, nem mesmo uma entrada imprecisa, um erro, ou uma negligência, devendo parar e recomeçar as passagens que tiveram erros e recomeçar quantas vezes forem necessárias, mesmo que os músicos não demonstrem agrado por essas repetições. Para que isso possa acontecer com disciplina e qualidade, deve haver o máximo de concentração por marte do maestro e por parte dos músicos.
A preparação dos músicos para uma apresentação começa com os ensaios. São neles que o maestro pode experimentar mudanças, sonoridades, dinâmica, indicações, gestual, correção de problemas técnicos e disposição física. È no ensaio que as mudanças devem acontecer e nunca durante a apresentação, que é o momento sublime. O resultado de um bom concerto é conseqüência de bons ensaios.O respeito deve ser um ponto importante no relacionamento entre maestro e músicos. Não se pode esquecer que o músico é um ser humano, e por isso deve ser respeitado como tal. A troca de experiências também é fundamental, especialmente nos dias de hoje onde um bom número possui um grande cabedal de conhecimentos que pode vir a enriquecer a visão da obra.
O maestro funciona na orquestra como um músico, regente, organizador, psicólogo, pedagogo, entre outras funções, porque numa só vontade ele funde a vontade de todos os integrantes da orquestra.
O maestro deve ser flexível ás opiniões dos músicos, sempre atento a novas possibilidades, anotando-as na própria partitura. O maestro Stokowsky, é um dos maestros que utilizava dessa técnica. Ele oferecia opções mas também aceitava sugestões, e quando esta funcionava, anotava esta opção em sua partitura para poder utilizá-la numa outra oportunidade.
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Nota de rodapé
[1] Benjamin Zander: maestro e professor de regência inglês. Autor do livro: A Arte da Possibilidade - Editora Campus - ISBN 85-352-0753-8 - Edição Original - ISBN 0-87584-770-6