segunda-feira, 4 de junho de 2007

"A História da Regência Orquestral no Século XIX"- 1ª Parte

Livro produzido pelo Maestro Carlos Kaminski - Grafe Editorial 1999



Índice



1. Introdução
A presente pesquisa é resultado de atividades desenvolvidas originalmente durante o período dos anos de 1995\96, resumida e registrada de forma conclusiva no ano de 1998. Considerando a pequena bibliografia específica em nível internacional e a precária bibliografia em língua portuguesa sobre o assunto, optamos por uma temática que dentro do campo Musicológico registra um perfil histórico da Regência, citando de forma original os nomes e a função desempenhada pelas principais figuras da Regência Sinfônica ou Operística, na consolidação da função diretorial.
Assim, são citados neste trabalho aqueles nomes que realmente deram à Regência Orquestral as características definitivas que permanecem até os dias de hoje, o que cronologicamente pode ser enquadrado durante todo o século XIX. Portanto, o estudo História da Regência Orquestral no século XIX registra os fundamentos da Regência Contemporânea que aconteceram com a consolidação da Orquestra Sinfônica no início da década do 1800, e o conseqüente aparecimento do Regente Profissional.
Mesmo quando a pesquisa cita itens técnicos, de marcação gestual ou considerações interpretativas sobre aspectos da estrutura formal de uma obra musical, o verdadeiro interesse da pesquisa, dentro do panorama histórico estudado, é a definição de uma Escola de Regência, ou seja, a conceituação básica sobre a qual se pode construir a profissão de Diretor de Orquestra.
Dada a falta de textos específicos relacionados com o nosso estudo, optamos por estruturar a pesquisa acompanhando a evolução da Prática Regencial nos diversos períodos anteriores à Consolidação da Orquestra Sinfônica no século XIX. O trabalho teve início com uma definição e retrospectiva dos antecedentes da Regência, no qual tratamos da extensão e abrangência das formas de dirigir grupos Corais e Instrumentais até o século XIX. Após, registramos de forma inovadora a importância de músicos que poderíamos reconhecer como verdadeiros Precursores da Regência do início do 1800. Este item se completa com nomes de regentes que atuaram na primeira metade do século XIX , de forma profissional.
O relato da pesquisa segue com mais um capítulo que, segundo nosso entendimento, toma a forma de conteúdo essencial deste trabalho, pela definição de dois textos que consideramos definitivos para a Conceituação da Regência conforme com a prática atual:
"L'art du chef d'orchestre" de H. Berlioz e "Über das Dirigieren" de R. Wagner. O conteúdo desta parte da pesquisa se revelou extremamente útil, pois foi incluída como importante referencial teórico na defesa de Tese de Doutoramento "A Imagem e o Som: A Comunicação e a Expressão Cinésica na Regência", de nossa autoria, apresentada à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo em novembro de 1995.
Em continuidade, dado o objetivo do estudo, agregamos alguns nomes importantes para ilustrar o item Pedagogos da Regência, em homenagem àqueles Mestres que na qualidade de professores, ministraram cursos de orientação para as novas gerações de Maestros. Outros nomes agregados a este relatório contribuem para uma visão mais ampla da área da Regência, dada a sua importância artístico - profissional. Neste capítulo, em função da pesquisa se tornar por demais abrangente, limitamos o estudo só aos principais regentes nascidos antes do século XX.
Finalmente, o estudo contém uma Conclusão, uma Bibliografia comentada pelo autor da pesquisa e textos de Bibliografia básica que servem como referência para os interessados em aprofundar conhecimentos sobre outros aspectos da evolução de uma História da Regência.
2. Definição e Antecedentes da Regência
A Regência se define como um ato no qual é transmitido a um grupo Coral ou instrumental o conteúdo rítmico e expressivo de uma obra musical. Essa transmissão é feita por uma pessoa que dirige todo um conjunto, com a finalidade de manter a unidade da execução musical.
O termo Regência provém da palavra latina Regentia, a qual possui, entre outros significados, as seguintes definições: dirigir, conduzir, guiar, interpretar ou administrar. Em música, se aplica à direção de grupos de executantes, por meio de gestos convencionalizados.
A posição do regente à frente de um conjunto, influi na execução musical. A postura corporal e os movimentos gestuais realizados pelos braços do regente tem se adaptado às diferentes formações instrumentais. Assim, a técnica de Regência tem evoluído de acordo com o desenvolvimento dos instrumentos musicais e sua aplicação na orquestra. A História ocidental da prática musical em conjunto, no período Moderno, reconhece algumas formas ou estilos de Regência:

1. Regência Quironômica;
2. Regência Expressiva;
3. Regência pela Pulsação da Unidade Métrica;
4. Regência de Marcação Alemã;
5. Regência de Marcação Italiana;
6. Regência aplicada a Música Contemporânea
7. Regência Métrica.

A Regência Quironômica se refere em particular à condução do Canto Gregoriano. A técnica consiste em seguir o desenrolar melódico, tendo como referência suas nuanças ascendentes e descendentes e a seqüência rítmica que leva em conta o ritmo verbal Se aplica a um repertório litúrgico dos séculos XI a XIII que sobrevive até os dias de hoje e que remonta ao século VIII, com o nome de Canto Romano Antigo.
Muito rica em inflexões, esse tipo de música monôdica continua em prática ainda hoje em ordens religiosas tradicionais, como os Beneditinos. Outros tipos de Regência Quironômica tem sido aplicados em métodos didáticos na Educação Básica, tanto na Europa como nos países do Norte de América e em nações do Oriente.
A Regência Expressiva é aquela utilizada no período renascentista. A música Coral escrita para várias vozes independentes e com ritmos complexos, prolongados irregularmente, cria uma sensação de ausência de acentuações periódicas, próprias do próximo estilo musical.
A Regência Expressiva consiste em simples movimentos ascendentes da mão, para marcação da temática musical. Na sua resolução, descendente, a mão acompanha a seqüência linear da melodia e se prepara para novas marcações temáticas nas outras vozes. Este tipo de Regência foi utilizado durante o período da música vocal da Renascença Européia e hoje continua sendo praticada por regentes especializados em Regência Coral.
A Regência pela Pulsação da Unidade Métrica predomina a partir do primeiro período Barroco Europeu (1610-40). Anteriormente, na Renascença, a música vocal era realizada individualmente, conforme a prática antiga. Nos Corais, o regente utilizava preferencialmente os movimentos da Regência Expressiva.
Na música instrumental, como na música vocal-instrumental, a prática regencial era outra. A Marcação Métrica do tempo forte de cada compasso deu lugar à prática do uso de um bastão. O bastão batia com maior ou menor força, unificando a execução em conjunto, na forma de marcações periódicas.
Andrea Della Corte, em seu trabalho "L'a Interpretazione Musicale", revela que já em 1512, Wenzel Philamathes condenava na sua obra "Musicorum Libri Quatuor" o uso de batidas com os pés, com as mãos, com rolos de cartolina ou com uma baqueta ou bastão por parte do "praecentor" ou do "director". Neste sentido, recomendamos ampliar o estudo com a leitura de textos e Enciclopédias relacionados na nossa bibliografia.
Durante o 1º e 2º períodos do Barroco (1610-1640 e 1640-1700), o desenvolvimento dos materiais usados na fabricação de instrumentos musicais permitiu um notável avanço da técnica instrumental, aprimorando a marcação regencial e levando os regentes a fazer exigências de afinação, sonoridade e articulação.O estudo da prática musical deste período pode ser visto em nosso trabalho intitulado "Desenvolvimento da Orquestra de Cordas no Período Barroco".
É esse desenvolvimento dos instrumentos de arco e de sopro que marca no final do 600 e início do 700 o aparecimento de grupos musicais compostos por grande número de instrumentistas. Alguns destes grupos, como as orquestras organizadas por J.B.Lully, utilizaram de 24 a 56 instrumentistas, como podemos verificar em textos como La Orquestra, citados na nossa bibliografia.
Já no 3º período do Barroco (1700-1750), as obrigações de compositores e diretores de música aumentam consideravelmente. O auditório exige o abandono da marcação audível, com o qual aparece a Regência conduzida pelos instrumentos do Baixo Contínuo, como o violoncelo e o cravo. Neste período se consagra uma Regência dividida entre os instrumentos citados, ou ainda entre o 1º violino da orquestra e o cravo (ou o órgão).
A prática da Regência dividida prevaleceu até o fim do Barroco e início do novo Classicismo, sendo que a supremacia do 1º violino de orquestra foi aumentando até chegar por alguns momentos a conduzir o conjunto com a marcação do arco, deixando de tocar com o grupo instrumental.
Como registro dessa prática, recomendamos a leitura do trabalho de A.Lualdi citado na bibliografia, onde no capítulo dedicado à visita de Haydn a Londres nos anos de 1791/92, a direção da orquestra para a execução de obras do compositor foi "dividida" pelo autor ao Piano e pelo famoso Leader (1º violino), Johann Salomon.
O cargo de 1º violino, também conhecido com os nomes de Spalla - na Itália -, Konzertmeister -na Alemanha-, ou Leader - na Inglaterra - simboliza ainda hoje, o auxiliar imediato de Regente de Orquestra. A responsabilidade do 1º violino no ensaio e direção da orquestra continuou durante pelo menos as três primeiras décadas do 1800, período onde aparecem diversos regentes, no sentido atual do termo.
Para o estudo sobre as atribuições do 1º violino podemos ampliar o estudo com a leitura do próprio A.Lualdi, que analisa, entre outros, os seguintes trabalhos:
"Saggio sul gusto della musica col Carattere de' tre celebri suanatori di violino" de Giovanni Battista Rangoni, publicado em 1790 (Livorno).
"Elementi teorico-pratici di musica.......con un saggio sopra L'arte di suonare il violino" de Francesco Galeazzi , publicado em 1791 (Roma).
"Saggio sopra i doveri di un primo violino direttore d'orchestra" de Giuseppe Scaramella ,editado em 1811(Trieste).
A rigor, o que marca o advento definitivo do regente, à frente da Orquestra, sem qualquer outro encargo, é a série de fatos extremamentes significativos, entre os quais podemos citar: o Iluminismo, A Revolução Francesa, a queda de Napoleão, a Revolução Industrial, o nascimento da Grande Imprensa e diversas outras ações que criaram uma consciência sobre a responsabilidade da interpretação musical de uma obra de Arte.
Embora não exista uma data que permita definir o surgimento da Regência na sua forma atual, não podemos deixar de reconhecer que é a partir da estruturação da Sinfonia Clássica (Escola de Mannheim) e, principalmente, da obra sinfônica de Beethoven que a Regência toma forma e se consolida no transcorrer da primeira metade do século XIX.
O estudo desse período da História da Música, destaca alguns concertadores realmente conscientes da nova função regencial: Spontini, Spohr e Weber. O desenvolvimento da Composição Musical e, por extensão, da Orquestração, deixava de forma clara a insuficiência das orquestras e dos Maestros Diretores no fim do 1700 e início do 1800. A essa insuficiência técnica podem ser agregadas a intelectual e a interpretativa, em função tanto de um gosto social acentuado pela intensidade dramática, quanto de um modismo romântico exagerado.
Devido a essa postura confusa e ultrapassada, foi surgindo a necessidade de uma interpretação científica da obra musical. A competência de diversos regentes em relação à organização e seleção dos músicos instrumentistas de orquestra; à realização de ensaios cada vez mais numerosos e exigentes e, posteriormente, até na escolha do repertório musical, aumentou de tal forma o "valor moral" da pessoa do regente que, antes da metade do 1800, sua função já estava consolidada.
É o aparecimento do Regente Profissional. Outras informações complementares sobre os Antecedentes da Regência poderão ser encontradas na nossa Bibliografia Comentada.
3. Precursores da Regência
Como destacamos no fim do capítulo anterior, a alta competência de diversos músicos-regentes deu lugar ao aparecimento de profissionais especializados na função de interpretar a obra de arte musical. Passamos agora a relatar sobre esses verdadeiros Precursores da Regência.
4. Gaspare Spontini (1774-1851)
Falar em Spontini significa reconhecer um dos primeiros regentes totalmente dedicado à função de organizar e conduzir atividades orquestrais e operísticas. Spontini marcou a História da Regência com seu fantástico talento revelado junto à Corte de Napoleão Bonaparte, por ocasião da primeira récita da sua ópera La Vestale, no ano de 1807.
"-Os meus concertos são dedicados à memória dos grandes mestres, aos quais eu testemunho a minha devoção com execuções musicais as mais perfeitas possíveis" é uma das autodefinições de Spontini registradas no texto de A.Della Corte que faz parte da bibliografia pesquisada.
Após vários anos à frente das principais atividades Sinfônico - Corais de París, Spontini aceita o cargo de Generalmusikdirektor em Berlim (1820-1842), na Corte de Federico Guilherme III. Seu contrato de serviços foi o mais minucioso da época: continha obrigações e direitos diversos, entre os quais quatro meses de descanso anual e, após dez anos, pensão integral. Aqui vale lembrar que ainda não existiam orquestras oficialmente consolidadas e sim grupos formados para pequenas séries de concertos, óperas ou eventos específicos.
Entre algumas das suas contribuições mais importantes para a consolidação da função regencial, podemos citar a exigência de numerosos ensaios (16 provas ou mais), com a finalidade de obter dos músicos uma preparação técnica e mental apurada. Spontini dirigia com pequenos gestos claros e determinados que, posteriormente, durante as apresentações, conseguiam rememorar qualquer efeito já fixado durante os ensaios.
Sua técnica era muito elogiada. Wagner definia Spontini pelo seu domínio total da orquestra, produto da sua postura corporal erguida e de seu olhar vigilante, conforme A.Lualdi registra na bibliografia estudada. Gestualmente, dominava o Tempo Musical, utilizando movimentos claros na divisão do compasso, com especial realce para os acentos naturais da obra executada. Spontini, bem antes que Weber em Praga (1813) e Habeneck em París (1828), já exigia orquestras com mais de noventa instrumentistas.
5. Louis Spohr (1774-1859)
Tido como um dos mais progressistas intérpretes da Direção Orquestral de toda Europa, Spohr foi também violinista de grande fama e compositor respeitado. Desde jovem optou por reger tanto desde a posição do Piano, como utilizando acenos gestuais com um rolo bem fino de papel. Ocasionalmente, quando participava como solista instrumental, marcava os tempos com o arco do violino.
Na escolha do repertório musical, Spohr privilegiava os Concertos Instrumentais e as obras dos novos compositores. Um deles foi R. Wagner que, segundo registra Della Corte na bibliografia já citada, considerava Spohr como um dos poucos capacitados a entender a profundidade e o valor das suas composições.
A crescente instituição de Sociedades Filarmônicas, Conservatórios e entidades Pró-Musica no primeiro quarto do século XIX, levou Spohr a ser ativamente solicitado em Roma, Veneza, Milano, Praga, Paris e Londres. Sua inegável experiência como compositor, solista, professor e regente lhe rendiam permanentes convites para atuar junto às mais importantes sociedades européias do campo da música.
Uma contribuição significativa de Spohr para a Técnica de Regência ocorreu em Londres, no ano de 1820. Durante uma série de concertos junto à Orquestra da Sociedade Filarmônica, não se conseguia a necessária unificação rítmica e sonora da orquestra. Spohr -como solista convidado-, solicita a condução da orquestra.
Assumindo a estante central, abre uma caixa e retira uma fina e pequena Batuta, com a qual pretende marcar o Tempo e as entradas instrumentais. Após alguns protestos, a orquestra aceita a experiência e reage de forma admirável à marcação precisa da nova batuta. Spohr, tido como frio, paciente e acadêmico, também era firme e vigoroso na prática de conceitos técnicos a serviço da expressão artística.
6. Carl Maria Von Weber (1786-1826)
Compositor nacionalista alemão e pianista de altos méritos, Weber é um dos iniciadores da moderna concepção diretorial da Regência. Sempre disposto a testar novas idéias, Weber inovou em relação à disposição dos instrumentos da orquestra, colocando as cordas à frente dos sopros e aumentando o número de instrumentistas de diversos naipes.
Seu laboratório foi a Orquestra de Praga, pois Dresde, onde também atuou em 1817, privilegiava ainda a forma de regência compartilhada com o primeiro violino. A sua técnica de ensaio era dividida de forma didática: três provas preliminares, um ensaio de correção da leitura das figuras da notação musical, várias provas de conjunto e um ensaio geral.
Weber pedia ainda ensaios pontuais com todos os solistas, duetos e quartetos vocais e também com o Coro. As suas exigências em relação à infra-estrutura eram meticulosas: arquivos musicais, vestuários em ordem, coreografias planejadas com suficiente antecedência e especialistas de montagem do palco cênico.
Suas contribuições para a Direção Orquestral marcam o modelo básico de Regência Alemã, mais tarde chamada de Regência Straussiana: na mão direita um pequeno bastão segurado no meio, ou um rolo de cartolina ou, mais tarde, a batuta; enquanto a mão esquerda restava quase imóvel e só reforçava algumas passagens de maior impacto.
Weber utilizava gestos pequenos que, entretanto, representavam muito bem dois dos seus princípios fundamentais: a rigorosa batida metronômica e execução instrumental altamente expressiva.
7. Felix Mendelssohn Bartholdy (1809-1847)
Mendelssohn se apresenta na evolução da História da Regência como figura central do desenvolvimento da prática da Direção Orquestral. Desde pequeno estudou as possibilidades, resultados e a técnica de diversos instrumentos musicais, obtendo um domínio absoluto da Orquestração.
Culto, voluntarioso e totalmente dedicado à Arte Musical, Mendelssohn viajou por toda a Europa, conhecendo assim os mais importantes métodos de ensaio e as novas formas de Regência. Seu talento foi reconhecido em 1835, com sua escolha como Regente Musical da célebre Orquestra do Gewandhaus de Leipzig e, posteriormente, em Berlim.
As contribuições de Mendelssohn para a Regência são, entre outras: Primeiro regente a assumir de fato a função de interpretar, sem nenhuma intervenção do Konzertmeister. Concertador das grandes obras de J. S. Bach. Criador de uma didática regencial com ensaios extremamente produtivos, deixando tocar a obra inteira para depois parar e ensaiar os pontos onde se apresentassem dificuldades.
Regente de absoluto domínio rítmico, pelo qual as vezes deixava de reger com a batuta, marcando só as entradas mais importantes com gestos pequenos e decididos. Com Mendelssohn a orquestra chega a níveis de qualidade tanto nos andamentos como, particularmente, também na aplicação das dinâmicas musicais.
8. François Antoine Habeneck (1781-1849)
Durante os três primeiros decênios do 1800 diversos compositores continuaram a reger suas próprias obras. Entretanto, o novo estado social e econômico após a Revolução Francesa, fez da criação musical uma atividade inconciliável com as novas exigências estéticas, técnicas e instrumentais.
Surgia enfim uma atividade autônoma, que reunindo o conhecimento técnico com a prática regencial, se estabelece na figura do Diretor de Orquestra. O primeiro a fixar essa linha divisória entre compositores - regentes ou primeiros violinos concertadores e regentes especializados, foi Françõis Habeneck, à frente da Sociedade de Concertos do Conservatório de Paris.
Fundada oficialmente em 1828, Habeneck constitui a Orquestra de Paris com 15 violinos Iº, 16 violinos IIº, 8 violas, 12 violoncelos e 8 contrabaixos na base dos instrumentos de corda. Nos sopros, mais 4 flautas, 4 clarinetas, 3 oboés e 3 fagotes. Fora esse instrumental, numerosos e variados metais e toda a percussão necessária à instrumentação de cada obra executada.
Extremamente cuidadoso, Habeneck tinha por hábito marcar a partitura com sinais convencionais, para lembrar as entradas instrumentais ou os motivos musicais mais importantes de cada grupo da orquestra. Sendo exímio violinista, Habeneck utilizava o seu instrumento para mostrar tecnicamente a forma expressiva da execução musical.
O trabalho de Habeneck junto à Sociedade de Concertos do Conservatório, permitiu à Orquestra de Paris ser reconhecida como superior à grande Orquestra do Gewanghaus de Leipzig à época da regência de Mendelssohn. A grande contribuição de Habeneck foi ter mostrado ao público de Paris todas as Sinfonias de Beethoven com uma clareza instrumental, profundidade expressiva e exposição da estrutura formal até então desconhecidas.
9. Michele Costa (1808-1884)
O desenvolvimento da Regência e sua consolidação no século XIX, tem em Michele Costa um dos mais insignes intérpretes da Direção Orquestral. Natural de Nápoles, a partir de 1829 rege assiduamente em Londres, onde posteriormente fixa residência e rege a Orquestra da Sociedade Filarmônica.
A força de Michele Costa consistia na organização impecável e no cumprimento de diversas exigências artísticas: Horários pontuais, ensaios minuciosos, obrigação de estudo individual por parte de cada músico e a conquista de diversos direitos para os músicos instrumentistas.
Calmo, frio, sabia enfrentar e resolver as passagens mais difíceis das obras do novo período romântico, onde a instrumentação exigia domínio de toda a palheta orquestral. Na Regência de grandes massas Coral - Instrumental, era reconhecidamente superior a Berlioz, pois regia sem nenhuma ajuda de sub-diretores ou assistentes de Regência. O nome do seu sucessor à frente da "Philarmônica", sintetiza a grandeza do seu trabalho como regente: Richard Wagner.
10. Otto Nicolai (1819-1849)
Otto Nicolai iniciou a sua carreira de Diretor de Orquestra após estudos na cidade de Berlim, onde conheceu de perto o trabalho de Zelter, Spontini e Mendelssohn. Reconhecido mundialmente por ter instituído os Concertos Filarmônicos de Viena, onde os músicos profissionais haveriam de substituir os instrumentistas amadores, objetivando a dedicação exclusiva para a execução de obras do repertório sinfônico.
Seu mérito como regente destaca a responsabilidade da sua atribuição como intérprete, a autoridade rígida na condução da orquestra, a concentração minuciosa e o ato de reger, extremamente claro e expressivo na gestualidade. Sua aspiração cultural era a promoção de Concertos Instrumentais de alto nível.
Berlioz, um de seus maiores admiradores - segundo registra Della Corte - , o definia assim: "Nicolai tem as três qualidades que, no meu entender, são indispensáveis a um Diretor: Culto, experiente e entusiasta da Composição Musical. Entende todas as exigências do ritmo, tem clara e precisa técnica do movimento.
Organizador incansável, durante os ensaios sabe muito bem aquilo que faz. Assim, obtém a confiança, a dedicação, a fidelidade e a unidade da Orquestra, a qual toca com calor e eficiência, no mais belo resultado para a Arte Moderna". O trabalho pioneiro de Nicolai deu origem ao que hoje conhecemos como uma das maiores instituições Sinfônicas e Operísticas do mundo: a Filarmônica de Viena.
11. Franz Liszt (1811-1886)
O gênio de Liszt como pianista e compositor, não retira do exímio músico a sua extraordinária atuação no campo da Regência. O modo de sentir cada motivo composicional e, por extensão, toda a estrutura formal de uma obra, lhe permitia reger com uma relativa flexibilidade rítmica dentro do compasso. Assim, o nervo vital da execução diretorial de Liszt era principalmente o entendimento da obra na sua estruturação: Período, Frases, Motivos e Células.
Liszt também se destacou nos contrastes da dinâmica musical e no equilíbrio dos diferentes timbres, com a finalidade de frasear e cantar, numa verdadeira declamação do discurso sonoro. Diretor brilhante das obras de Beethoven e Berlioz, sempre se destacou no repertório sinfônico. Excelente músico e artista sensível, sua principal contribuição - conquistada antes de 1853, quando colocou fim a sua carreira de regente -, foi estimular o espírito.
Intuitivo, não deixou uma Escola de Regência, mas escreveu para sempre o seu compromisso com a alta espiritualidade que significa reger uma partitura musical. Musicólogos como Adriano Lualdi consideram Liszt como uma ponte entre o tratado "O Diretor de Orquestra" de H . Berlioz e o estudo "A Arte de dirigir a Orquestra" de R. Wagner.
A justificativa para essa afirmação é a "Carta sobre a Direção", de 1853, na qual Liszt se defende dos seus críticos, mostrando a importância do Ritmo, do Fraseio e da declamação musical, para superar a mediocridade artística das orquestras da época. Para complementar o presente capítulo com outros nomes que servem como incentivo para o desenvolvimento da pesquisa, registramos diversos regentes que atuaram de forma significativa no início e na primeira metade do século XIX.
12. Carl Friedrich Zelter (1758-1832)
Músico alemão, aluno ativo e futuro Diretor Geral da Singakademie de Berlim. Foi brilhante professor, Diretor de Orquestra e o maior formador de jovens artistas regentes da Alemanha. Entre seus alunos podemos citar Mendelssohn, Meyerbeer e Otto Nicolai. Como Maestro recuperou as grandes obras de Bach para o repertório do século XIX, sendo o maior incentivador de Mendelssohn no estudo do Grande Mestre do Barroco alemão. Embora não tenha escrito textos específicos sobre a Direção Orquestral, a sua vasta correspondência com Goethe revela o seu espírito pioneiro e sua total dedicação à formação de novos artistas.
13. Henrich August Marschner (1795-1861)
Nascido na Bohêmia, foi desde pequeno iniciado na atividade musical, sendo que em 1816 já se destacava no exigente cenário musical de Praga. Em 1821 se estabelece em Dresde e a partir de 1827 trabalha ativamente na cidade de Leipzig. Famoso pela sua atividade em todos os centros musicais da Alemanha, Marschner foi regente apaixonado pelo romantismo nacional alemão (Meyerbeer, Wagner etc.).
14. Adolf Bernhard Marx (1795-1866)
Teórico e crítico musical alemão, ensinou na Universidade de Berlim, da qual foi Diretor de Música. Autor de métodos de Composição, nas suas críticas musicais no Allgemaine Musikalisch Zeitung, destaca a necessidade de uma "Regência Profissional" na execução das obras musicais do século XIX. Regeu regularmente na cidade de Berlim.
15. Carl Gottlieb Reissiger (1798-1859)
Pertencente a família de músicos alemães, foi aluno em Leipzig e Viena (estudou composição com Salieri). Dirigiu a partir de 1826 a Ópera Alemã em Dresde e posteriormente assumiu também a Ópera de Teatro Italiano. Mestre de Capela da Corte em 1828, sucedeu Carl Maria von Weber. Foi grande organizador de temporadas de Concertos e se destacou como regente da obra de R. Wagner, com quem trabalhou vários anos em conjunto e de quem preparou e regeu a estréia da ópera Rienzi.
16. Ferdinand Ries (1784-1838)
De família de músicos alemães, Ries foi exímio pianista e regente de orquestra. Aluno de Beethoven em Viena (1801-1805), se destacou como intérprete itinerante da regência, junto a grupos formados para concertos avulsos em diversas cidades da Europa. De 1813 a 1824 foi Diretor Musical em Londres e a partir de 1826 assume a Cäcilien Verein, onde organizou concertos regulares de obras sinfônicas do início do romantismo alemão. Excelente preparador, se destacou pela sua opção para movimentos acelerados, tocados com agilidade, clareza e alta técnica instrumental.
17. Ignaz Seyfried (1776-1841)
Escritor e músico austríaco. Estudou com Mozart em Viena e, posteriormente, na cidade de Praga. Embora conhecido como regente e compositor, Seyfried colaborou como escritor no desenvolvimento do jornal Algemaine Musikzeitung, criado pelo seu irmão Joseph Seyfried (1780-1849). Nesse jornal constam inúmeras informações e reflexões da sua autoria sobre suas apresentações como regente, atividades musicais, orquestras em formação, temporadas de concertos, criação de novas Escolas de Música de nível superior e aberturas de novos Conservatórios, permitindo aprofundar o estudo da regência a partir dos anos 1819/1820.
18. Eduard Rietz (1802-1832)
Nascido numa família de grandes músicos da Alemanha, foi o fundador da Orquestra de Diletantes de Berlim, com a qual apresentou a primeira execução restaurada da Paixão Segundo São Mateus, de J.S.Bach. Primeiro violino do quarteto organizado por Mendelssohn, sua atividade regencial se destaca pela defesa ardente da execução de obras Corais-Instrumentais de Bach.
19. Theodor Döhler (1814-1856)
De origem austríaca, desenvolveu incessante carreira como concertista de Piano e regente de Orquestra. Foi o primeiro a transmitir os conhecimentos técnicos gestuais defendidos e expostos por H.Berlioz, do qual traduziu o seu excelente trabalho intitulado "Tratado de Instrumentação".
20. Giacomo Meyerbeer (1791-1864)
Embora mais conhecido como destacado compositor e exímio pianista, Meyerbeer foi "generalmusikdirektor" da Prússia e Diretor da Corte Real em Berlim até sua morte. Nessas atividades ajudou inúmeros artistas da regência, organizando eventos operísticos onde defendia o monumentalismo expressivo ou Teatro total - uma integração de todas as artes.

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