quinta-feira, 7 de junho de 2007

A ARTE DA QUIRONOMIA

Pincelada histórica
A forma primitiva da arte da direção é a quironomia
[1], quando se utiliza o gestual das mãos para indicar, por exemplo, uma forma melódica. Técnica esta muito utilizada na idade média. Na igreja cristã, utilizavam-se destes símbolos, associando a eles significados, como por exemplo elementos rítmicos, tempos, antecedendo assim a maneira de se utilizar a batuta.
No séc. XVII, outras formas de indicação foram incorporadas, como a utilização de um rolo de papel, pequenas agulhas, ou pinceis. Com o aumento da orquestra, como na ópera de Paris, que estava na responsabilidade de Jean-Baptiste Lully, um dos primeiros regentes, morreu de gangrena, pela utilização de um bastão que era socado sobre o assoalho (ou seu próprio pé) com a finalidade de marcar os tempos.
Na música instrumental passou a se usar um dirigente, que poderia ser o violinista, o alaudista ou mesmo o cravista que tocava as partes do baixo contínuo. Nas óperas utiliza-se até dois regentes: o cravista que se ocupava das vozes e o primeiro violinista que se ocupava da orquestra.
Por volta do séc. XIX, com a ampliação da orquestra e a complexidade do repertório, para que a apresentação fosse boa, se fez necessário a utilização de um regente que se postava frente à orquestra e conduzia toda a música. O bastão então subiu para as mãos, no formato de uma rolo de papel, aperfeiçoando-se no objeto que conhecemos hoje como batuta.
Os primeiros maestros de destaque da história são Louis Spohr, Carl Maria von Weber e Felix Mendelssohn, entre outros.
A batuta moderna, feita de madeira, tiveram como seus precursores Berlioz e Wagner, que também escreveram sobre sua utilização. Wagner foi o principal responsável pela expansão da atividade como regente, especialmente imposta pela responsabilidade surgida em função de suas óperas.

Conduta técnica
Desde que a direção orquestral se tornou uma necessidade, professores passaram a desenvolver meios de comunicação e instruções de direção para as apresentações e na era de ouro da direção, as técnicas já estavam apuradas, com formulas simples de condução. Assim de forma genérica, a mão direita passou a ter a função de marcar corretamente os tempos e a mão esquerda, variava em função da necessidade dos diferentes estilos existentes.
No entanto não existe nenhuma diferença entre a condução de um coro, orquestra ou banda. Com relação à utilização da batuta, de forma genérica, convencionou-se que quando um coro canta sem acompanhamento de instrumentos não há a necessidade da utilização deste utensílio, no entanto, quando da direção de instrumentos, aconselha-se a utilização da batuta. No entanto, muitos maestros de renome não utilizaram as batuta em nenhuma circunstância, por achar que a mão sem batuta é muito mais expressiva.

O tempo
O tempo na música é tipicamente indicado pelos maestros com a mão direita, com a utilização ou não da batuta. A mão desenha no ar os compassos seguindo a indicação estabelecida pela fórmula de compasso. Esses desenhos também não foram marcados sempre da mesma maneira, tendo recebido modificações ao logo dos tempos. Houve um tempo em que se marcava um compasso ternário com o segundo tempo para dentro, mas hoje é unânime a convenção que o segundo tempo é para fora, por exemplo.


O movimento mais importante, no entanto, é o que antecede o primeiro tempo do compasso, ou seja, o tempo que prepara o início da obra ou da passagem, ou o último tempo de um compasso, o que antecede ao primeiro tempo do compasso seguinte. O movimento antecedente de uma entrada, ou o movimento que antecede o início de um compasso é sempre o movimento que deve merecer uma atenção especial do diretor, porque é este tempo que passa as informações necessárias para indicar o tempo seguinte. No entanto o primeiro tempo de um compasso é imprescindível que seja bem claro e que sempre seja para baixo.
Nos tempos lentos, há a necessidade de se utilizar as subdivisões de cada tempo, sendo que os tempos subdivididos tornam-se os movimentos principais, porque aparecem como movimentos preparatórios ao tempo seguinte. Muitos regentes utilizam as duas mãos para indicar estes movimentos em forma de espelho, no entanto a função primordial da mão esquerda é virar as páginas da partitura, dar as entradas ou indicar os aspectos diversos da expressão musical.

Andamentos
Mudanças de andamento da música são indicadas da forma mais simples possível, com a simples indicação da velocidade do tempo. Particularmente os rallentando e accelerando não devem utilizar de artifícios corporais para chamar a atenção, devendo utiliza-se apenas do contato através do olhar, ou fazer movimentos circulares com as mãos, ou introduzindo subdivisões dos tempos.

Dinâmicas
As dinâmicas são indicadas pelo tamanho ou pela área utilizada pelas mãos. Quanto maior o movimento da mão esquerda, maior será a intensidade do som e vice-versa, quanto mais perto do corpo se encontrar a mão esquerda, menor será a intensidade do som e vice-versa. A utilização da palma da mão para cima também indica um movimento de crescendo, e o inverso da mão, indica um diminuendo. Vale destacar que não deve haver associação de tempo para a indicação das dinâmicas. É muito comum se observar o erro de efetuar um rallentando associado a um diminuendo. Este procedimento é causado, porque em muitos casos o maestro está utilizando-se de movimentos grandes para este fim, o que provoca confusão no músico.
Alguns regentes indicam certas dinâmicas partindo da tensão das mãos. Quanto mais tensa for a mão, maior será a intensidade e vice-versa. Grandes blocos sonoros com grande intensidade poderão utilizar-se de uma forte contração muscular de todo o corpo, levando a uma rigidez dos movimentos, enquanto que as dinâmicas opostas correspondem ao relaxamento da musculatura associada a movimentos mais suaves e tranqüilos.
Outros sinais mais intuitivos podem ser utilizados, por exemplo, com o movimento das mãos indicando o progresso da dinâmica, com a brusca interrupção dos movimentos para indicar um piano súbito, ou com a indicação feita por meios dos dedos em movimentos oscilatórios indicando um progressivo decrescendo do som.
Alguns desses sinais podem ser combinados com o contato visual, observando um naipe que deve despontar induzindo os demais naipes do grupo, ajustando assim o balanço entre os diversos instrumentos ou vozes.
Cada indivíduo tem sua escala de dinâmica, que poderá não bater com os demais ou mesmo com o maestro, por isso o maestro está ali na frente para propiciar um melhor equilíbrio entre os naipes. Se não observemos, um forte num trompete, não compete com o mesmo forte numa viola, por exemplo, cabe ao maestro sentir do músico a sua escala de intensidades, e solicitar que este observe o instrumento mais suave.
Um outro aspecto que deve ser levado em consideração está associado ao acompanhamento. Quando um músico acompanha um cantor ou um instrumentista, deve ter a noção que há várias graduações para a mesma intensidade. Por exemplo, um forte do tutti sem solo é um, e bem mais forte quando o tutti está acompanhando um solo (o próprio nome já o diz, que é um único músico) este forte é muito menos forte que quando o grupo está só, assim propiciando um equilíbrio entre o solo e o tutti do grupo musical.
Fazer música não é um ato individual, e sim um ato coletivo. E a partir do momento que se sentiu a necessidade de ter um condutor à frente do grupo, este condutor tem justamente essa finalidade, de observar o equilíbrio e a sonoridade do conjunto como um todo.

Entradas
Outra importante função do maestro é indicar a entrada de um músico ou de uma seção (de um naipe, por exemplo) no momento exato da música. Cabe ao condutor, indicar com o dedo indicador da mão esquerda ou através do olhar o momento certo de sua entrada. No caso de trechos complexos, onde diversas partes instrumentais entram simultaneamente a observância visual torna-se um dos caminhos mais óbvio e prático. Não há como indicar tudo com as mãos, temos apenas duas mãos, mas o olhar, por ter uma visão periféricas, é um dos recursos mais importantes em situações semelhantes.





Expressões
Outras formas de expressão fazem parte da linguagem dos sinais. A indicação de staccato ou legato, são feitos de forma bem diferentes, com movimentos mais ou menos soltos. Fraseados, são indicados com a abertura de arcos ou através de movimentos da mão que seguem a idéia fraseológica. As notas paradas são freqüentemente indicadas com a mão parada e com a palma da mão para cima. O corte final pode ser indicado por meio do toque dos dedos polegar e indicador ou através ou através de um rápido movimento semicircular da mão, de dentro para fora, seja com os dedos ou com a batuta.


Comunicação não verbal
O bom condutor gosta de manter um contato visual com seus músicos, encorajando seus músicos, mantendo uma conversação visual constante com cada cantor ou cada instrumentista, ao invés de utilizar os dedos para este fim. Reações faciais podem ajudar na comunicação, mas a experiência visual responde pelo encorajamento e convite a cada músico.
Como já mencionei em outros textos, o maestro não manda, mas convida o músico a tocar com ele e o músico sente isso através do olhar. O mais convincente para obter resultados é a perfeita combinação entre o olhar e a linguagem quironômica.
O que o músico menos deseja no seu condutor, é que ele se limite a marcar compassos. Quando o regente marca dois ou três compassos seguidos, o músico espera que dali em diante o maestro seja um comunicador quironômico, que mostre suas intenções, que fale através dos gestos.
Em nenhum momento o músico pode tocar ou cantar simultaneamente ao sinal, seja dos olhos ou da mão, o músico gosta de ver o que o maestro deseja e responde imediatamente ao seu comando. O som obtido é uma conseqüência da linguagem utilizada pelo condutor. Há muitos maestros que perdem momentos preciosos de um ensaio falando o que podia estar sendo feito pela linguagem não verbal.
A regência estabeleceu através da história convenções que são utilizadas em todo o planeta. Os sinais que indicam os tempos são uma convenção universal e é dessa forma que devem ser utilizados. Há algumas variantes que podem ser utilizados, mas que dependem do contexto musical onde estão inseridos. Universalmente utilizam-se os seguintes sinais para indicar:

Compasso unitário

Utilizado para compassos em um ou compassos ternários rápidos que são regidos em um, como uma Valsa, um Scherzo, etc.

Compassos binários

Para compassos binários não subdivididos, não importando a classificação simples, composto ou irregular. Este último possuindo características especiais em um dos tempos por sua irregularidade.



Compasso ternário

Para compassos ternários não subdivididos, não importando a classificação simples, composto ou irregular. Este último possuindo características especiais em um dos tempos por sua irregularidade.






Compasso quaternário

Para compassos quaternários não subdivididos, não importando a classificação simples, composto ou irregular. Este último possuindo características especiais em um dos tempos por sua irregularidade.



Compassos subdivididos
Este tipo de configuração do gestual é utilizado em duas circunstâncias: tempos lentos e movimentos que levem a um rallentando.

Compassos Simples
Compasso binário simples subdividido



Compasso ternário simples subdividido




Compasso quaternário simples subdividido


Compasso Composto

Compasso binário composto subdividido





Compasso ternário composto subdividido







Compasso quaternário composto subdividido






Compassos Irregulares
Os compassos compostos por característica possuir duas unidades de tempo diferentes, uma formada por uma figura simples e outro por uma figura composta, ambos integrantes do mesmo compasso, propiciando dessa forma, uma irregularidade na duração dos tempos.
Nos compassos simples e compostos a unidade estabelecida no início da música vale para todo o compasso, ou seja, possuem uma unidade de tempo única (simples ou composta)> A disposição das unidades de tempo diferentes podem ser dispostas no compasso em qualquer posição ou combinação, de acordo com a escrita musical.
Em geral a referencia do tempo é baseada na subdivisão da figura.
Por outro lado a configuração do gesto segue o padrão tradicional, apenas muda a quantidade de subdivisões por cada tempo. Os compassos ternários regem-se em formato de três com as respectivas subdivisões e os compassos quaternários seguem a formatação de um compasso quaternário, com as respectivas subdivisões. Apenas pode-se, para os compassos binários utilizar uma configuração diferente, como segue abaixo:

Compasso binário irregular subdividido (3+2 ou 2+3)





Compasso ternário irregular subdividido (3+2+2 ou 2+3+2 ou 2+2+3)



Compasso ternário irregular subdividido (3+3+2 ou 3+2+3 ou 2+3+3)



Compasso quaternário irregular subdividido (3+2+2+2 ou 2+3+2+2 ou 2+2+3+2 ou 2+2+2+3)

Compasso quaternário irregular subdividido (3+3+2+2 ou 2+3+3+2 ou 2+2+3+3 ou 3+2+2+3)



Compasso quaternário irregular subdividido (3+3+3+2 ou 3+3+2+3 ou 3+2+3+3 ou 2+3+3+3)



NOTA
[1] A arte de regular e acomodar os gestos ao discurso (musical). Mímica, Pantomima.

quarta-feira, 6 de junho de 2007

A TÉCNICA DO MAESTRO

A TÉCNICA DO MAESTRO I - O que está por trás dos gestos do regente
Angelino Bozzini
[1]
Publicado na Revista Weril n.º 120

A figura do maestro ou regente ainda é envolta numa atmosfera de magia e mistério. E, se é verdade que para a realização de um concerto seja necessário um toque mágico, 99% do trabalho depende de muito conhecimento, uma boa técnica e um profundo estudo prévio das partituras.
É importante salientar que, embora a técnica da regência tenha evoluído, fundamentando-se hoje em critérios objetivos, o ponto decisivo é que haja uma comunicação efetiva entre maestro e músicos. Isso quer dizer que é possível um maestro, mesmo sem um bom preparo técnico de regência, conseguir bons resultados graças a uma intimidade com os músicos, com a qual cria-se um "código" de comunicação entre eles. Esse código, porém, só tem eficácia local.
Quando o regente possui uma técnica clara e refinada, pode trabalhar à frente de qualquer grupo, conseguindo transmitir suas idéias musicais a todos os músicos, conhecidos ou não, através de seus gestos.
Vamos analisar os princípios básicos da técnica empregada pelo maestro na arte de traduzir pensamentos musicais através de gestos e expressões. Os níveis da regência Podemos dizer que o ato de reger acontece em vários níveis distintos:
1. No mais imediato, os gestos do maestro devem indicar ao músico quando e como tocar.
2. Num segundo nível, ele deve frasear o discurso musical, conseguindo dar a cada frase sua inflexão adequada, destacando-a dos acompanhamentos.
3. Do ponto de vista mais elevado, ele deve ser capaz de articular a forma da música, conseguindo estruturar o jogo formado entre a apresentação, desenvolvimento e conclusão dos temas musicais presentes em cada obra.
Infelizmente, a grande maioria do regentes não ultrapassa o primeiro nível, muitos sendo capazes apenas de indicar o quando, sem mais nenhuma indicação expressiva; são os chamados "batedores de compasso". Esses poderiam ser facilmente substituídos por um metrônomo, como no filme "Ensaio de Orquestra" do diretor italiano Federico Fellini.
Vamos analisar em detalhes cada um desses níveis.

A marcação do pulso musical
A primeira coisa que os gestos do regente devem indicar é a pulsação do ritmo. O tempo musical não transcorre imutável e constante (pelo menos até Einstein surgir) como o cronológico. Ele pulsa e varia como nosso coração.
Assim, bater os compassos é um gesto pulsante. Por mais lento e legato que um trecho possa ser, os braços do maestro nunca traçam um desenho frio no espaço, mas pulsam com vida de um tempo a outro.
Embora até uma criança possa imitar a aparência dos gestos do regente, conseguir um gesto que seja ao mesmo tempo vivo e preciso não é uma tarefa tão simples. Seu domínio exige uma trabalho consciente e dedicado, similar ao do bailarino para andar com leveza e graciosidade.

A intensidade
Uma das características do som que é fundamental para a expressão musical é a intensidade, ou seja: os contrastes entre forte e piano. O maestro deve com seus gestos conseguir indicar claramente para cada naipe ou músico individual a intensidade com que eles irão tocar. Seus gestos devem ser capazes de destacar as idéias, que são os personagens do discurso musical, dos seus acompanhamentos, que são os cenários.
Alguns compositores, como Mozart, por exemplo, orquestram suas obras com uma técnica semelhante à dos pintores. Assim, uma única frase pode começar num oboé, passar para um clarinete e terminar num fagote. Cabe ao maestro sincronizar e equilibrar essas passagens, de forma que, para o ouvinte, a idéia musical da frase não se perca em meio ao colorido dos timbres dos diversos instrumentos.

As articulações
As diferentes articulações: staccato, legato, detaché e marcato, por exemplo, são uma forma de se obter diferentes texturas sonoras. Os gestos do maestro devem ser capazes de indicar claramente essas diferentes articulações, recriando um tecido sonoro vivo para a expressão musical.

As entradas e os cortes
Embora todo músico de conjunto, seja ele qual for, deve, como parte de sua formação, saber contar e reproduzir corretamente o ritmo da partitura, na prática o relógio interno de cada um nem sempre está perfeitamente sincronizado com o de seus colegas. Um solo executado conjuntamente por dois instrumentistas localizados em lados opostos do palco possivelmente não começará ao mesmo tempo, se não houver uma indicação clara e explícita por parte do regente. Da mesma forma, o final de uma frase pode ficar fragmentado se não for dirigido pelo regente. Gestos para entradas e cortes fazem parte dos movimentos básicos da técnica de regência. Quanto mais claros eles forem para os músicos, mais clara será a expressão musical.

O fraseado
Você já foi a alguma conferência onde o palestrante lê seu discurso do começo ao fim num mesmo tom sem inflexões? Assim são muitos concertos musicais. E, mesmo que cada instrumentista individualmente se esforce para frasear sua parte, se não houver o fraseado do maestro para o conjunto, tudo soará monótono.
Com exceção de alguns estilos musicais do século XX, quase toda música existente tem seu fraseado fundado sobre o fraseado da fala. E, como na fala, cada frase tem um começo, um meio e um fim. É só quando quem fala consegue articular nitidamente cada frase, deixando claro para o ouvinte o começo e o fim de cada idéia, que o discurso como um todo pode ser compreendido.
O discurso musical funciona da mesma forma. A música, além de sentida, também precisa ser entendida e, para que isso seja possível, deve ser correta e expressivamente articulada e fraseada. O maestro necessita encarar o conjunto de instrumentistas como um único instrumento, e é nesse que deve ocorrer sua interpretação. Se não houver o controle centralizado na mão do maestro, teremos somente um grupo de pessoas tocando ao mesmo tempo, porém sem unidade e com um resultado de execução ininteligível.

A concepção da forma
É neste nível em que se distinguem os "maestros normais" dos "grandes maestros". Reger um obra é uma coisa; construir uma concepção própria e conseguir expressá-la é outra muito distinta. A música é uma arte na qual os criadores têm à sua disposição um sistema de notação muito claro e preciso, com o qual podem ser grafadas as idéias musicais mais sutis. Por isso, pode parecer para muitos que bastaria respeitar exatamente as indicações dos compositores nas partituras, e as obras estariam fielmente interpretadas. A verdade, no entanto, está muito longe disso.
Imagine que no futuro inventem uma máquina que possa analisar a estrutura de um ser humano nos mínimos detalhes, até um nível subatômico. Uma outra máquina poderia, a partir dos dados dessa análise, recriar uma cópia perfeita do ser original. Mas e a alma? Pode ser descrita? Analisada? Copiada?
Mesmos nas melhores orquestras do mundo, aquelas que poderiam tocar sozinhas de tão precisas que são, é necessário a batuta de uma maestro para dar o "sopro divino" que cria a alma e origina a vida da música.
Para conquistar esse poder, o maestro precisa evoluir interiormente como ser humano e, a partir dessa dimensão humana, mergulhar na obra, fazendo reacender dentro de si a mesma centelha que, dentro do compositor, deu origem à criação.
Para chegar a tanto, não existe nenhuma técnica conhecida. O caminho é mergulhar dentro de si próprio, tentando compreender sua condição de indivíduo e ser humano e, a partir daí, construir uma ponte entre essa experiência profunda e a prática musical.

A arte de reger na Internet
Existem poucos títulos disponíveis em português sobre a técnica de regência. Um livro ainda encontrado nas livrarias é o "Regência Coral", de Oscar Zander (Editora Movimento, Porto Alegre, 1987). Para os que dominam algum idioma estrangeiro, a Internet pode ser uma boa fonte de informações.
Fornecemos a seguir três endereços básicos com uma sugestão de palavra de busca. Vale a pena procurar!


Inglês - conducting - http://www.thinkingapplied.com/conducting_folder/conducting1.htm

Francês - chef d'orchestre - http://encyclopedie.snyke.com/articles/chef_d_orchestre.html

Alemão - dirigieren - http://www.j-m.ch/documents/musikberuf/23/de.pdf

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A TÉCNICA DO MAESTRO II - Como funciona o código gestual do regente
Angelino Bozzini
Publicado na Revista Weril n.º 121

Vamos analisar neste artigo alguns elementos básicos da técnica da regência. É importante frisar desde o princípio que existem diferentes "escolas" de regência, e elas chegam a postular diretrizes opostas. A única regra fundamental válida para todas é a de que o gesto, por si só, deve transmitir com clareza a idéia musical do regente.
Muitos acreditam que basta ao maestro ser um bom músico para poder reger um grupo instrumental. Essa é uma idéia totalmente equivocada. Seria como achar que um excelente violinista poderia tocar um oboé sem um trabalho técnico específico, só por ser um grande músico. Cada instrumento, seja ele um simples triângulo ou uma orquestra sinfônica, têm sua técnica específica. Ela deve aprendida para que o instrumento seja executado corretamente.
Vejamos agora as etapas do aprendizado dessa técnica.

A formação do regente
O regente deve ter, primeiramente, uma sólida formação musical. Precisa conhecer a teoria da música, a harmonia, o contraponto, as formas musicais e a história da música, além de ter um bom treinamento em percepção e solfejo.
Além dos conhecimentos da linguagem da música, é preciso dominar as características e peculiaridades sonoras de cada instrumento e também da voz humana, quando trabalhar com coros e solistas vocais. Essa base permite que, a partir da partitura, o regente possa formar uma imagem musical da obra clara e rica em sua imaginação.
A partir do momento em que essa imagem ideal da obra tenha se formado em sua mente, a técnica possibilitará que ele dê vida à sua imaginação, através da orquestra, materializando sua concepção sonora.
Vamos à prática.

Conselhos preliminares
Devido à limitação de espaço, este artigo não pode ser um curso sistemático de regência. Assim, vamos iniciar a parte prática com algumas premissas básicas:
Não faça mais gestos do que o necessário para transmitir uma idéia. Você irá confundir em vez de esclarecer;
Encontre o eixo vertical de seu corpo. Mantenha-o vertical e deixe seus gestos irradiarem desse centro;
Dê unidade aos seus movimentos. Se, ao bater um tempo, você articular batuta, pulso, cotovelo, ombro, cabeça e tronco, os músicos terão muita dificuldade em entender qual dos movimentos está indicando o tempo.
Não tente substituir a clareza de seus gestos pela sua expressão facial. Embora ela possa ajudar a acentuar a expressão de determinados trechos, não se rege com a face.
Acredite no poder expressivo dos gestos! Não tente reforçá-los com outros movimentos. Isso seria redundante e desnecessário.
Autoridade e humor são coisas distintas. Não tente impor sua autoridade pelo mau humor. A competência costuma levar a melhores resultados nessa área.
Fale o mínimo necessário. Um ensaio não é uma palestra nem uma aula expositiva. É um trabalho coletivo que tenta recriar a concepção musical de um indivíduo.
O ideal é reger de cor. Caso isso não seja possível, use a partitura apenas como uma referência. Seu olhar deve manter um contato direto com o dos músicos. Essa é a principal forma de manter o controle e a unidade psicológica da orquestra.
Cuide do seu corpo! Relaxe sua musculatura! A linguagem da regência é simbólica. Para indicar um forte, basta fazer o gesto adequado, não precisa contrair toda sua musculatura para isso. Se você estiver usando seu corpo corretamente, sentir-se-á revigorado ao final de uma apresentação ou ensaio. Caso sua sensação seja a de que um trator lhe passou por cima, pode ter certeza de que não está usando seu corpo adequadamente.
Seja explícito, não dê margem à comunicação equivocada. Se a telepatia é possível, ela não é um pré-requisito para um músico. Portanto, não espere que os músicos adivinhem suas idéias. Mostre-as claramente através de seus gestos!
Cultive sua riqueza interior. Um maestro deve ser admirado pelos músicos por sua humanidade e não somente respeitado por sua autoridade. Seu verdadeiro trabalho inclui muito além de notas afinadas e ritmos corretos.
Vejamos agora alguns detalhes técnicos.

A área de trabalho
O regente deve ter clara para si uma área no espaço onde seus gestos acontecerão. A maioria de seus movimentos acontecerá no centro dessa área. Qualquer deslocamento desse centro deverá provocar uma diferença dinâmica ou expressiva dos músicos.
Como base, você deve imaginar um "__" (um T invertido) cuja base estará na linha de sua cintura. Para corais, ou dependendo da colocação dos músicos no local de execução, esse plano pode ser deslocado para cima.

O gesto preparatório
Talvez seja o movimento mais importante de todos, pois deve indicar simultaneamente o tempo, a dinâmica e o caráter da música que vai se iniciar.
A velocidade do gesto indicará o tempo; o peso, a dinâmica; a forma do gesto (angular ou redondo) indicará a articulação.
O gesto preparatório determina também o local no espaço onde reside a linha de base da regência. Veja a ilustração.



Um bom local para se praticar o gesto preparatório é sobre uma mesa que tenha como altura a linha de base de sua área de regência. Seu pulso deve estar reto, ficando sua mão como uma continuação de seu braço. Ao tocar a mesa, no ponto de marcação preparatória do primeiro tempo, o gesto deve ser idêntico àquele que fazemos quando queremos verificar se um ferro de passar roupas está quente, ou àquele que fazemos com uma baqueta tocando a pele de um tambor. É um gesto elástico, que não empurra, mas sim tira energia do contato. Pratique com os dois braços juntos e depois com cada um individualmente.

A marcação do compasso
Você encontrará em vários livros antigos gráficos de marcação de compassos baseados em uma cruz. Quase todos os regentes de hoje já abandonaram esse esquema, optando pelo "T" invertido. A principal razão disso é que, ao marcar todos os tempos numa linha de base, você fica com o restante da área de regência livre para indicações expressivas.
A ilustração mostra, como exemplo, o padrão do compasso de 4 tempos em legato. Como regra: quanto mais legato o trecho musical, mais redondos devem ser os gestos; quanto mais marcato o trecho, mais angulares os gestos.



As entradas e os cortes
Embora os dois braços possam trabalhar simetricamente para reforçar a imagem dos gestos, o normal é que o braço direito indique principalmente a marcação do tempo, da dinâmica e da articulação, ficando para o esquerdo as entradas, os cortes e o fraseado.
Você deve praticar uma marcação contínua do compasso com o braço direito e, com o esquerdo, indicar entradas em cada um dos tempos. Em trechos de instrumentação mais complexa, pode-se também indicar entradas para instrumentistas individuais com a cabeça.
Na ilustração, vemos o gráfico do gesto para um corte. Ele pode ocorrer em qualquer dos tempos do compasso.




Praticando
Se você já é regente e tem um conjunto sob sua batuta, pode desenvolver mais rapidamente e ver na prática o resultado do seu estudo.
Para os que ainda estão se preparando, aconselhamos trabalhar muito a imaginação, cantando interiormente, visualizando o conjunto instrumental à sua frente. Só utilize gravações depois que tiver formado sua própria imagem sonora da obra. Do contrário, você é que será regido pelo seu aparelho de som.
Não se dê nunca por satisfeito. Procure sempre aprofundar sua concepção. Uma obra de arte é como um indivíduo que, a cada nova abordagem, pode nos revelar uma nova face antes desconhecida.

Livros
Sugerimos como um bom manual sobre regência o livro "A Arte de Reger a Orquestra", de Hermann Scherchen. Traduzido em vários idiomas (infelizmente não ainda em português), pode ser facilmente adquirido via Internet. Existe uma tradução espanhola, mais acessível aos brasileiros, da Editorial Labor, S.A. (ISBN 84-335-7857-X)

A "Aura" sonora do regente
Finalizando, vale a pena falar de um fenômeno interessante: a "aura sonora" do regente. Ao amadurecer sua imaginação musical e aperfeiçoar sua técnica, o maestro cria no seu espírito um mundo sonoro próprio, impregnado com sua marca pessoal. Essa aura o acompanha aonde for, independente dos música que esteja regendo.
Assim, da mesma forma que um bom instrumentista tira o "seu" som, qualquer que seja o instrumento que esteja em suas mãos, o bom maestro faz o mesmo com cada orquestra que reger.

NOTA:

[1] (Angelino Bozzini é professor e trompista da Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo)

segunda-feira, 4 de junho de 2007

"A História da Regência Orquestral no Século XIX" - 3ª Parte e 4ª Parte

Livro produzido pelo Maestro Carlos Kaminski - Grafe Editorial 1999

Índice






1. Grandes Mestres da Regência
A História da Regência é produto das realizações de inúmeros regentes que trabalharam pelo aprimoramento das interpretações das grandes obras da literatura operística e sinfônica dos séculos XIX e XX. Entretanto, por motivo de abrangência desproporcional, o nosso estudo limita este capítulo àqueles nascidos até a última década do 1800. Desta forma, o trabalho não inclui Maestros de grande expressão nascidos no século XX, como Karayan, Leonard Berstein, Carlo Maria Giulini, Zubin Mehta, Claudio Abbado, Seiji Ozawa, Nikolaus Harnoncourt e Kurt Mazur, entre outros grandes regentes muito próximos da vida musical dos dias atuais.
2. Hans von Bülow (1830-1894)
Na História do desenvolvimento da Direção Orquestral Hans von Bülow representa o momento mais alto dos primeiros regentes profissionais do século XIX.A sua forma de interpretação foi reconhecida em todas suas fases substanciais, até conseguir a mais alta perfeição técnica entre todos os regentes do período, incluídos Liszt e Wagner .A sua dedicação ao estudo da estética da obra musical lhe permitia um entendimento do caráter sonoro da partitura. O seu método minucioso da preparação orquestral rendia excelente resultado artístico.
O trabalho regular, arduo e didático lhe era de muito agrado , por isso aceitava convites para reger os mais diversos grupos orquestrais , independente da qualidade instrumental dos componentes da orquestra. Requisitado pelas melhores Sociedades de Concerto da Europa e dos EUA, privilegiava nas suas apresentações composições de Bach e Beethoven e, preferencialmente, Berlioz, Liszt e Wagner.
O seu sucesso na regência resultou na imitação dos seus traços gestuais mais destacados, como o gesto marcado, a mobilidade corporal, a pose autoritária e sua fisonomia sempre severa, até com alguns efeitos propositais. O seu discurso musical também foi bastante copiado, ao ponto que na crítica musical da interpretação regencial de qualquer Maestro da segunda metade do 1800, se utilizava a frase "Bülow fazia assim" .
3. Arthur Nikisch (1855-1922)
Violinista e Diretor de Orquestra, aluno direto de Hellmesberger no Conservatório de Viena. Sua primeira experiência na regência foi como Maestro do Teatro do Estado de Leipzig em 1878. Regente discutidíssimo pela sua personalidade intuitiva, foi o representante de uma linha de expressão arrebatada, distante de qualquer academicismo.
Reconhecido como um dos maiores regentes da Europa, foi também muito requisitado nos EUA. Regente Titular (Kapellmeister) em 1882 em Leipzig, sucede a Reinecke nos concertos do Gewandhaus em 1895 e realiza paralelamente uma intensa atividade de viagens artísticas como convidado da Orquestra de Berlim. Em 1906 assume o Teatro Estadual de Leipzig e em 1912 se radica nos EUA .
Suas características consideradas brilhantes eram: a espontaneidade, o espírito vivaz e a absoluta liberdade na recriação artística, totalmente na linha expressiva proposta por Liszt e Wagner.
4. Felix Weingartner (1863-1942)
O regente que no fim do 1800 e nas primeiras décadas do novo século reúne a seriedade de Bülow e a vivacidade de Nikisch é Felix Weingartner, a quem podemos aclamar como o maior realizador do ideal de interpretação artística antes de Toscanini e Furtwängler. A profundidade do seu discurso regencial tem a legitimidade histórica de ter assistido a inúmeros ensaios dos mais célebres regentes do fim do século XIX.
Seus gestos regenciais eram sóbrios e pequenos, muito próximos da prática antiga de Spontini e Mendelssohn, sobre os quais Weingartner tinha lido críticas e correspondências publicadas em jornais lítero-musicais. Autor de música teatral, Weingartner expôs os seus pensamentos em diversos artigos publicados no Allgemeine Musikzeitung, a partir de 1905 e no texto "Sulla Direzione D'orchestra" (Versão em Italiano de Adriano Lualdi), onde divide seus conceitos de Regência com uma primeira parte crítica que alterna opiniões favoráveis e desfavoráveis sobre os regentes da época e uma segunda parte teórica, onde trata do seu ponto de vista sobre assuntos certamente não originais da Técnica de Regência mas, sem dúvida, nem sempre discutidos ou desenvolvidos com a necessária profundidade no estudo da práxis regencial.
Após ocupar cargos de segundo Regente e Diretor Convidado em grandes centros como Berlim, Munique, Nova York e Paris, o grande sucesso obtido em 1908 junto à Orquestra Filarmônica de Viena lhe rende o cobiçado cargo de Diretor Principal da maior instituição orquestral da Austria .
5. Arturo Toscanini (1867-1957)
Arturo Toscanini é o intérprete que na sua especialidade, a concertação vocal-instrumental, mostra a mais elevada e perfeita relação entre o seu espírito pessoal e a obra de arte. Toscanini oferece uma gama muito ampla de argumentos aos problemas interpretativos e, dentro das soluções adotadas, parece sempre ter o domínio estético-formal e a necessária experiência técnica.
Toscanini é para a prática orquestral o ponto mais elevado do seu desenvolvimento. Toda a sua envergadura artística foi conquistada após mais de trinta anos de prática orquestral - quando contava aproximadamente cinqüenta anos de idade -, mostrando sempre uma dedicação incondicional à estética da obra musical. Toscanini exclui de seu repertório as obras do '600. Muito raramente inclui obras do '700 italiano ou alemão. Rege poucas obras de Haydn e de Gluck, mas seu entusiasmo foi muito grande por Mozart e Beethoven. Foi também grande divulgador das obras dos compositores contemporâneos Europeus e Americanos da primeira metade do século XX.
Para Toscanini o mais importante não era dirigir uma orquestra. Seu método interpretativo estava sempre à procura do texto musical, da prosódia, do colorido instrumental com sólido estudo da estética e da estruturação da forma musical. Suas mãos, sua batuta, seus olhos e seus braços pareciam transmitir em gestos pequenos toda a extensão e intensidade da Composição Musical. Toscanini era grande não só por conseguir fazer soar a orquestra, mas porque possuía uma imagem interna da interpretação adequada de cada obra musical que regia. Seus ensaios (agitados e nervosos), visavam a total dedicação ao aperfeiçoamento interpretativo da obra de arte.
Diretor do Teatro "Alla Scala" de Milão, Diretor do Metropolitan de Nova York, regente da Orquestra Filarmônica de Nova York e da Rádio NBC, Toscanini representa socialmente a imagem ou protótipo do Regente de Orquestra e, a rigor, encerra um ciclo que nos permite afirmar que após o grande mestre italiano ninguém conseguiu dar à Regência prática alguma visão interpretativa ou técnica que já não fosse do conhecimento do público amador e da crítica especializada. Mesmo quando grandes Mestres da Regência do século XX como Berstein e Karayan - ou a nova geração de Zubin Mehta e Claudio Abbado -, se destacam pela interpretação do repertório convencional, Toscanini representa o topo da evolução técnica - interpretativa da História da Regência.
6. Wilhelm Furtwängler (1886-1954)
Notável regente alemão, com destacada atuação à frente da Orquestra do Gewandhaus, da Orquestra Filarmônica de Berlim, da Ópera de Berlim e junto à Orquestra Filarmônica de Viena. Sua arte pode ser definida como a capacidade de, a cada apresentação musical, recriar espontaneamente o pensamento do compositor.
Suas marcações, propositalmente imprecisas, resultavam em sonoridades mais amplas e ligadas que afetavam o andamento musical e criava sensações de uma percepção espiritual única entre os regentes profissionais (possivelmente só Seiji Ozawa consegue nos dias de hoje uma aproximação com o grande mestre alemão).
Autor de numerosos artigos em Revistas e jornais da Alemanha, defendia uma visão positivista da realização da obra musical. Escreveu o manual "Das Dirigirent", comentado nos estudos musicológicos de Andrea Della Corte, onde manifesta suas idéias sobre o processo de recriação artística.
7. Bruno Walter (1876-1972)
Originalmente chamado Schesinger, nasceu em Berlim e teve severa formação musical no ambiente privilegiado da cidade. Assistiu a concertos e ensaios de Bülow, Nikisch e do jovem Weingartner. Foi assistente de Mahler na Ópera da Corte de Viena, Diretor da Ópera de Munique e Regente Associado do Covent Garden de Londres. Diretor dos Concertos do Gewandhaus de Leipzig e do Concertgebouw de Amsterdam. Se estabeleceu nos EUA fugindo do nazismo, regendo sucessivamente a Orquestra de Los Angeles, a Filarmônica de Nova York e no Metropolitan Ópera House.
Walter se destacava por uma regência onde prevalecia o gesto sóbrio, pequeno e discreto. Sua mão direita era clara, sem os rodeios imprecisos da batuta de muitos regentes que não conseguiam transmitir com clareza o tempo musical. Sua mão esquerda só era utilizada para marcar entradas, ataques, ou regular a dinâmica. Sua postura revelava pouca mobilidade, mas sempre atento e vigilante, com seu olhar eloqüente e dominador.
O próprio regente gostava de se autodefinir não como um criador da arte e sim como um recriador, conforme atestam Lualdi e Della Corte. Com Toscanini e Furtwängler, Bruno Walter forma a tríade que pela sua contemporaneidade, mentalidade, cultura e laboriosidade representa o momento mais alto da interpretação regencial, sobre a qual se consolida a técnica básica da Regência Orquestral praticada até os nossos dias.
8. Gustav Mahler (1860-1911)
A carreira composicional de Mahler as vezes encobre a sua importância como grande maestro, mas os cargos de Regente Principal e/ou como Segundo Regente no Landestheater de Praga, na Ópera de Leipzig, no Staadtheater de Hamburgo, na Ópera Real de Budapest e na Hofoper de Viena, lhe permitiram consolidar uma carreira regencial de alto prestígio.
De origem judia, Mahler enfrentou diversos problemas na Alemanha e na Áustria, tendo que migrar para os EUA, onde regeu primeiro a Ópera House e depois a Orquestra Filarmônica de Nova York. Sua forma de reger, ampla, arrebatada e fascinante; a sua personalidade tirânica e o claro domínio da obra musical, forçavam um misto de intimidação e novos estímulos na interpretação musical, conseguindo efeitos extraordinários em relação aos timbres instrumentais e a mais alta espiritualidade na recriação da obra de arte .
9. Richard Strauss (1864-1949)
Regente e compositor alemão. Nascido em Munique, foi influenciado pelo pensamento estético de Liszt e Wagner. Aos 17 anos já era Regente Assistente da Ópera de Munique e convidado de importantes centros orquestrais da época. Regeu em Beyreuth, sendo em 1896 promovido ao cargo de Regente Principal da Ópera de Munique. A partir de 1908 foi regente assíduo das orquestras da Corte de Berlim, da Ópera de Berlim e, em 1919, Diretor Adjunto da Ópera de Viena.
Como regente com toda a sua agenda lotada por vários anos, rege na América do Norte e na América do Sul. A sua forma de dirigir definiu o tipo da chamada Regência "Straussiana", onde a mão e braço direitos marcam o tempo principal e a mão e braço esquerdos permanecem relaxados junto ao corpo, sendo acionados só para algumas entradas importantes ou para marcar alguma dinâmica diferenciada. Este estilo de Regência foi seguido por Carlo M.Giulini e Kurt Mazur, entre outros regentes do século XX .
10. Willem Mengelberg (1871-1951)
Regente nascido na Holanda. Após estudos em Utrech e Colônia assumiu em 1895 - com vinte e quatro anos de idade -, a Direção do Concertgebouw de Amsterdam, cargo que ocupou pelo resto da sua vida profissional, tornando essa Orquestra um conjunto de alta qualidade, reconhecidamente como uma das melhores do mundo.
Famoso pelas interpretações das obras de Richard Strauss e Gustav Mahler, Mengelberg era regente meticuloso e disciplinado, se destacando pelo uso uniforme das articulações dos instrumentos de arco e dos instrumentos de sopro. Dotado de grandes conhecimentos técnicos, Mengelberg era ousado na realização artística, tratando de forma livre e intuitiva as indicações originais dos compositores, recriando dessa forma novas versões da obra de arte.
11. Thomas Beecham (1879-1961)
Um dos mais famosos regentes da Inglaterra, criou e dirigiu a British National Company, a Orquestra Filarmônica de Londres e a Royal Philarmonic Orchestra. Maestro intuitivo, de formação autodidata, Beecham se destacava pelo impulso incondicional para a criação e manutenção de conjuntos instrumentais, formando, organizando e regendo diversos grupos de alto nível artístico. Suas características principais como regente eram o ritmo firme e o fraseado romântico.
12. Adrian Boult (1889-1983)
Regente nascido na Inglaterra, estudou em Oxford e no Conservatório de Leipzig. Sua técnica era controlada e sóbria, apesar de Boult ser bastante influenciado por Nikisch. Escreveu dois textos sobre Regência, os quais se encontram esgotados: "A Handbook on the Technique of Conducting" e "Thougts on Conducting". Diretor da Orquestra da BBC de Londres e da Orquestra Sinfônica de Londres, sua grande discografia revela amplo domínio do repertório tradicional e a sua atividade artística a favor dos novos compositores da Inglaterra.
13. Charles Münch (1891-1968)
Regente e violinista nascido na Alsácia. Estudou em Paris e Berlim, sendo primeiro violino da Orquestra do Gewandhaus de Leipzig entre os anos de 1926 e 1933 - baixo a direção de Wilhelm Furtwängler -, onde obteve grande experiência como preparador instrumental e "Concertino" de orquestra.
Foi Regente Principal da Orquestra Sinfônica de Boston de 1948 a 1962, se destacando pelas interpretações vivas, espontâneas e extremamente dinâmicas da música Francesa, Espanhola e Americana, assim como na recriação artística das obras de Johannes Brahms.
A sua versão das quatro sinfonias de Brahms permanece até hoje como um importante registro discográfico do mais alto nível interpretativo. Os vídeos gravados dos seus ensaios e apresentações musicais revelam o gesto preciso - com pleno domínio da batuta -, e uma extraordinária musicalidade na regência do mais amplo repertório romântico e das grandes obras sinfônicas do século 20.
14. Pedagogos da Orquestra
Neste capítulo registramos o nome de diversos regentes que tiveram destacada atuação no campo da regência, como verdadeiros formadores ou "concertattori" de orquestras, isto é, os chamados Pedagogos de Orquestra, notáveis preparadores de conjuntos instrumentais.
15. Ernest Ansermet (1883-1969)
Um dos grandes realizadores da atividade regencial, nasceu na cidade de Vevey, Suíça. Como regente, iniciou em 1915 os "Concertos por Assinatura" na cidade de Genebra e que três anos depois permitiriam a consolidação da Orquestra da "Suise Romande", da qual Ansermet foi Diretor Artístico por várias décadas.
Amigo pessoal de Igor Stravinsky, foi indicado a Diaghilev como Regente Principal da Companhia de Balé Russo. Em 1916, fez sua estréia nos EUA e em 1917 na América do Sul. Pedagogo brilhante, incentivou a partir de 1915 cursos de Técnica de Regência na cidade de Montreaux. Idolatrado pelo público suiço como regente de alto nível, se destacou como um dos melhores preparadores de orquestra.
16. Tulio Serafim (1878-1968)
Nascido na cidade de Veneza, atuou como violista do Teatro "Alla Scala" de Milão, onde posteriormente ocupou os cargos de Preparador de Orquestra e Regente Principal. Diretor de Concertos do Teatro Augusteo de Roma, Regente de ópera no Metropolitan de Nova York e Diretor Artístico do Teatro da Ópera de Roma, Serafim se destaca como grande "Concertattore" de espetáculos operísticos e de Concertos Sinfônicos.
Sua habilidade na dinâmica imprimida aos ensaios e seu profundo conhecimento dos instrumentos da orquestra lhe permitiam um desempenho profissional muito bem aceito tanto pelas orquestras que regia como pela crítica especializada, sendo amplamente elogiado pela sua produção expressiva e bem equilibrada do Melos musical.
17. Eugene Ormandy (1899-1985)
Diretor de Orquestra, naturalizado Norte-americano. Foi regente da Orquestra Sinfônica de Minneápolis e dividiu com Stokowski a regência da Orquestra de Filadélfia, na qual posteriormente foi aclamado como Regente Principal. Ormandy elevou a produção da Orquestra de Filadelfia ao nível das melhores do mundo, mostrando seu grande talento como preparador orquestral e dando ao conjunto um colorido tímbrico de alta realização técnica e estética. As suas inúmeras gravações em vídeo do repertório tradicional e contemporâneo da Composição Musical, permite ratificar a sua alta qualificação artística.
18. Leopold Stokowski (1882-1977)
Diretor de Orquestra, naturalizado Norte-americano. Estudou em Londres, sua cidade natal, no "College of Music". Estabelecido nos EUA desde 1905, rege a Orquestra Sinfônica de Cincinnati e, posteriormente a Orquestra de Filadelfia, à qual deu grande impulso artístico e promocional. Criador dos "Concertos para a Juventude" no ano de 1933, formou uma grande platéia de novos ouvintes de Música Erudita. A partir de 1936, Stokowski se aproxima da Música Pop e do cinema, colaborando nos Estúdios Walt Disney em célebres gravações como a do filme "Fantasia". Regente da Orquestra Filarmônica de Nova York (em conjunto com Dimitri Mitropoulus), foi incansável formador, tendo o mérito de ter aproximado a Música Erudita do grande público.
19. Serghei Kussevitzky (1874-1951)
Diretor de Orquestra e Contrabaixista russo, estudou em Moscou e foi integrante da Orquestra do Teatro Bolshoi. Regente da Orquestra de Petrogrado a partir de 1917, em 1924 aceita o cargo de Diretor Estável da Orquestra Sinfônica de Boston, onde foi seu mentor até o ano de 1949. Foi o fundador do Berkshire Music Center em Tanglewood, Massachusetts, que se tornou um grande polo de difusão musical.
Reconhecido como formador de novos maestros, entre os seus discípulos podemos citar Leonard Berstein e Eleazar de Carvalho. Célebre preparador de Orquestra, se destacou pela sonoridade ampla que conseguia nos instrumentos de Arco e pela precisão e articulação dos instrumentos de Sopros.
20. Fritz Reiner (1888-1963)
Nascido em Budapest, se naturalizou americano a partir de 1922, quando assumiu a Orquestra Sinfônica de Cincinnati. Posteriormente foi Diretor da Orquestra de Pittsburgh, da Ópera de San Francisco, da Orquestra de Chicago e convidado regular da Orquestra Filarmônica de Viena.
Tido como grande preparador musical, Reiner conseguia os mais brilhantes resultados sonoros pelo deu método minucioso de ensaio. Regente cuidadoso, foi amplamente elogiado pela crítica americana e vienense.
21. Pierre Monteaux (1875-1964)
Diretor de Orquestra francês, foi destacado regente do Balé comandado por Diaghilev. Diretor permanente junto ao Metropolitan de Nova York, da Orquestra Sinfônica de Boston e Co-Diretor -com o grande Mengelberg-, da Orquestra do Concertgebouw de Amsterdam.
Criou a Orquestra de Paris em 1928 e voltou posteriormente para os EUA para dirigir a Ópera de San Francisco, sendo finalmente nomeado Primeiro Diretor da Orquestra Sinfônica de Londres. Em Paris, criou uma Escola de Regência, onde passaram diversos Maestros da nova geração de Diretores de Orquestra e onde Monteaux ministrava os seus conhecimentos de exímio preparador orquestral.
22. Erich Kleiber (1890-1956)
Regente austríaco. Estudou em Viena e Praga, atuando como Diretor da "Staatoper Berlin". Maestro minucioso e detalhista, era admirado pela interpretação e concertação das obras dos compositores contemporâneos. Foi o primeiro Maestro a reger a Ópera Wozzek de Alban Berg, para a qual utilizou nada menos que 137 ensaios.
23. Otto Klemperer (1885-1973)
Regente alemão. Estudou em Frankfurt e Berlim, recebendo incentivo de Gustav Mahler. Sua fama de verdadeiro paladino da música de vanguarda lhe rendeu convites para reger as grandes orquestras do mundo. Em 1933 emigrou para os EUA e em 1951 passou a reger constantemente a Orquestra Filarmônica de Londres, da qual se tornaria Diretor Principal. Foi também grande preparador das melhores versões dos compositores austro-alemães, mostrando todo um equilíbrio formal apurado.
24. Conclusão
A História da Regência no século XIX é um registro do perfil dos artistas que conseguiram estabelecer as bases da Regência Contemporânea. No desenvolvimento do trabalho foram relatadas informações sobre Antecedentes da Regência, antes da consolidação da Orquestra Sinfônica, visando conhecer a forma de dirigir anterior ao advento do Regente Profissional.
A Pesquisa da literatura ao nosso alcance permitiu a identificação de importantes Diretores de Orquestra, a quem denominamos como Precursores da Regência. O estudo da bibliografia nos permitiu elaborar um capítulo de grande relevância relacionado com regentes que podem ser considerados como Teóricos da Regência.
O capítulo anterior foi acrescido com o tópico Outros Teóricos da Regência, onde adicionamos nomes bastante significativos para a arte regencial. Mesmo tornando a abrangência do trabalho muito ampla, não podemos deixar de relatar novos tópicos importantes para ciência e registro, como: Outros Regentes importantes, Grandes Mestres da Regência e os chamados Pedagogos de Orquestra, com informações valiosas para a atividade docente.
O trabalho foi completado com uma Bibliografia comentada, onde registramos o nosso parecer sobre os textos estudados. Finalmente, os assuntos relatados permitem a abertura de novas pesquisas sobre Regência, entre as quais podemos sugerir os seguintes temas e áreas de conhecimento:
Sociologia: A função social do regente.
Sociologia da Arte: Regência - Produção e consumo da obra artística
Psicologia: Processos dinâmicos nos ensaios de orquestra.
Educação: Métodos e técnicas de preparação de uma orquestra.
Semiótica: Leitura dos códigos gestuais de um Regente


"A História da Regência Orquestral no Século XIX" - 4ª Parte
Livro produzido pelo Maestro Carlos Kaminski - Grafe Editorial 1999



BIBLIOGRAFIA COMENTADA
BAPTISTA, Raphael - "Tratado de Regência", São Paulo, Irmãos Vitali, 1976
Esta obra pode ser considerada como muito importante pelos seus conceitos técnicos específicos e nas generalidades do ato de reger. Entretanto, considera o processo de ensino como uma "automatização". Outra constatação obvia é que não reúne considerações sobre conceitos Históricos da Regência, desenvolvendo só exemplos para a prática gestual.
BERLIOZ, Hector - "O diretor de Orquestra" - (Texto comentado estudo)
DAS ORCHESTER - "Revista mensal de música" - Frankfurt, Schott.
Uma das mais importantes revistas musicais de publicação mensal, com artigos sobre todas as áreas da musicologia. Diversas matérias foram utilizadas na bibliografia e outros artigos serviram para comparações com trabalhos aqui estudados. Exemplares do ano de 1994 - nº 2 - p. 4 a 11, - nº6 - p. 11 a 14, - nº 7 / 8 - p. 12 a 16, - nº 9 - p. 7 a 14; 1995 - nº - 2 - p. 8 a 13 e 1996 - nº 1 -, p. 22 e 23, - nº 7 / 8 - p. 9 a 14, - nº 10 - p. 11 a 18, - nº 11 - p. 25 a 27.
DELDEVEZ, Edouard.M.E. - "A Arte do diretor de orquestra" - (Texto comentado no estudo )
DELLA CORTE, Andrea - "L'Interpretazione Musicale e gli interpreti", Unione Tipográfico, Ed.Torinese,1952, p. 1 a 218.
Um trabalho extraordinário do grande musicólogo italiano. Particularmente importante na sequência do desenvolvimento técnico e artístico da Regência e de sua conceituação.
GALKIN, Elliot.W. -"A History of orchetral Conducting in Theory and Practice", New York Pendragon Press, 1988, 893 p.
Em nossa opinião, este trabalho é o único estudo abrangente e profundo já realizado na parte Histórica da Regência. Entretanto, possui uma organicidade complexa e não desenvolve em toda sua extensão a conceituação musicológica da Regência em Berlioz e Wagner que, a nosso ver, são indiscutivelmente os verdadeiros Teóricos da Regência contemporânea.
GALLO, J.A. et alli - "El director de Coro", Buenos Aires, Ricordi, 1975, 150 p.
Apresenta um registro metódico mas simplificado da regência. Não possui maior informação sobre conceituações básicas, nem um perfil histórico das diversas formas de regência.
GASSNER, Ferdinand Simon - "Dirigirent und Ripienist". (Texto comentado no relatório).
KAMINSKI, Carlos - "O gesto e o som: Tópicos Metodológicos para o Ensino de Regência nos cursos de Educação Artística", São Paulo, Dissertação de Mestrado, ECA-USP, 1989, 120 p.
Trabalho de nossa autoria onde os princípios filosóficos da Arte-Educação permitem sensibilizar o movimento e vivenciar a gestualidade pela prática do processo criativo. Não contém informação histórica, servindo apenas como referência para a percepção dos processos criativos da interpretação regencial.
KAMINSKI, Carlos - "A Imagem e o Som: A Comunicação e a Expressão Cinésica na Regência Orquestral.", Tese de Doutoramento, ECA-USP, 1995, 150 p., 1 vídeo.
Reúne informações básicas sobre antecedentes históricos e conceitos de Regência, produto da nossa pesquisa aqui relatada e ligada ao Departamento de Música do Instituto de Artes da UNESP.
KAMINSKI, Carlos - "Toscanini" - Artigo apresentado em seminário do Curso de Pós-Graduação da ECA-USP, 1994, 26 p.
Reúne informações biográficas de Arturo Toscanini e os mais importantes conceitos das suas idéias sobre a arte da interpretação musical do regente.
LUALDI, Adriano - "L'Arte de dirigire l'orchestra", Milano Ulrico Hoepli,1949, 592 p.
O grande musicólogo italiano nos apresenta um texto riquíssimo em informações sobre os grandes nomes da regência do século XIX. Reúne no mesmo trabalho, a tradução para a língua italiana dos originais de Berlioz e de Wagner, fonte da nossa pesquisa sobre conceitos da regência.
RUDOLF, Max - "The Grammar of Conducting", New York, G.Schimer, 1950, 350 p.
Texto estritamente técnico. Apesar da alta qualidade técnica do conteúdo, não informa nem remete a qualquer citação histórica sobre conceitos de regência.
SCHERCHEN, Hermann - "Manuale del direttore d'orchestra", Milano, curci, 1979, 343 p.
O texto do maior professor de regência de todos os tempos não se notabiliza pela fundamentação de uma História da Regência. Seus conceitos mais importantes são a vivência interior da partitura musical e a imagem mental da obra a ser dirigida.
WAGNER, Richard - "A Arte de dirigir a orquestra"
ZANDER, Oscar - "Regência Coral", Ed.Movimento, Porto Alegre, 1979, 330 p.
Texto abrangente, porém sem grande aprimoramento técnico. Oferece uma visão histórica da regência bastante superficial e discorre desde aspectos conceituais até Formas da Música Coral.
Outras fontes:
The New Grove Dictionary, London, Macmillan Publishers Ld., 1980.
Enciclopedia della Musica Ricordi, Ricordi, Milano, 1977.
BIBLIOGRAFIA BÁSICA
BACHMANN, A. - An Encyclopedia of the Violin, Da Capo Press, New York, 1966.
BAS, Julio - Tratado da la Forma Musical, Buenos Aires, Ricordi, 1983.
CARPEAUX, Otto M. - Uma nova História da Música, Rio de Janeiro, Alhambra, 1977
DISHINGER, R.C. - Conducting Technique Workbook, Indiana, Studio 224, 1976.
FINN, Willian, J. - The Conductor: Raises his baton, New York, Harper, 1944.
FORINO, Luis - Apuntes de História y Estética de la Música, Bs. Aires, Ricordi, 1975.
FUBUNI, E. - La Estética Musical desde la Antigüedad hasta el siglo XX, Alianza Ed., Madrid, 1930.
GROSBAYNE, Benjamin - A perspective on the Literature of Conducting, Ed.Royal Musical Ass., 1941.
GEHRKENS, Karl - Twenty Lessons in Conducting Philadelfia, O. Dictson Company, 1930.
INGHELBRECHT, D.E. - The Conductors Worlds London, Nevill, 1960.
INGHELBRECHT, D.E. - Le Chef d'orchestre et son èquipe Paris, René Juilliard, 1949.
KAHN, Emil - Workbook for conductin, New York, The Free Press, 1965.
KAMINSKI, Carlos - Desenvolvimento da Orquestra de Cordas no Período Barroco. Departamento de Música do IA-UNESP
KELLER, H - Fraseo y articulación: contribuición para una lenguística musical, Eudeba, Buenos Aires, 1964.
KOELLREUTER, H.J. - Harmonia Funcional: Introdução à Teoria das Funções Harmônicas, São Paulo, Ricordi, 1978.
LABUTA, Joseph - Basic Conducting Techniques, New Jersey, Prentice Hall, 1989.
LANDOWSKI, M. - La Orquestra, Eudeba, Buenos Aires, 1964.
MARTINEZ, José Luiz - Música e Semiótica: um estudo sobre a questão da representação na linguagem musical. PUC-SP, 1991.
MUNIZ NETO, J. V. - A Comunicação Gestual na Regência Orquestral. São Paulo, Annablume, 1993.
RECTOR, M-TRINTA - A Comunicação - não verbal: a Gestualidade brasileira. Petrópolis, Vozes, 1985.
REYNOR, Henry - História Social da Música: da Idade Media a Beethoven, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1981.
PROD'HOMME, J.G. - Hector Berlioz as vie et ses ouvres. Paris, Delagrave, 1913.
SPINA, Segismundo - Normas gerais para os trabalhos de grau, São Paulo, Editora Fernando Pessoa, 1974.
Outras fontes:
"Publex , S.A". - História de la Música, Buenos Aires, Revista semanal, Exemplares 01 a 26, 1965.
"El Mundo de la Música" - Enciclopédia Musical, Buenos Aires, Editora Ars, 1966.

"A História da Regência Orquestral no Século XIX" - 2ª Parte

Livro produzido pelo Maestro Carlos Kaminski - Grafe Editorial 1999

Índice


1. Teóricos da Regência
O surgimento da Regência Moderna durante o 1800 permite ligar a atividade da Direção Orquestral com as atividades de músico - instrumentista e músico-compositor. O nosso estudo se complementa com os regentes que registraram o seus conhecimentos técnicos em textos que servem como as primeiras referências escritas da Arte da Regência Moderna: Gassner e Deldevez; e com os dois maiores nomes que marcam até os nossos dias o enfoque básico da Regência contemporânea: Berlioz e Wagner.
2. Ferdinand Simon Gassner (1798-1851)
Gassner foi compositor e Diretor substituto em diversos teatros da Alemanha. Derivado da observação permanente dos melhores regentes da sua época, o texto "Dirigent und Ripienist" incluído no texto bibliográfico de Della Corte, registra princípios para uma Teoria e as responsabilidades do regente moderno.
A representação plástica do movimento gestual, a variedade do tempo musical e o atento exame da partitura, fazem parte do conteúdo desse trabalho publicado no ano de 1844. Outros detalhes importantes apresentados por Gassner são: A defesa da Teoria dos Afetos na execução dos movimentos lentos; o comportamento inadequado de cantantes e instrumentistas; o uso do arco na marcação dos primeiros violinistas - condutores e a forma correta de empunhar a batuta.
3. Édouard M. E. Deldevez (1817-1897)
No seu trabalho "L'art du chef d'orchestre" Deldevez enfoca aspectos da regência praticada entre os anos de 1840 e 1860. Nesse texto finalmente publicado em Paris em 1878, são discutidos princípios fundamentais para o enunciado de algumas questões técnicas intensamente debatidas nesse período.
Deldevez foi aluno de violino de Habeneck e defendia a Teoria do seu mestre em relação à formação específica do regente com sólido conhecimento prático do Violino, em oposição aos regentes com formação pianística, segundo podemos conferir no estudo sobre a interpretação regencial de Andrea Della Corte e, principalmente de Georges Liébert. O discurso de Deldevez sobre a posição do Regente em pé ou sentado e o uso da batuta como reforço da atividade gestual, revelam hábitos de diversos Diretores de Orquestra da época.
Musicólogo, compositor, violinista, professor do Conservatório e Diretor da Orquestra da Ópera de Paris, Deldevez resume importantes momentos da evolução da regência, que servem para um estudo comparativo com outros artigos publicados em jornais desse período.
4. Hector Berlioz (1803-1869) - Richard Wagner (1813-1883)
A base técnica e artística da Regência conforme a prática atual, pode ser encontrada nos livros sobre regência de Berlioz e de Wagner. Os conceitos definitivos sobre a fixação de um modelo técnico são encontrados no texto "O Diretor de Orquestra - Teoria da Arte", de Berlioz. Já os princípios estilísticos e espirituais do conteúdo musical de uma partitura, estão no trabalho "A Arte de dirigir a Orquestra", de Wagner. Entre estes dois grandes artistas encontramos laços comuns. Os dois eram excelentes compositores, não eram músicos instrumentistas praticantes ativos e ambos tinham o gosto pela literatura.
Berlioz e Wagner, inovadores da Arte Musical, após atividades no campo da Direção Orquestral, registraram os seus conhecimentos sobre o assunto e resumem a Teoria e a Prática da Regência contemporânea. O tratado de Berlioz publicado no ano de 1839 (alguns musicólogos o catalogam como de 1855), se constitui no verdadeiro abecedário do Diretor de Orquestra. O mesmo surgiu como uma advertência contra o vocalismo predominante nas obras musicais que reduzia a orquestra à simples função de acompanhante.
Assim, as raízes do trabalho de Berlioz estão nos hábitos musicais das Casas de Ópera e no gosto arraigado do público nos decênios de 1820 a 1840. O próprio Berlioz sofreu as consequências desse quadro desordenado para a prática geral da Arte Musical quando da execução das suas obras. Lualdi lembra umas das suas citações mais constantes: "o mais terrível dos intermediários entre o compositor de música e o público, é o Diretor de Orquestra".
O conteúdo do texto de Berlioz pode ser definido como estritamente técnico e por vezes, mecânico, já que a maior parte das suas observações são sugestões específicas para a Regência Prática. A meticulosidade das descrições técnicas de "O Diretor de Orquestra" chegam a tal ponto que, quando trata da batuta, por exemplo, registra a extensão de cinqüenta centímetros, a sua espessura ou diâmetro e até a preferência por uma cor clara e não escura, visando facilitar a visibilidade da mesma pelos instrumentistas de orquestra.
Entre outros aspectos, destacamos a seguir os principais pontos desenvolvidos por Berlioz no seu trabalho, utilizando como fonte a tradução e bibliografia de Adriano Lualdi.
5. "O Diretor de Orquestra - Teoria da Arte"
Teoria da Arte - Trata dos conceitos da obra de arte escrita por um compositor e a intermediação do Regente no contato com o público.
Atributos do Diretor de Orquestra - considera as condições mínimas para ser Regente e as funções de autoridade e comunicação para com a Orquestra.
Mecânica da Regência - Aborda as exigências relacionadas à marcação do compasso musical, visando fixar o andamento correto de uma obra e o sentimento rítmico interno de cada compasso.
Divisão do compasso - Registra os gestos principais para a divisão dos compassos de 2, 3 e 4 tempos.
Batuta - Descreve a forma, medida e a cor a ser utilizada pelos regentes.
Diagramas - Apresenta os diagramas geométricos com a direcionalidade de cada movimento a ser realizado gestualmente.
Outras marcações - Recomenda diagramas para compassos de 5 e de 7 tempos e a utilização de gestos abreviados, como por exemplo: No caso de movimentos a 4 tempos, em andamento Presto, devemos marcar o diagrama a 2 tempos. 3 tempos em andamento rápido, podemos suprimir a marcação do gesto do segundo tempo.
Subdivisão dos tempos - Mostra a necessidade da marcação subdividida, com a finalidade de evitar divergências rítmicas. Representa as formas de diagramas para marcar a subdivisão.
Exercícios - oferece um extenso repertório de exemplos e a aplicação dos gestos mais adequados para cada exercício.
Recitativos - Afirma a necessidade de não deixar de marcar a divisão regular do compasso, visando maior segurança no reinício de cada entrada orquestral.
Fermatas - Solicita atenção nos ensaios para combinar a forma de realização.
Disposições instrumentais - Recomenda uma posição do Regente visível a todos os músicos do conjunto.
Orquestra e Coro - Cita o comportamento do Regente no Teatro de Ópera e a necessidade de Diretores Assistentes ou auxiliares do regente.
Experiências - Registra numerosos hábitos de músicos da orquestra e do coro, de solistas que não seguem as instruções do regente e a conduta deplorável por parte dessas pessoas em relação às suas obrigações artísticas.
Recomendações - Termina o escrito com a sugestão de criar um sistema de organização de ensaios, objetivando uma melhor interpretação musical da obra de arte.
6. Hector Berlioz (continuação)
Berlioz foi festejado como grande regente moderno entre os anos 1842 e 1860, sendo convidado de orquestras da Inglaterra, Áustria, Alemanha e Rússia. Se a índole do trabalho de Berlioz pode ser chamada de técnica, o estudo de Richard Wagner pode ser qualificado como absolutamente espiritual.
Influenciado sucessivamente pelo pensamento de Novalis, Feuerbach e Schopenhauer, Wagner se sente atraído pelos mais difíceis problemas da metafísica e dominado por um contínuo processo de reflexão sobre a arte interpretativa. É dentro dessas considerações que se inspira uma filosofia do Diretor de Orquestra, constantemente expressa em desejos de elevação e perfeição e ponto central de seu pensamento artístico, junto com seu projeto de um Teatro de Ópera Alemão.
Crítico veemente dos regentes "batedores de compasso", o mestre alemão escolhe e apoia aqueles que seguem seus princípios, como por exemplo Franz Liszt, a quem Wagner chama de "maior defensor do espírito". Entre os diversos assuntos importantes que Wagner cita em "A Arte de dirigir a Orquestra", aparece o conceito fundamental que no estudo da partitura significa reconhecer o Melos, e na interpretação da Regência Prática, destacar e afirmar esse princípio musical.
Essa idéia do Melos aparece a Wagner no ano de 1839, quando assiste em Paris à Nona Sinfonia de Beethoven, regida por Habeneck. O próprio Wagner, nas suas memórias, se expressa assim sobre o assunto: "- Vendo Habeneck reger a Nona Sinfonia, o véu caiu dos meus olhos; eu vi claramente a responsabilidade da interpretação e reconheci o segredo de uma solução feliz do problema".
A Orquestra tinha entendido a melodia de Beethoven, a qual era, evidentemente, totalmente desconhecida dos nossos bravos músicos alemães; e essa melodia era cantada pela Orquestra de Paris. A influência exercida sobre os músicos franceses pela Escola Italiana - da qual deriva -, tem isso de bom: a música se torna acessível através do canto.
Tocar bem um instrumento é cantar bem com o instrumento. Só a compreensão exata do Melos permite conhecer o verdadeiro movimento da música" (trecho retirado da tradução italiana de A .Lualdi ). Objetivando constituir um guia para os interessados em conhecer pontualmente o pensamento de Wagner sobre a essência regencial, destacamos os principais assuntos desenvolvidos no seu trabalho "A Arte de dirigir a Orquestra", de 1869.
7. "A Arte de Dirigir a Orquestra"
Introdução - Inicialmente, Wagner propõe uma série de observações sobre a relação da interpretação regencial e a obra musical e uma crítica da prática medíocre da Regência na Alemanha.
Exposição - Trata da falta de organização das Orquestras e dos numerosos contratempos resultantes de instrumentistas despreparados e de Diretores de Teatro incapazes. Registra impressões desde seu tempo de estudante até o ano de 1839, quando assiste à versão da Sinfonia número nove de Beethoven, regida por Habeneck (Wagner tinha 16 anos, quando se encontrava em Paris).
Desenvolvimento - Cita inúmeros exemplos da forma de reger dos diretores da época e propõe o estudo minucioso do movimento rítmico e do canto melódico dos instrumentos da orquestra.
Intermédio - Recomenda insistentemente a necessidade de uma educação instrumental, para progresso da arte musical.
Dos Regentes - Dedica amplo espaço para a crítica sutil de um Mendelssohn (aparece o lado antisemita de Wagner) e de um Meyerbeer (tido como grande compositor, mas com uma atividade regencial limitada a um cargo político em Berlim). Elogia sem limites Liszt e Bülow (é o Wagner corporativo).
Dos Compositores - Descreve suas considerações contrárias a Schumann e Brahms e sua admiração por Listz e, naturalmente, pelo próprio Wagner.
Regentes de Concerto e Regentes de Ópera - Oferece um quadro minucioso do alcance e significado da Regência Sinfônica e propõe o mesmo tratamento para a Direção Musical da Ópera.
Wagner regente - Conta suas experiências na regência do Prelúdio de "Mestres Cantores" e da ópera inteira. Trata sobre a aplicação das diversas nuanças, contrastes e sombras, dentro de um gesto rígido e inflexível.
Epílogo - Na parte final, sempre crítico e irônico, observa que a criação de uma nova Escola Superior de Música de Berlim, dirigida pelo famoso intérprete de violino J.Johachim, deveria seguir a doutrina Wagner - Liszt e não aquela de Brahms - Schumann. Caso contrário "o novo Messias poderia ser crucificado pelos hebreus", o que mostra o seu lado político e, mais uma vez, seus preconceitos antisemitas (Johachim era judeu). Wagner ocupou diversos cargos de regente tanto na Alemanha como fora do seu pais: Würzburg (1833), Köningsberg e Riga (1836), Dresde (1842) e Londres (1877) além de inúmeras viagens como convidado de orquestras de todo o continente Europeu.
8. Outros Teóricos da Regência
Com a finalidade de complementar o nosso estudo, agregamos ao relatório outros nomes interessantes para pesquisa e reflexão.
9. D.E. Inghelbrecht (1880-1965)
Regente francês, incentivador de novos compositores da sua época como Debussy, Ravel e Roussel, Inghelbrecht regeu a Orquestra da Ópera de Paris. Autor dos textos "O Mundo do Regente" e "O Diretor de Orquestra e sua equipe", apresenta e desenvolve nos seus trabalhos aspectos psicológicos, técnicos e de disposições orquestrais e, principalmente, registra sua valiosa opinião sobre regentes em atividade no fim do século XIX e início do século XX, conforme atesta A.Della Corte no seu texto anteriormente citado.
10. Hermann Scherchen (1891-1966)
Regente alemão, tido como grande incentivador dos novos compositores do século XX. Membro ativo da Sociedade Internacional de Música Contemporânea, foi também autor do "Manual do Diretor de Orquestra", registrado na nossa Bibliografia Comentada. O trabalho mais significativo de Scherchen foi passado a inúmeros alunos de regência em cursos desenvolvidos em Zurich, na Suíça.
11. Benjamin Grosbayne (1893-1976)
Nascido na cidade de Boston, Grosbayne estudou no Conservatório da Nova Inglaterra e na Harvard University. Teve aulas particulares com Pierre Monteaux e Weingartner. Foi regente, crítico musical e professor no Departamento de Música do Brooklyn College. Seu trabalho "Techniques of Modern Orchestral Conducting" (Harvard Univ. Press-1956) sistematiza o acesso à informação, enfocando no seu estudo dois pontos de vista:
A recriação e interpretação de uma mensagem para o ouvinte.
A atividade física-gestual.
O texto é ilustrado com exemplos para atividades práticas.
12. Hans Swarowsky (1899-1975)
Aluno de Schoenberg e R.Strauss, foi Regente permanente da Ópera do Estado de Viena e Regente Principal da Orquestra Nacional da Escócia. Professor da mais alta técnica regencial, ministrou diversos cursos em Viena e em diversas cidades do mundo, embora não tenha registrado seus conhecimentos em texto específico. Profundo conhecedor dos princípios da marcação gestual, formou regentes como Claudio Abbado e Zubin Mehta.
Em 1968 e 1974 tivemos a honra de participar de cursos ministrados pelo mestre austríaco (Nascido em Budapest), assimilando principalmente seus conhecimentos técnicos relacionados com o movimento de rotação da mão e do antebraço; a marcação da métrica regencial e a regência por período, da qual Swarowsky foi um dos poucos estudiosos.
13. Hans Schmidt-Isserstedt (1900-1973)
Nascido na Alemanha, trabalhou na Ópera Estatal de Hamburgo, na Ópera Alemã de Berlim, na Orquestra da Rádio do Norte da Alemanha e na Orquestra Filarmônica de Estocolmo. Viajou por todo o mundo como regente convidado, sendo admirado pela sua interpretação ágil, transparente e de grande precisão rítmica. Foi extremamente respeitado pela crítica musical e tido como verdadeiro "Concertattore" de orquestras. Realizou inúmeros cursos de regência, sem publicar seu método .
14. Eugene Victor Bigot (1888-1956)
Estudou no Conservatório de Paris, onde ocuparia a cátedra de Regência. Conhecido como regente do Teatro dos Campos Elíseos, dos célebres Concertos Lamoureaux e da Ópera Cómica, foi professor formador, embora sem deixar publicações conhecidas sobre a Técnica da Regência. Os trabalhos de Bruno Walter, Weingartner e Furtwängler serão citados nos relatos sobre Grandes Mestres.
15. Outros regentes importantes
O desenvolvimento e consolidação da Regência na segunda metade do século XIX levou à formação de novas orquestras em diversas cidades do continente europeu e nos EUA, quebrando de vez a prática de realizações avulsas e propiciando a instalação de inúmeras Orquestras de Concertos. Nosso relato cita o nome de outros regentes importantes para ciência ou pesquisa junto a Enciclopédias especializadas.
16. Carl. H. C. Reinecke (1824-1910)
De tradicional família de músicos alemães, foi pianista bastante solicitado e regente competente. Muito ligado a Schumann, Brahms e Liszt (era casado com uma das filhas deste compositor), Reinecke foi regente da Orquestra do Gewandhaus de 1860 a 1895 e professor, entre outros nomes, do célebre musicólogo Hugo Riemann e do grande regente Felix Weingarten.
17. Georg Hellmesberger (1800-1873)
De família de músicos austríacos de alta representatividade na formação de Escolas de Música e Sociedades de Concertos, Hellmesberger dirigiu a Ópera da Corte Austríaca. Como professor de violino formou, entre outros, os célebres mestres Auer e Johachim e como Diretor da Corte se destacou na opção pelo repertório austro-alemão.
18. Henrich Proch (1809-1878)
Natural da Bohémia, foi Diretor no Joseph Stad Theater de Viena a partir de 1837 e da Ópera entre os anos 1840-1870, onde imprimiu uma notável atuação na difusão dos compositores românticos e na consolidação profissional dos músicos da orquestra.
19. Karl Eckert (1820-1879)
Nascido em Berlim, foi aluno e protegido de Mendelssohn. A Partir de 1847 dirigiu a Ópera Real de Berlim e Orquestras de óperas na Bélgica e Holanda. Em 1851 assumiu a Direção do Teatro dos Italianos de Paris, na qualidade de Maestro substituto e em 1853 foi nomeado Diretor Principal, o que mostra a organização dos teatros europeus, na metade do 1800.
20. Henrich Esser (1818-1872)
Diretor de Orquestra alemão, com destacada atuação em Viena e Salzburgo. Foi um dos principais apoiadores das obras de Richard Wagner e participou de inúmeras realizações artísticas junto ao grande compositor alemão .
21. Felix Mottl (1856-1911)
Músico precoce, aos dez anos de idade já era solista do Coro de crianças da Corte de Viena. Estudou no Conservatório de Viena e teve como principal objetivo da sua carreira a divulgação da ópera alemã. Criou a Sociedade Wagner em 1872, a Sociedade Filarmônica de Karlsruhe em 1881 e regeu nos principais centros operísticos da Europa e dos EUA. Diretor assíduo dos Festivais de Bayreuth, Mottl regia segundo os princípios estéticos defendidos por Wagner. Isto é , de forma muito ardente e expressiva .
22. Hermann Levi (1839-1900)
Aluno dos Conservatórios de Mannheim e Leipzig, assume em 1859 o cargo de Diretor Musical da Orquestra de Saarbrucken. Entre os anos de 1861 e 1864, foi Diretor Musical da Ópera Alemã em Rotterdam e em 1864 assume a função de regente em Karlsruhe, onde permanece até 1872.
Nesse período se aproximou de Wagner, regendo em 1882 a estréia de Parsifal em Bayreuth, sendo seu único intérprete até o ano de 1894. Levi pode ser definido como músico dos mais cultos, de grandes realizações em relação ao equilíbrio formal da obra musical, meticuloso preparador de orquestra e dono de uma fluida naturalidade gestual.
23. Edouard Colonne (1838-1910)
Violinista e diretor francês, foi membro das mais importantes Orquestras de Paris. Em 1873 funda e dirige uma orquestra ligada a Editora Hartmann, que tempo depois toma o nome de "Concertos Colonne", onde se deu amplo impulso aos compositores franceses do período. O grupo institucional permanece até os nossos dias como Orquestra Independente de Concertos Sinfônicos.
24. Hans Richter (1843-1916)
Regente austro-húngaro, foi seguidor incansável de Richard Wagner, atuando inclusive como seu secretário particular. Músico extremamente bem preparado, foi o copista do original da ópera os Mestres Cantores e preparador dos solistas e do Coro de Munique, na estréia da ópera. Nessa oportunidade, Richter substituiu o regente titular, mostrando todos os recursos que Wagner defendia no texto "A Arte de dirigir a Orquestra".
Após apresentar Lohengrin em Munique em 1870, Richter assume o posto de Diretor do Teatro Nacional de Pest (1871-75), importante centro musical, sendo que em 1875 foi aclamado em Viena e nomeado segundo Diretor dos Concertos Filarmônicos e Regente da Associação Amigos da Música.
Em 1876 triunfa em Beyreuth com a regência de "O Anel dos Nibelungos", se destacando pela perfeição rítmica, a afinação perfeita e o colorido timbrístico orquestral. Após 1896, deixa seu lugar de regente para Gustav Mahler e assume concertos na Inglaterra.

"A História da Regência Orquestral no Século XIX"- 1ª Parte

Livro produzido pelo Maestro Carlos Kaminski - Grafe Editorial 1999



Índice



1. Introdução
A presente pesquisa é resultado de atividades desenvolvidas originalmente durante o período dos anos de 1995\96, resumida e registrada de forma conclusiva no ano de 1998. Considerando a pequena bibliografia específica em nível internacional e a precária bibliografia em língua portuguesa sobre o assunto, optamos por uma temática que dentro do campo Musicológico registra um perfil histórico da Regência, citando de forma original os nomes e a função desempenhada pelas principais figuras da Regência Sinfônica ou Operística, na consolidação da função diretorial.
Assim, são citados neste trabalho aqueles nomes que realmente deram à Regência Orquestral as características definitivas que permanecem até os dias de hoje, o que cronologicamente pode ser enquadrado durante todo o século XIX. Portanto, o estudo História da Regência Orquestral no século XIX registra os fundamentos da Regência Contemporânea que aconteceram com a consolidação da Orquestra Sinfônica no início da década do 1800, e o conseqüente aparecimento do Regente Profissional.
Mesmo quando a pesquisa cita itens técnicos, de marcação gestual ou considerações interpretativas sobre aspectos da estrutura formal de uma obra musical, o verdadeiro interesse da pesquisa, dentro do panorama histórico estudado, é a definição de uma Escola de Regência, ou seja, a conceituação básica sobre a qual se pode construir a profissão de Diretor de Orquestra.
Dada a falta de textos específicos relacionados com o nosso estudo, optamos por estruturar a pesquisa acompanhando a evolução da Prática Regencial nos diversos períodos anteriores à Consolidação da Orquestra Sinfônica no século XIX. O trabalho teve início com uma definição e retrospectiva dos antecedentes da Regência, no qual tratamos da extensão e abrangência das formas de dirigir grupos Corais e Instrumentais até o século XIX. Após, registramos de forma inovadora a importância de músicos que poderíamos reconhecer como verdadeiros Precursores da Regência do início do 1800. Este item se completa com nomes de regentes que atuaram na primeira metade do século XIX , de forma profissional.
O relato da pesquisa segue com mais um capítulo que, segundo nosso entendimento, toma a forma de conteúdo essencial deste trabalho, pela definição de dois textos que consideramos definitivos para a Conceituação da Regência conforme com a prática atual:
"L'art du chef d'orchestre" de H. Berlioz e "Über das Dirigieren" de R. Wagner. O conteúdo desta parte da pesquisa se revelou extremamente útil, pois foi incluída como importante referencial teórico na defesa de Tese de Doutoramento "A Imagem e o Som: A Comunicação e a Expressão Cinésica na Regência", de nossa autoria, apresentada à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo em novembro de 1995.
Em continuidade, dado o objetivo do estudo, agregamos alguns nomes importantes para ilustrar o item Pedagogos da Regência, em homenagem àqueles Mestres que na qualidade de professores, ministraram cursos de orientação para as novas gerações de Maestros. Outros nomes agregados a este relatório contribuem para uma visão mais ampla da área da Regência, dada a sua importância artístico - profissional. Neste capítulo, em função da pesquisa se tornar por demais abrangente, limitamos o estudo só aos principais regentes nascidos antes do século XX.
Finalmente, o estudo contém uma Conclusão, uma Bibliografia comentada pelo autor da pesquisa e textos de Bibliografia básica que servem como referência para os interessados em aprofundar conhecimentos sobre outros aspectos da evolução de uma História da Regência.
2. Definição e Antecedentes da Regência
A Regência se define como um ato no qual é transmitido a um grupo Coral ou instrumental o conteúdo rítmico e expressivo de uma obra musical. Essa transmissão é feita por uma pessoa que dirige todo um conjunto, com a finalidade de manter a unidade da execução musical.
O termo Regência provém da palavra latina Regentia, a qual possui, entre outros significados, as seguintes definições: dirigir, conduzir, guiar, interpretar ou administrar. Em música, se aplica à direção de grupos de executantes, por meio de gestos convencionalizados.
A posição do regente à frente de um conjunto, influi na execução musical. A postura corporal e os movimentos gestuais realizados pelos braços do regente tem se adaptado às diferentes formações instrumentais. Assim, a técnica de Regência tem evoluído de acordo com o desenvolvimento dos instrumentos musicais e sua aplicação na orquestra. A História ocidental da prática musical em conjunto, no período Moderno, reconhece algumas formas ou estilos de Regência:

1. Regência Quironômica;
2. Regência Expressiva;
3. Regência pela Pulsação da Unidade Métrica;
4. Regência de Marcação Alemã;
5. Regência de Marcação Italiana;
6. Regência aplicada a Música Contemporânea
7. Regência Métrica.

A Regência Quironômica se refere em particular à condução do Canto Gregoriano. A técnica consiste em seguir o desenrolar melódico, tendo como referência suas nuanças ascendentes e descendentes e a seqüência rítmica que leva em conta o ritmo verbal Se aplica a um repertório litúrgico dos séculos XI a XIII que sobrevive até os dias de hoje e que remonta ao século VIII, com o nome de Canto Romano Antigo.
Muito rica em inflexões, esse tipo de música monôdica continua em prática ainda hoje em ordens religiosas tradicionais, como os Beneditinos. Outros tipos de Regência Quironômica tem sido aplicados em métodos didáticos na Educação Básica, tanto na Europa como nos países do Norte de América e em nações do Oriente.
A Regência Expressiva é aquela utilizada no período renascentista. A música Coral escrita para várias vozes independentes e com ritmos complexos, prolongados irregularmente, cria uma sensação de ausência de acentuações periódicas, próprias do próximo estilo musical.
A Regência Expressiva consiste em simples movimentos ascendentes da mão, para marcação da temática musical. Na sua resolução, descendente, a mão acompanha a seqüência linear da melodia e se prepara para novas marcações temáticas nas outras vozes. Este tipo de Regência foi utilizado durante o período da música vocal da Renascença Européia e hoje continua sendo praticada por regentes especializados em Regência Coral.
A Regência pela Pulsação da Unidade Métrica predomina a partir do primeiro período Barroco Europeu (1610-40). Anteriormente, na Renascença, a música vocal era realizada individualmente, conforme a prática antiga. Nos Corais, o regente utilizava preferencialmente os movimentos da Regência Expressiva.
Na música instrumental, como na música vocal-instrumental, a prática regencial era outra. A Marcação Métrica do tempo forte de cada compasso deu lugar à prática do uso de um bastão. O bastão batia com maior ou menor força, unificando a execução em conjunto, na forma de marcações periódicas.
Andrea Della Corte, em seu trabalho "L'a Interpretazione Musicale", revela que já em 1512, Wenzel Philamathes condenava na sua obra "Musicorum Libri Quatuor" o uso de batidas com os pés, com as mãos, com rolos de cartolina ou com uma baqueta ou bastão por parte do "praecentor" ou do "director". Neste sentido, recomendamos ampliar o estudo com a leitura de textos e Enciclopédias relacionados na nossa bibliografia.
Durante o 1º e 2º períodos do Barroco (1610-1640 e 1640-1700), o desenvolvimento dos materiais usados na fabricação de instrumentos musicais permitiu um notável avanço da técnica instrumental, aprimorando a marcação regencial e levando os regentes a fazer exigências de afinação, sonoridade e articulação.O estudo da prática musical deste período pode ser visto em nosso trabalho intitulado "Desenvolvimento da Orquestra de Cordas no Período Barroco".
É esse desenvolvimento dos instrumentos de arco e de sopro que marca no final do 600 e início do 700 o aparecimento de grupos musicais compostos por grande número de instrumentistas. Alguns destes grupos, como as orquestras organizadas por J.B.Lully, utilizaram de 24 a 56 instrumentistas, como podemos verificar em textos como La Orquestra, citados na nossa bibliografia.
Já no 3º período do Barroco (1700-1750), as obrigações de compositores e diretores de música aumentam consideravelmente. O auditório exige o abandono da marcação audível, com o qual aparece a Regência conduzida pelos instrumentos do Baixo Contínuo, como o violoncelo e o cravo. Neste período se consagra uma Regência dividida entre os instrumentos citados, ou ainda entre o 1º violino da orquestra e o cravo (ou o órgão).
A prática da Regência dividida prevaleceu até o fim do Barroco e início do novo Classicismo, sendo que a supremacia do 1º violino de orquestra foi aumentando até chegar por alguns momentos a conduzir o conjunto com a marcação do arco, deixando de tocar com o grupo instrumental.
Como registro dessa prática, recomendamos a leitura do trabalho de A.Lualdi citado na bibliografia, onde no capítulo dedicado à visita de Haydn a Londres nos anos de 1791/92, a direção da orquestra para a execução de obras do compositor foi "dividida" pelo autor ao Piano e pelo famoso Leader (1º violino), Johann Salomon.
O cargo de 1º violino, também conhecido com os nomes de Spalla - na Itália -, Konzertmeister -na Alemanha-, ou Leader - na Inglaterra - simboliza ainda hoje, o auxiliar imediato de Regente de Orquestra. A responsabilidade do 1º violino no ensaio e direção da orquestra continuou durante pelo menos as três primeiras décadas do 1800, período onde aparecem diversos regentes, no sentido atual do termo.
Para o estudo sobre as atribuições do 1º violino podemos ampliar o estudo com a leitura do próprio A.Lualdi, que analisa, entre outros, os seguintes trabalhos:
"Saggio sul gusto della musica col Carattere de' tre celebri suanatori di violino" de Giovanni Battista Rangoni, publicado em 1790 (Livorno).
"Elementi teorico-pratici di musica.......con un saggio sopra L'arte di suonare il violino" de Francesco Galeazzi , publicado em 1791 (Roma).
"Saggio sopra i doveri di un primo violino direttore d'orchestra" de Giuseppe Scaramella ,editado em 1811(Trieste).
A rigor, o que marca o advento definitivo do regente, à frente da Orquestra, sem qualquer outro encargo, é a série de fatos extremamentes significativos, entre os quais podemos citar: o Iluminismo, A Revolução Francesa, a queda de Napoleão, a Revolução Industrial, o nascimento da Grande Imprensa e diversas outras ações que criaram uma consciência sobre a responsabilidade da interpretação musical de uma obra de Arte.
Embora não exista uma data que permita definir o surgimento da Regência na sua forma atual, não podemos deixar de reconhecer que é a partir da estruturação da Sinfonia Clássica (Escola de Mannheim) e, principalmente, da obra sinfônica de Beethoven que a Regência toma forma e se consolida no transcorrer da primeira metade do século XIX.
O estudo desse período da História da Música, destaca alguns concertadores realmente conscientes da nova função regencial: Spontini, Spohr e Weber. O desenvolvimento da Composição Musical e, por extensão, da Orquestração, deixava de forma clara a insuficiência das orquestras e dos Maestros Diretores no fim do 1700 e início do 1800. A essa insuficiência técnica podem ser agregadas a intelectual e a interpretativa, em função tanto de um gosto social acentuado pela intensidade dramática, quanto de um modismo romântico exagerado.
Devido a essa postura confusa e ultrapassada, foi surgindo a necessidade de uma interpretação científica da obra musical. A competência de diversos regentes em relação à organização e seleção dos músicos instrumentistas de orquestra; à realização de ensaios cada vez mais numerosos e exigentes e, posteriormente, até na escolha do repertório musical, aumentou de tal forma o "valor moral" da pessoa do regente que, antes da metade do 1800, sua função já estava consolidada.
É o aparecimento do Regente Profissional. Outras informações complementares sobre os Antecedentes da Regência poderão ser encontradas na nossa Bibliografia Comentada.
3. Precursores da Regência
Como destacamos no fim do capítulo anterior, a alta competência de diversos músicos-regentes deu lugar ao aparecimento de profissionais especializados na função de interpretar a obra de arte musical. Passamos agora a relatar sobre esses verdadeiros Precursores da Regência.
4. Gaspare Spontini (1774-1851)
Falar em Spontini significa reconhecer um dos primeiros regentes totalmente dedicado à função de organizar e conduzir atividades orquestrais e operísticas. Spontini marcou a História da Regência com seu fantástico talento revelado junto à Corte de Napoleão Bonaparte, por ocasião da primeira récita da sua ópera La Vestale, no ano de 1807.
"-Os meus concertos são dedicados à memória dos grandes mestres, aos quais eu testemunho a minha devoção com execuções musicais as mais perfeitas possíveis" é uma das autodefinições de Spontini registradas no texto de A.Della Corte que faz parte da bibliografia pesquisada.
Após vários anos à frente das principais atividades Sinfônico - Corais de París, Spontini aceita o cargo de Generalmusikdirektor em Berlim (1820-1842), na Corte de Federico Guilherme III. Seu contrato de serviços foi o mais minucioso da época: continha obrigações e direitos diversos, entre os quais quatro meses de descanso anual e, após dez anos, pensão integral. Aqui vale lembrar que ainda não existiam orquestras oficialmente consolidadas e sim grupos formados para pequenas séries de concertos, óperas ou eventos específicos.
Entre algumas das suas contribuições mais importantes para a consolidação da função regencial, podemos citar a exigência de numerosos ensaios (16 provas ou mais), com a finalidade de obter dos músicos uma preparação técnica e mental apurada. Spontini dirigia com pequenos gestos claros e determinados que, posteriormente, durante as apresentações, conseguiam rememorar qualquer efeito já fixado durante os ensaios.
Sua técnica era muito elogiada. Wagner definia Spontini pelo seu domínio total da orquestra, produto da sua postura corporal erguida e de seu olhar vigilante, conforme A.Lualdi registra na bibliografia estudada. Gestualmente, dominava o Tempo Musical, utilizando movimentos claros na divisão do compasso, com especial realce para os acentos naturais da obra executada. Spontini, bem antes que Weber em Praga (1813) e Habeneck em París (1828), já exigia orquestras com mais de noventa instrumentistas.
5. Louis Spohr (1774-1859)
Tido como um dos mais progressistas intérpretes da Direção Orquestral de toda Europa, Spohr foi também violinista de grande fama e compositor respeitado. Desde jovem optou por reger tanto desde a posição do Piano, como utilizando acenos gestuais com um rolo bem fino de papel. Ocasionalmente, quando participava como solista instrumental, marcava os tempos com o arco do violino.
Na escolha do repertório musical, Spohr privilegiava os Concertos Instrumentais e as obras dos novos compositores. Um deles foi R. Wagner que, segundo registra Della Corte na bibliografia já citada, considerava Spohr como um dos poucos capacitados a entender a profundidade e o valor das suas composições.
A crescente instituição de Sociedades Filarmônicas, Conservatórios e entidades Pró-Musica no primeiro quarto do século XIX, levou Spohr a ser ativamente solicitado em Roma, Veneza, Milano, Praga, Paris e Londres. Sua inegável experiência como compositor, solista, professor e regente lhe rendiam permanentes convites para atuar junto às mais importantes sociedades européias do campo da música.
Uma contribuição significativa de Spohr para a Técnica de Regência ocorreu em Londres, no ano de 1820. Durante uma série de concertos junto à Orquestra da Sociedade Filarmônica, não se conseguia a necessária unificação rítmica e sonora da orquestra. Spohr -como solista convidado-, solicita a condução da orquestra.
Assumindo a estante central, abre uma caixa e retira uma fina e pequena Batuta, com a qual pretende marcar o Tempo e as entradas instrumentais. Após alguns protestos, a orquestra aceita a experiência e reage de forma admirável à marcação precisa da nova batuta. Spohr, tido como frio, paciente e acadêmico, também era firme e vigoroso na prática de conceitos técnicos a serviço da expressão artística.
6. Carl Maria Von Weber (1786-1826)
Compositor nacionalista alemão e pianista de altos méritos, Weber é um dos iniciadores da moderna concepção diretorial da Regência. Sempre disposto a testar novas idéias, Weber inovou em relação à disposição dos instrumentos da orquestra, colocando as cordas à frente dos sopros e aumentando o número de instrumentistas de diversos naipes.
Seu laboratório foi a Orquestra de Praga, pois Dresde, onde também atuou em 1817, privilegiava ainda a forma de regência compartilhada com o primeiro violino. A sua técnica de ensaio era dividida de forma didática: três provas preliminares, um ensaio de correção da leitura das figuras da notação musical, várias provas de conjunto e um ensaio geral.
Weber pedia ainda ensaios pontuais com todos os solistas, duetos e quartetos vocais e também com o Coro. As suas exigências em relação à infra-estrutura eram meticulosas: arquivos musicais, vestuários em ordem, coreografias planejadas com suficiente antecedência e especialistas de montagem do palco cênico.
Suas contribuições para a Direção Orquestral marcam o modelo básico de Regência Alemã, mais tarde chamada de Regência Straussiana: na mão direita um pequeno bastão segurado no meio, ou um rolo de cartolina ou, mais tarde, a batuta; enquanto a mão esquerda restava quase imóvel e só reforçava algumas passagens de maior impacto.
Weber utilizava gestos pequenos que, entretanto, representavam muito bem dois dos seus princípios fundamentais: a rigorosa batida metronômica e execução instrumental altamente expressiva.
7. Felix Mendelssohn Bartholdy (1809-1847)
Mendelssohn se apresenta na evolução da História da Regência como figura central do desenvolvimento da prática da Direção Orquestral. Desde pequeno estudou as possibilidades, resultados e a técnica de diversos instrumentos musicais, obtendo um domínio absoluto da Orquestração.
Culto, voluntarioso e totalmente dedicado à Arte Musical, Mendelssohn viajou por toda a Europa, conhecendo assim os mais importantes métodos de ensaio e as novas formas de Regência. Seu talento foi reconhecido em 1835, com sua escolha como Regente Musical da célebre Orquestra do Gewandhaus de Leipzig e, posteriormente, em Berlim.
As contribuições de Mendelssohn para a Regência são, entre outras: Primeiro regente a assumir de fato a função de interpretar, sem nenhuma intervenção do Konzertmeister. Concertador das grandes obras de J. S. Bach. Criador de uma didática regencial com ensaios extremamente produtivos, deixando tocar a obra inteira para depois parar e ensaiar os pontos onde se apresentassem dificuldades.
Regente de absoluto domínio rítmico, pelo qual as vezes deixava de reger com a batuta, marcando só as entradas mais importantes com gestos pequenos e decididos. Com Mendelssohn a orquestra chega a níveis de qualidade tanto nos andamentos como, particularmente, também na aplicação das dinâmicas musicais.
8. François Antoine Habeneck (1781-1849)
Durante os três primeiros decênios do 1800 diversos compositores continuaram a reger suas próprias obras. Entretanto, o novo estado social e econômico após a Revolução Francesa, fez da criação musical uma atividade inconciliável com as novas exigências estéticas, técnicas e instrumentais.
Surgia enfim uma atividade autônoma, que reunindo o conhecimento técnico com a prática regencial, se estabelece na figura do Diretor de Orquestra. O primeiro a fixar essa linha divisória entre compositores - regentes ou primeiros violinos concertadores e regentes especializados, foi Françõis Habeneck, à frente da Sociedade de Concertos do Conservatório de Paris.
Fundada oficialmente em 1828, Habeneck constitui a Orquestra de Paris com 15 violinos Iº, 16 violinos IIº, 8 violas, 12 violoncelos e 8 contrabaixos na base dos instrumentos de corda. Nos sopros, mais 4 flautas, 4 clarinetas, 3 oboés e 3 fagotes. Fora esse instrumental, numerosos e variados metais e toda a percussão necessária à instrumentação de cada obra executada.
Extremamente cuidadoso, Habeneck tinha por hábito marcar a partitura com sinais convencionais, para lembrar as entradas instrumentais ou os motivos musicais mais importantes de cada grupo da orquestra. Sendo exímio violinista, Habeneck utilizava o seu instrumento para mostrar tecnicamente a forma expressiva da execução musical.
O trabalho de Habeneck junto à Sociedade de Concertos do Conservatório, permitiu à Orquestra de Paris ser reconhecida como superior à grande Orquestra do Gewanghaus de Leipzig à época da regência de Mendelssohn. A grande contribuição de Habeneck foi ter mostrado ao público de Paris todas as Sinfonias de Beethoven com uma clareza instrumental, profundidade expressiva e exposição da estrutura formal até então desconhecidas.
9. Michele Costa (1808-1884)
O desenvolvimento da Regência e sua consolidação no século XIX, tem em Michele Costa um dos mais insignes intérpretes da Direção Orquestral. Natural de Nápoles, a partir de 1829 rege assiduamente em Londres, onde posteriormente fixa residência e rege a Orquestra da Sociedade Filarmônica.
A força de Michele Costa consistia na organização impecável e no cumprimento de diversas exigências artísticas: Horários pontuais, ensaios minuciosos, obrigação de estudo individual por parte de cada músico e a conquista de diversos direitos para os músicos instrumentistas.
Calmo, frio, sabia enfrentar e resolver as passagens mais difíceis das obras do novo período romântico, onde a instrumentação exigia domínio de toda a palheta orquestral. Na Regência de grandes massas Coral - Instrumental, era reconhecidamente superior a Berlioz, pois regia sem nenhuma ajuda de sub-diretores ou assistentes de Regência. O nome do seu sucessor à frente da "Philarmônica", sintetiza a grandeza do seu trabalho como regente: Richard Wagner.
10. Otto Nicolai (1819-1849)
Otto Nicolai iniciou a sua carreira de Diretor de Orquestra após estudos na cidade de Berlim, onde conheceu de perto o trabalho de Zelter, Spontini e Mendelssohn. Reconhecido mundialmente por ter instituído os Concertos Filarmônicos de Viena, onde os músicos profissionais haveriam de substituir os instrumentistas amadores, objetivando a dedicação exclusiva para a execução de obras do repertório sinfônico.
Seu mérito como regente destaca a responsabilidade da sua atribuição como intérprete, a autoridade rígida na condução da orquestra, a concentração minuciosa e o ato de reger, extremamente claro e expressivo na gestualidade. Sua aspiração cultural era a promoção de Concertos Instrumentais de alto nível.
Berlioz, um de seus maiores admiradores - segundo registra Della Corte - , o definia assim: "Nicolai tem as três qualidades que, no meu entender, são indispensáveis a um Diretor: Culto, experiente e entusiasta da Composição Musical. Entende todas as exigências do ritmo, tem clara e precisa técnica do movimento.
Organizador incansável, durante os ensaios sabe muito bem aquilo que faz. Assim, obtém a confiança, a dedicação, a fidelidade e a unidade da Orquestra, a qual toca com calor e eficiência, no mais belo resultado para a Arte Moderna". O trabalho pioneiro de Nicolai deu origem ao que hoje conhecemos como uma das maiores instituições Sinfônicas e Operísticas do mundo: a Filarmônica de Viena.
11. Franz Liszt (1811-1886)
O gênio de Liszt como pianista e compositor, não retira do exímio músico a sua extraordinária atuação no campo da Regência. O modo de sentir cada motivo composicional e, por extensão, toda a estrutura formal de uma obra, lhe permitia reger com uma relativa flexibilidade rítmica dentro do compasso. Assim, o nervo vital da execução diretorial de Liszt era principalmente o entendimento da obra na sua estruturação: Período, Frases, Motivos e Células.
Liszt também se destacou nos contrastes da dinâmica musical e no equilíbrio dos diferentes timbres, com a finalidade de frasear e cantar, numa verdadeira declamação do discurso sonoro. Diretor brilhante das obras de Beethoven e Berlioz, sempre se destacou no repertório sinfônico. Excelente músico e artista sensível, sua principal contribuição - conquistada antes de 1853, quando colocou fim a sua carreira de regente -, foi estimular o espírito.
Intuitivo, não deixou uma Escola de Regência, mas escreveu para sempre o seu compromisso com a alta espiritualidade que significa reger uma partitura musical. Musicólogos como Adriano Lualdi consideram Liszt como uma ponte entre o tratado "O Diretor de Orquestra" de H . Berlioz e o estudo "A Arte de dirigir a Orquestra" de R. Wagner.
A justificativa para essa afirmação é a "Carta sobre a Direção", de 1853, na qual Liszt se defende dos seus críticos, mostrando a importância do Ritmo, do Fraseio e da declamação musical, para superar a mediocridade artística das orquestras da época. Para complementar o presente capítulo com outros nomes que servem como incentivo para o desenvolvimento da pesquisa, registramos diversos regentes que atuaram de forma significativa no início e na primeira metade do século XIX.
12. Carl Friedrich Zelter (1758-1832)
Músico alemão, aluno ativo e futuro Diretor Geral da Singakademie de Berlim. Foi brilhante professor, Diretor de Orquestra e o maior formador de jovens artistas regentes da Alemanha. Entre seus alunos podemos citar Mendelssohn, Meyerbeer e Otto Nicolai. Como Maestro recuperou as grandes obras de Bach para o repertório do século XIX, sendo o maior incentivador de Mendelssohn no estudo do Grande Mestre do Barroco alemão. Embora não tenha escrito textos específicos sobre a Direção Orquestral, a sua vasta correspondência com Goethe revela o seu espírito pioneiro e sua total dedicação à formação de novos artistas.
13. Henrich August Marschner (1795-1861)
Nascido na Bohêmia, foi desde pequeno iniciado na atividade musical, sendo que em 1816 já se destacava no exigente cenário musical de Praga. Em 1821 se estabelece em Dresde e a partir de 1827 trabalha ativamente na cidade de Leipzig. Famoso pela sua atividade em todos os centros musicais da Alemanha, Marschner foi regente apaixonado pelo romantismo nacional alemão (Meyerbeer, Wagner etc.).
14. Adolf Bernhard Marx (1795-1866)
Teórico e crítico musical alemão, ensinou na Universidade de Berlim, da qual foi Diretor de Música. Autor de métodos de Composição, nas suas críticas musicais no Allgemaine Musikalisch Zeitung, destaca a necessidade de uma "Regência Profissional" na execução das obras musicais do século XIX. Regeu regularmente na cidade de Berlim.
15. Carl Gottlieb Reissiger (1798-1859)
Pertencente a família de músicos alemães, foi aluno em Leipzig e Viena (estudou composição com Salieri). Dirigiu a partir de 1826 a Ópera Alemã em Dresde e posteriormente assumiu também a Ópera de Teatro Italiano. Mestre de Capela da Corte em 1828, sucedeu Carl Maria von Weber. Foi grande organizador de temporadas de Concertos e se destacou como regente da obra de R. Wagner, com quem trabalhou vários anos em conjunto e de quem preparou e regeu a estréia da ópera Rienzi.
16. Ferdinand Ries (1784-1838)
De família de músicos alemães, Ries foi exímio pianista e regente de orquestra. Aluno de Beethoven em Viena (1801-1805), se destacou como intérprete itinerante da regência, junto a grupos formados para concertos avulsos em diversas cidades da Europa. De 1813 a 1824 foi Diretor Musical em Londres e a partir de 1826 assume a Cäcilien Verein, onde organizou concertos regulares de obras sinfônicas do início do romantismo alemão. Excelente preparador, se destacou pela sua opção para movimentos acelerados, tocados com agilidade, clareza e alta técnica instrumental.
17. Ignaz Seyfried (1776-1841)
Escritor e músico austríaco. Estudou com Mozart em Viena e, posteriormente, na cidade de Praga. Embora conhecido como regente e compositor, Seyfried colaborou como escritor no desenvolvimento do jornal Algemaine Musikzeitung, criado pelo seu irmão Joseph Seyfried (1780-1849). Nesse jornal constam inúmeras informações e reflexões da sua autoria sobre suas apresentações como regente, atividades musicais, orquestras em formação, temporadas de concertos, criação de novas Escolas de Música de nível superior e aberturas de novos Conservatórios, permitindo aprofundar o estudo da regência a partir dos anos 1819/1820.
18. Eduard Rietz (1802-1832)
Nascido numa família de grandes músicos da Alemanha, foi o fundador da Orquestra de Diletantes de Berlim, com a qual apresentou a primeira execução restaurada da Paixão Segundo São Mateus, de J.S.Bach. Primeiro violino do quarteto organizado por Mendelssohn, sua atividade regencial se destaca pela defesa ardente da execução de obras Corais-Instrumentais de Bach.
19. Theodor Döhler (1814-1856)
De origem austríaca, desenvolveu incessante carreira como concertista de Piano e regente de Orquestra. Foi o primeiro a transmitir os conhecimentos técnicos gestuais defendidos e expostos por H.Berlioz, do qual traduziu o seu excelente trabalho intitulado "Tratado de Instrumentação".
20. Giacomo Meyerbeer (1791-1864)
Embora mais conhecido como destacado compositor e exímio pianista, Meyerbeer foi "generalmusikdirektor" da Prússia e Diretor da Corte Real em Berlim até sua morte. Nessas atividades ajudou inúmeros artistas da regência, organizando eventos operísticos onde defendia o monumentalismo expressivo ou Teatro total - uma integração de todas as artes.