segunda-feira, 21 de maio de 2007

CELIBIDACHE E O FIM DA HISTÓRIA DA REGÊNCIA

1. Introdução
O século XX assistiu ao desabrochar da arte da regência no fulcro da cultura de massa. Os maestros se tornaram divos do mesmo porte dos cantores e dos ícones do pop. Tudo porque eles se colocaram à frente do processo de reprodução e divulgação da música por meio dos discos e dos vídeos, assim como haviam assumido em definitivo a direção da orquestra no início do século XIX. A figura do regente tem o papel social amplificado. Leva ao grande público alguns dos arcanos de uma arte de pequenas multidões, surgida no final do século 18: o concerto sinfônico. Virou tradutor, prestidigitador, ator, líder de seita. Tudo graças menos à arte do que à técnica.O maestro romeno Sergiu Celibidache, nascido em 1912 em Bucareste e morto em 15 de agosto de 1996 em Paris, representa a mais eloqüente reação ao aprisionamento da música pelos meios de reprodução. Crítico virulento da contemporaneidade, ele tenta manter viva a idéia da música como momento único, tributária do romantismo. Afirma-se como guru de um curioso zen-budismo germânico da regência. Religião, ainda que puramente estética e como substituta -assim intui o crítico George Steiner já em 1971- é o papel destinado à música neste fim pós-utópico de século (1). Steiner percebe o fenômeno contra o qual se insurge Celibidache: o da "musicalização'' da cultura e do "afastamento da palavra''.O maestro é chamado de "o Kaspar Hauser romeno'', o "último sumo-sacerdote da arte'', a coruja que aterrissa no fim da história, no delírio romântico da destruição, derradeiro protesto contra uma suposta degeneração dos valores da cultura ocidental. Claro que sua luta se revela inútil, pois mesmo seus concertos merecem centenas de gravações, hoje comercializadas por selos clandestinos. Só à frente da Orquestra Filarmônica de Munique, que dirige desde 1979, são 25 títulos. Celibidache ignora-as como excrescências mercadológicas. ele responde ao século 20 com diatribes e uma arte de anacoreta, antitecnológica. Fundamenta o ofício do regente pelo avesso do ofício dos regentes contemporâneos. Recusa-se a reconhecer qualquer miasma de aperfeiçoamento na regência desde a morte de seu protetor, o maestro alemão Wilhelm Furtwängler, em 1954, aos 68 anos de idade. Este ensaio tenta demonstrar como as teses do artista romeno ainda são capazes de produzir frisson, mesmo que impraticáveis em seu fundamento. Celibidache é a capitulação "ad absurdum'' da arte como objeto único e a realização completa desta arte, por meio de um método exemplar e a leitura crítica da árvore genealógica da regência. Ao pregar o avesso do cânone observado pelos músicos, e pelo mundo, Celibidache representa igualmente a impossibilidade da dissidência, da rejeição ao microfone e ao canhão de laser que tudo capturam e convertem em produto. Sua atitute artística retruca à tecnologia e, de certa maneira, é a mais afetada por ela do que qualquer outro maestro de sua geração. Dimensionar sua importância e descrever seus procedimentos básicos é o objetivo do presente texto.
Uma longa entrevista concedida por Celibidache em outubro de 1993 em São Paulo, pouco antes de um concerto que dirigiu com a Orquestra Filarmônica de Munique, que redundou em duas reportagens e uma crítica (2), e a biografia "Celibidache - Der Andere Maestro'' (Celibidache - O Outro Maestro), do jornalista Klaus Umbach, lançada em 1995 (3), formam as fontes essenciais deste trabalho. Além disso, George Steiner em "No Castelo do Barba Azul'', Giorgio Graziosi no volume de ensaios "L'Interpretazione Musicale'' (4), Edward Said em "Elaborações Musicais'' (5) e Elias Canetti no texto fundamental "Massa e Poder'' (6) contribuem para formar o "leitmotiv'' teórico que rege a idéia do anoitecer da cultura erudita aqui desenvolvida.
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2. Alteração do gesto
Ao inverso do que axiomatiza Celibidache, a arte experimentou neste século, especialmente no pós-guerra, uma melhora no sentido formal. As grandes escolas de regência surgidas no século XIX geraram frutos e hoje são poucos os regentes que se podem dar ao luxo de viver de um saber limitado, ou apartados de um tronco estético. A excelência e a superexposição fazem suas exigências. O regente finimilenar se vê diante de desafios nunca enfrentados antes, como o da melhor forma de lidar com a tecnologia, a recepção da massa e as epidemias da moda.
A tecnologia transformou o gesto de comando do chefe de orquestra em objeto registrável e segmentável. A imagem "captura'' a gestualidade do maestro, antes tida como inacessível, e apenas dirigida aos músicos. Graças à tecnologia, o maestro se investe de um aspecto frontal e passa a ser o bailarino da orquestra. O que antes era didascália (indicação precisa) ,ou mero ornamento, passa a ser no século presente uma coreografia transcendental. A orquestra existe para ir dar na ponta dos dedos ou da batuta do maestro. O grupo de músicos no palco se torna a imagem espelhada da platéia, um e outra hipnotizados, narcotizados pelo poder de domesticação do regente. Detentor das prerrogativas conquistadas pela arte, ele fornece sentido ao momento da execução e usufrui do privilégio de se perpetuar na imagem reproduzível. Simultaneamente ele exercita o momento intransferível do espetáculo e seu palpável simulacro. A imagem em movimento nasce no ano do aparecimento da psicanálise, 1895. Na música, é a data em que o compositor alemão Richard Strauss (1864-1949) se afirma como maestro, regendo seu poema sinfônico "Till Eulenspiegel'' em Munique. Por sinal, Strauss, discípulo do ambivalente Hans von Bülow (a um tempo wagneriano e antiwagneriano), formaria o professor Heinz Tiessen (1887-1971), com quem Celibidache estudou ao chegar a Berlim, em 1936, para aprender regência, metafísica e matemática.
A gestualidade teatral de Strauss, e a ressonância desta sobre a do jovem Celibidache, certamente inspirou o pensador búlgaro Elias Canetti em "Massa e Poder'', livro publicado em 1960 que estabelece uma taxionomia informal do comportamento das turbas e seus timoneiros no contexto dos conflitos mundiais. No penúltimo capítulo, "Aspectos do Poder'', Canetti disseca a função do regente na cultura européia pré-revolução tecnológica. "Inexiste expressão mais manifesta do poder do que a atividade do maestro'', diz "Cada detalhe de seu comportamento público é característico; o que quer que ele faça lança alguma luz sobre a natureza do poder. Alguém que nada soubesse a seu respeito poderia deduzir uma a uma as características do poder a partir da contemplação atenta do regente'' (7). Segundo Canetti, o regente se considera o servidor-mor da música, embora possua o dom de controlar as vozes da orquestra (metáfora da vária humanidade) e "um líder para a mutidão presente na sala'' : "O público tem tem sempre suas costas diante de si, como se ele fosse sua meta. Se ele se virasse uma única vez, o encanto estaria quebrado. O caminho que o público percorre não seria mais um caminho, e decepcionadas, as pessoas ver-se-iam sentadas numa sala imóvel. Contudo, elas podem ter certeza de que ele não vai se voltar. E isso porque, enquanto elas o seguem, o regente tem à sua frente um pequeno exécito de músicos profissionais a dominar. Também aí a mão o auxilia. não, porém, indicando apenas os passos seguintes -como faz para as pessoas na platéia-, mas transmitindo ordens'' (8).
Em resumo, o regente é "a soma viva das leis", aquele que "atua sobre ambos os lados do mundo moral.''. Canetti atribui-lhe um estatuto de Leviatã: "Pelo mandamento de suas mãos, indica o que vai acontecer e impede que aconteça o que não deve acontecer. Seu ouvido perscruta o ar à procura do proibido Assim, para a orquestra, o regente representa de fato a totalidade na obra, tanto em sua simultaneidade quanto em seu desenrolar, e, considerando-se que ao longo da execução o mundo não deve consistir senão na obra, durante esse tempo ele é o soberano do mundo''. (9)
Celibidache calha perfeitamente à descrição. Ele sente a nostalgia do poder perdido, do logocentrismo, da aura hoje convertida em repetição. Com a assunção da imagem técnica, o regente já não está mais de costas, mas diante do público, exposto em 360 graus, sob todos os ângulos possíveis. O quadro de Canetti está, portanto, datado, embora a questão do poder ali expresso ainda tenha validade. O guia agora cede lugar ao mágico, dotado de gesticulações transcendentais, e um poder oculto, de organizador, de gerenciador do processo de produção musical. Como analisa Edward Said, o intérprete atual ganha neste século ares de ser olímpico, inatingível (10). Para o estudioso norte-americano de origem palestina, o pianista canadense Glenn Gould é a figura prototípica do artista que troca a arena sangrenta da sala de concertos pelo estúdio de gravação e faz disso uma profissão de fé na técnica. Celibidache se impõe pela atitude contrária: adota a arena da performance pública contra o estúdio e o eterno retorno de uma determinada interpretação.A massa absorve a figura do regente e do virtuose como a de um campeão insuperável. A platéia, hoje constituída pela malta oculta de espectadores de CDs, não pode mais querer segui-lo, e sim apenas reverenciá-lo como vencedor de uma competição no ranking dos virtuoses. "De muitas maneiras, o toca-discos moderno transforma a sala de estar em uma sala de concertos ideal'', comenta George Steiner (11). "Ela permite um novo melindre da audição: nada de erturbações causadas pelas tosses alheias, nada de barulho de pés, nada de notas desafinadas. Os discos de longa duração alteraram as relações entre o ouvido e o tempo musical. visto que podem ser postas para tocar de uma só vez, de modo ininterrupto, ou com um intervalo mínimo, obras longas -uma sinfonia de Mahler- ou sequências interligadas como as Variações Goldberg agora podem ser ouvidas integralmente, em casa, e também repetidas ou segmentadas à vontade''. Steiner explica que a interação entre notação de tempo musical e fluxo de tempo real do ouvinte é um fato arbitrário, mas revelador. Vê como fato inédito na história o de toda música poder ser ouvida "a qualquer hora e como som ambiente doméstico'' (12). "Fita, rádio, toca-discos emitem uma torrente infindável de música, em qualquer momento ou circunstância do dia''.Celibidache adota a torrente infindável da flutuação agógica (o "espichamento'' ad nauseam dos tempos, ao sabor da expressividade do momento) contra a torrente tecnológica e das modas. Sabe que a batalha já está perdida. O tempo do triunfo do Leviatã-maestro escoa, enquanto o registro burocrático do regente-mágico permanece. Se atualmente o maestro que se vira não decepciona a turba, Celibidache evita encarar o público. Quando o faz, é para ostentar o olhar de górgona, petrificador.
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3. A carreira do Leviatã
"Dirigir é uma possibilidade, um acaso a ser liberado'' (13). Esta frase de Celibidache te serve para encimar sua trajetória. Há quem diga que um dado contingente definiu seu modo de agir: o fato de haver perdido para Herbert von Karajan o direito à sucessão de Furtwängler à batuta da Orquestra Filarmônica de Berlim. Isso teria precipitado o rancor, revelado a língua ferina do preterido e, por oposição ao discomaníaco Karajan, definido seu método de trabalho avesso à tecnologia. O conhecimento de sua carreira demonstra, porém, que a coerência o conduz à dissenção natural com Karajan. Quando o maestro austríaco assumiu Berlim, venceu uma maneira contemporânea de tratar o produto musical. A indignação do perdedor, portanto, foi legítima.
Celibidache chegou à música por interesse filosófico. "Queria saber o sentido daquela linguagem sem palavras, matemática e poética ao mesmo tempo'' (14). Estudou na Universidade de Berlim a partir de 1936. Dedicou-se a reger corais, passou por dificuldades, estudou matemática e zen-budismo. Atuou pela primeira vez à frente da Filmônica de Berlim em agosto de 1945. No ano seguinte, assumiu a batuta da orquestra, a convite do exército russo de ocupação. Começou a trabalhar com Furtwängler, de retorno do exílio suíço.
Discípulo da linha wagneriana de regência, o maestro romeno se destacou pela gesticulação espetacular, a flutuação agógica e o excesso de ensaios. Numa reportagem fotográfica feita em Londres quando de sua estréia internacional, em 1948, o regente aparece com a cabeleira desgrenhada, a fazer as expressões mais contorcidas, os sorrisos mais abertos, as mãos crispadas. Especialista em Bruckner, sua versão da oitava sinfonia do mestre de Linz já durava na época cerca de 106 minutos. Para se ter uma idéia, a mesma obra regida por Karajan com Berlim durava 81 minutos, enquanto que Carl Schuricht e a Filramônica de Viena levam apenas 71 minutos. Sua flutuação se aproximava do "slow motion''."A orquestra deve chegar ao ponto onde o maestro está. Faço muitos ensaios para poder passar a técnica e a interpretação. Para um crítico conhecer uma orquestra, tem que ouvir os ensaios'', declarou, em bom espanhol, quando esteve no Brasil, em 1993 (15).
Depois de uma carreira de turnês internacionais, foi o escolhido por Furtwängler para sucedê-lo. Mas este morreu no início de dezembro de 1954, poucos dias depois daquele que seria o derradeiro concerto de Celibidache com a Filarmônica de Berlim. Karajan assumiu-a em 13 de dezembro. Celibidache só voltaria a regê-la em 31 de março de 1992, em comemoração aos seus 80 anos, e isso por insistência do presidente alemão, Richard von Weizsäcker. Nesse meio tempo, deram-se os fatos principais de sua vida. Dirigiu a Orquestra Kapelle Copenhague de 1960 a 1964. De 63 a 71, foi condutor da Orquestra Sinfônica da Rádio Sueca. Voltou para a Alemanha em 1972, a fim de dirigir em Stuttgart a Sinfônica da Rádio do Sul da Alemanha. Ali ficou até 1977. Dois anos depois assumiu a Filarmônica de Munique, para ali permanecer. Já não rege de pé, mas suas convicções permanecem intactas: nada de ópera nem gravações, apesar de ter concedido fazer videolasers a partir de 1990, mediante súplica especial da direção da Filarmônica de Munique, por sua vez pressionada pelo governo alemão que obtivesse receita própria. "Ópera é falsa, a filha bastarda das artes'', disse a seu biógrafo (16). Declarou no Brasil: "Não se vende música. Estamos vendendo o velhinho de cabelos brancos, a performance deste ou daquele instrumentos. vendemos o espetáuclo. Não o músico. Serve para que ganhemos umpouco mais de dinheiro. O pessoal da Filarmônica de Berlim tem dinheiro, casa de campo etc. porque vende discos. Isso não nos interessa'' (17). Continua tratando o microfone com desconfiança: "O microfone não deixa de ser uma massa metálica. Capta apenas 30 por cento do som original. Rebaixa a música. Nos estúdios tudo é perfeito demais. Ao vivo, não'' (18).
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4. Filosofia da regência
Em entrevistas ao longo de sua carreira, Celibidache citou pejorativamente astros famosos e criou animosidades. Mas a violenta ironia do maestro encerra uma visão críica sobre o fenômeno da regência, e uma filosofia de conduzir orquestras - ou, para parodiar um conterrâneo seu, o filósofo Cioran, criou um breviário de sombras da batuta.
Não vê com bons olhos o aplauso vazio do público e ironiza o papel dos seus colegas. "Aplauso quase sempre perturba. Quando eu toco bem e o público demonstra que entendeu, então eu me sinto feliz. Mas geralmente é uma demonstração vazia, muito vazia, de aprovação. Não a recebo bem''. Para ele, regentes são "pessoas primitivas e sem cultura'' (19). "Um maestro não precisa ser um músico, mas pode ser que seja. Um homem cuja função é pôr a orquestra em ordem e juntar os instrumentos, que pouco barulho faz e efetivamente produz quase nenhuma música audível, não pode ser chamado de músico. Primeiro vem a organização, depois a música'' (20).A missão do diretor de orquestra, segundo ele, é ser o "fiel testamenteiro do compositor'' (21). Como testamenteiro, porém, Celibidache lê o passado com irreverência, sobretudo suas maiores influências. Berlioz, para ele, é "mestre do desvio'': "Foi um revolucionário na instrumentação. Mas lhe faltava conhecimento suficente em harmonia. Não harmonizava nem mesmo um coral corretamente. Posso citar centenas de linhas de baixo e modulações erradas nele'' (22). Wagner preferiu a obra-de-arte-total a desenvolver seus dotes: ''Ele tinha anseios pequenos-burgueses de se tornar escritor e pensador. Isso era o principal para ele. Não se deu conta de que era um grande músico. Dirigiu todo seu esforço para a obra-de-arte-total, e isso não era outra coisa que o sonho de um pequeno burguês'' (23).
O maestro reconhece o valor de Tchaikowsky: "É um poderoso sinfonista e um ilustre desconhecido na Alemanha'' (24), homem de profundidades só reconhecidas na Rússia natal. Stravinsky, segundo nosso "viellard terrible'', é "um diletante genial'', um mestre "sem estilo, de tanto explorar estilos alheios'' (25). E Schoenberg? "Um compositor de horrorosa burrice. Tudo nele soa igual. Felizmente sua influência durou pouco, seu sistema dodecafônico, com todos os imitadores e apóstolos, era tão mesquinho e desconjuntado quando o sistema comunista'' (26).
Para os colegas tampouco esbanja elogios. Lorin Maazel, "uma criança de dois anos que fala de Kant'' (27). Karajan, "um nazista que fez duas vezes a ficha no partido nazista para trabalhar'' (28). Hans Knnappertsbuch: "Esse não sabia nada de nada. O público o aplaudia não importa o que regesse ou os erros que cometia. Gostava de colocar uma melodia uma oitava abaixo só para se divertir. Ninguém notava'' (29). Solti, "um pianista que não sabe dirigir orquestra'' (30). Não poupa nem mesmo Toscanini, o artista que consolidou a fidelidade como procedimento mais legítimo da regência. "Dizem que Toscanini era o único a respeitar o que estava na partitura. Na época Toscanini era o único que não fazia música, apenas produzia notas. Foi uma fábrica de fazer notas'' (31) E aqui a expressão "Notenfabrik'' tem em alemão, como em português, o sentido musical e monetário...A maledicência se reveste de um sentido catártico para essa coruja da história. Libertando-se das influências e de quem influenciou, Celibidache parece querer construir uma nova doutrina, como se isso fosse possível no instante de queda dos sistemas.
Seu padrão de regência nada tem de metafísico: ensaios incessantes, técnica alemã, controle sobre a partitura e os músicos. O repertório vem da "mainstream'' da música sinfônica européia: Beethoven, Bruckner, Mozart, Mahler, Schubert, Richard Strauss. Dá as costas ao público para hipnotizá-lo. Às vezes rege "senza batuta'', embora esta tenha uma função clara: "A batuta imprime sutileza ao movimento ao braços, tirando deste o peso habitual. Ela carrega uma rigidez necessária.'' (32) . As duas mãos possuem o mesmo peso, e podem trocar de função, ora uma expressiva, ora outra marcando o tempo. Em algumas ocasiões a esquerda toma a batuta, para assim romper com.a rotina. "Ditador, eu? Um tirano? Não, nunca. Mozart é o ditador, ele dá as ordens através de sua obra'' (33). Curiosamente, a fidelidade de Celibidache não reza pelos cânones fixos de interpretação típicos da prática atual.
De certa forma, ele busca fora do pentagrama a fórmula para o seu método. Discípulo do gnóstico indiano Sai Baba, é na doutrina zen e no vocabulário da levitação que o músico encontra o motor de inspiração. Age como um genuíno guru. Seus alunos são discípulos; devem observar uma disciplina peripatética, seguindo-o por onde for. Diz que se cansou de encontrar estudantes que se interessam menos pela essência da música do que pela carreira, e reduziu o número de alunos. Tenta orientar por parábolas de místico tardio. Ensina coisas como: "Tão logo a pena toca o papel, o sentido foge. É impossível captar o sentido das coisas pela palavra'' (34). Ou, sobre música: "Quando o camponês canta de manhã, está fazendo música pura. Ele não se preocupa com nada, nem com o texto nem com as notas. Preocupa-se com a beleza da manhã que ele celebra. Eis a grande profundidade da arte. Esta transcende os valores. Como se dá esse fenômeno, não sei dizer. O que aconteceu depois do concerto? Nada. O que é necessário esclarecer? Nada. Alguém pode me dar uma explicação suficiente da água?'' (35). Música é um fenômeno indefinível. "Tente falar sobre música com Bernstein, um homem inteligente. Ele não tem nenhuma idéia sobre o assunto'' (36). Ela se dá no instante da performance: "O que será esta noite não sei. Não sei se será música. Uma sinfonia de Beethoven não existe mais Ela ainda vai ser feita. Hábitos não devem predominar na arte dos sons'' (37).
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5. Eternidade técnica
Celibidache elabora um corpo doutrinal baseado na indeterminação, no leito incessante do tempo. A importância do maestro no ambiente pós-cultural está na percepção da decadência dos valores estéticos tradicionais e na tentativa desesperada de salvar alguns desses valores para a posteridade. "Infelizmente o futuro da regência está no passado'', desfere o guru, sorrindo da própria ironia (38). No mundo técnico, o papel do maestro talvez seja o de desautomatizador dos procedimentos consuetudinários das orquestras e das platéias. Isso não acontece. Celibidache, contudo, insiste em perscrutar o proibido, em apontar o assassinato da música por seu símile sonoro.Segundo esse filósofo de fragmentos, o drama de seu antecessor, Furtwängler, foi ter tentado se eternizar no long playing e o resultado ter sido caricatural. O drama de Celibidache foi o de ter percebido que os meios técnicos prendem, eternizam, convertem sua arte em objeto de manipulação. Nos videolasers em que concedeu aparecer, pode-se recuar ou avançar, ou congelar a imagem de Celibidache num ponto em que os braços levantados exageradamente atingem o ápice de uma sinfonia. A metafísica cede espaço à imanência, o gesto está vivo, mas congelado, como uma caricatura. Ainda que registrado, catalogado e afetado pela tecnologia, o maestro jamais dará a batuta a torcer. Crê na partícula mínima, indecomponível e incaptável, da música: no fato de ela fluir e ter o direito de se encerrar. No cair da noite da cultura erudita, os dois lados do mundo moral, público e artistas, perderam a sensibilidade para a finitude. Sentados, esperam que a batuta jamais se suspenda.
Para Celibidache, a música ainda não começou.

Por LUÍS ANTÔNIO GIRON
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6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. STEINER, George (1971). No castelo do Barba Azul (algumas notas para a redefinição da cultura). São Paulo, Companhia das Letras, 1991. 154 pp.
2. GIRON, Luís Antônio (1993). "Maestro critica Karajan e a tecnologia''.
In: Folha de S. Paulo, 5 de outubro de 1993, pp.1-8.______________________ . "Celibidache começa hoje turnê brasileira''.
In: Folha de S. Paulo, 5 de outubro de 1993, Ilustrada, p. 45.__________________ re.
"Sergiu Celibidache e Filarmônica de Munique sgatam o instante''.
In: Folha de S. Paulo, 6 de outubro de 1993, ilustrada, p. 4-5.
3. UMBACH, Klaus (1995). Celibidache - der andere maestro (biographishce reportagen). München, Piper, 1995. 336 pp.
4. GRAZIOSI, Giorgio (1957). L'Interpretazione musicale. Torino, Einaudi, 1967. Quarta edizione.
5. SAID, Edward (1991). Elaborações musicais. Rio, Imago, 1992. 220 pp.
6. CANETTI, Elias (1960). Massa e Poder. São Paulo, Companhia das Letras, 1992. 487 pp.
7. Idem nota 6, p. 395.
8. Idem pp. 396-397.
9. Idem, p. 397.
10. Idem nota 5, p. 30.
11. Idem nota 1, pp 129-130.
12. Idem, p. 128.
13. Idem nota 3, p. 33.
14. Idem nota 2.
15. Idem ibidem.
16 Idem, p. 22.
17. Idem nota 2.
18. Idem ibidem.
19. Idem nota 3, p. 47.
20. Idem, p. 30.
21. Idem, p. 34.
22. Idem, p. 23.
23. Idem ibidem.
24. Idem ibidem.
25. Idem ibidem.
26. Idem nota 3, p. 24.
27. Idem, p. 190.
28. Idem nota 2.
29. Idem ibidem.
30. Idem ibidem.
31. Idem nota 3, p. 190.
32. Idem, p. 31.
33. Idem, p. 30.
34. Idem nota 2.
35. Idem nota 3, p. 34.
36. Idem ibidem.
37. Idem nota 2.
38. Idem ibidem.
Copyright Luís Antônio Giron, 1997
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Sergiu Celibidache
(Compositor e maestro romeno)28-6-1912, Roman 14-8-1996, ParisSeu meticuloso trabalho como diretor de orquestra valeu-lhe o reconhecimento internacional: de 1946 a 1952 substituiu, à frente da Filarmônica de Berlim, Wilhelm Furtwängler, cujo trabalho foi proibido pelas forças aliadas. Recebeu convites de orquestras espalhadas por todo o mundo. Em caráter permanente, dirigiu a Orquestra Sinfônica da Rádio de Stuttgart de 1972 a 1979. Depois, foi diretor musical da Filarmônica de Munique. Ficaram famosas suas interpretações das obras de Anton Bruckner e Johannes Brahms. Celibidache sempre se recusou realizar a gravações discográficas; assim, resta hoje apenas material televisivo como testemunho de sua atividade de maestro. Compôs quatro sinfonias.
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Sites de interesse
http://www.celibidache.net/english/main_frame.html
http://hdelboy.club.fr/celibidache.html
http://www.celibidache.fr/
http://www.classicalnotes.net/columns/celiweb.html
http://es.wikipedia.org/wiki/Sergiu_Celibidache
http://www.arnaldocohen.com/articles/6

ASPECTOS DA REGÊNCIA

A arte da regência é uma ciência como qualquer outra, utilizada como um meio de fazer arte, no entanto a esta arte são impostas implicações técnicas que devem ser desvendadas e dominadas por todos os candidatos a regentes, não importa que tipo de grupo se predispõe a dirigir. Não há diferença no dirigir um coro, orquestra ou banda. A técnica do dirigir é igual para todos os tipos de grupo, o que muda são os conhecimentos específicos de cada um.O que é a regência? Segundo o maestro Roberto Duarte:

"dirigir é muito mais que abanar os braços. É acima de tudo saber se relacionar com as pessoas. È lembrar que do outro lado de uma estante de música encontra-se um ser humano, que tem alegrias, tristezas, preocupações e problemas como todos, inclusive o maestro, e que ele deve ser tratado com respeito".


O ato de dirigir engloba diversos conhecimentos importantes, como o conhecimento do relacionamento humano, o domínio dos conhecimentos gerais, o domínio dos conhecimentos musicais em geral, o domínio dos conhecimentos específicos da regência e por último o domínio da técnica do gesto. Nenhum destes conhecimentos isolados desempenham sua função dentro do “ser um regente”, mas só a soma do conjunto destes conhecimentos vai contribuir para que o regente se torne um bom regente.


O maestro Duarte ainda sugere (os valores apresentados nas porcentagens são fictícios, mas servem como sugestão para a reflexão que se pretende) que a formação da regência é composta por uma pirâmide, formada da seguinte forma (o maior valor de porcentagem corresponde à base da pirâmide e o menor valor da porcentagem corresponde ao vertice superior da pirâmide):

Isto quer dizer que o gesto encontra-se no alto da pirâmide da arte da regência, mas que para que ele aconteça é necessário que na base da pirâmide haja os demais conhecimentos.


O ato de dirigir está mais intimamente ligado a como se relaciona o maestro com seus comandados que com o gestual propriamente dito.O gesto tem sua importância na comunicação. Observe esta palavra: Table. O que significa? Como se pronuncia? O significado é um só: table = mesa, mas a pronúncia vai depender do idioma: francês ou inglês. O que desejo mostrar é que cada um tem seus meios de expressão, mas o significado é o mesmo. Há diversas maneiras de dizer a mesma coisa, dependendo apenas como você a diz. No entanto a linguagem que você usa deve ser compreensível para todos.

O gesto tem um padrão universal, que pode variar dependendo do contexto da obra. O gesto não é um símbolo independente, ele está associado ao domínio e conhecimento da partitura, adquirido pelo estudo diário e pela dedicação ao que faz. Dirigir, não é apenas conduzir os elementos melódicos. Alguns maestros se tornam maestros dos primeiros violinos, dos sopranos ou das palhetas solistas. Dirigir é muito mais que dirigir uma linha melódica, com toda a certeza ela é importante, mas nem sempre a regência deverá se ater a linha melódica, visto que algumas linhas melódicas dependem de algum elemento rítmicos ou harmônico, e é aí que o maestro deverá verificar a importância destes elementos: a melodia, ritmo ou harmonia.

Só para clarear um pouco mais, muitas vezes a linha melódica depende do bom desempenho de uma passagem rítmica ou de uma passagem harmônica. O maestro se preocupa tanto com o desempenho melódico e esquece de observar o que lhe dá sustentação.

O olhar, as mãos, os braços, dedos, enfim o corpo todo deve participar na função da regência e estes não devem ser desperdiçados.

A comunicação do maestro é feita por meios não verbais, e por este motivo os sinais devem ser claros, objetivos e precisos. Todo o processo de reger exige do maestro muito estudo e dedicação. O gesto deve ter objetivo claro e possuir uma estratégia bem definida. Tudo o que se faz a mais é desperdício e desvia a atenção podendo induzir ao erro.Todo o processo do gestual, não acontece por acaso. Alguns regentes se preocupam com a marcação de compassos, mas o ato de reger envolve muito mais que marcar compassos. Os músicos não desejam que um maestro marque compassos e sim que dirija a obra.

O que desejo mostrar aqui é justamente o que está por trás de uma partitura simples ou complexa. O gesto é portador de uma idéia, de uma frase, de um efeito, de uma dinâmica, de uma passagem ou de um encadeamento harmônico. É pra isso que serve o gestual. Quando marcamos apenas um compasso, estamos nos tornando um metrônomo gigante, que na maioria das vezes não tem qualquer utilidade musical.

Convido a você a acompanhar o meu raciocínio numa abordagem sucinta de alguns tópicos, aspectos importantes da regência válidos para todo e qualquer tipo de grupo que necessite de um regente:

a) O poder que temos em nossas mãos ao nos colocarmos frente a um grupo, pode de alguma forma contribuir ou prejudicar a eficiência do trabalho. Como desfrutar dos benefícios da autoridade, sem agredir nossos músicos, e sem prejudicar o resultado de nosso trabalho?

b) A memória e a importância que ela desempenha na direção musical?

c) A percepção do maestro frente aos fatos que se sucedem a cada instante dentro do grupo que dirigimos.

d) O domínio da partitura, a importância de saber a partitura de memória e dominar todo o conteúdo.

e) A batuta, como e porque usar.

f) As técnicas do gestual.

g) Como organizar o ensaio.

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I) Poder

A autoridade do maestro frente ao grupo de trabalho pode ser resumida em dois aspectos:· autoridade pessoal· autoridade técnicaNa regência, a autoridade é o substractum de sua arte, e é como se fosse parte integrante da natureza das coisas, sendo lastreada pelo conhecimento, experiência e competência do maestro. Na atividade humana, raras vezes o poder de um único indivíduo se mostra tão evidente nas exigências de obediência e lealdade. O gestual do maestro é dominador e sua imagem exprime suas intenções e expressões que devem ser seguidas. Exercer a atividade da regência, pressupõe ter virtudes de liderança, poder de comunicação, precisão técnica e senso de autoridade.

O regente moderno não tem mais a ascendência autoritária como Karajan, que era chamado de Pontifex Maximus, que usava de mão de ferro para dirigir seus músicos.

Hoje o “maestro sugere, não impõe sua vontade”. Bernard Haitink.

O maestro Carlo Maria Giulini, falando sobre a autoridade do maestro:

Não nos sentimos absolutos sobre o podium. Devemos pedir constantemente aos músicos que executem e aos cantores que cantem. Se formos autoritários é para pedir”.

Ainda falando sobre o assunto, o maestro ainda comenta:

“Entre o maestro e os músicos não deve haver trocas desiguais e que a obediência deve vir da convicção: eu prefiro convencer”


O maestro Pierre Monteaux fala sobre o assunto da seguinte forma:

“O maestro nunca deve faltar com o respeito aos seus músicos, que tem o direito a ter direitos”.

Há um provérbio italiano que sintetiza essas afirmações:

“Tu recebes o que me destes”.

O autoritarismo absoluto não existe mais, mantendo-se o respeito, o diálogo, sem abdicar de nosso senso de perfeição e musicalidade.
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II) Memória

A memória é a possibilidade do indivíduo de disponibilizar conhecimentos adquiridos sem o auxílio de referências escritas.

Nesse sentido a memorização, segundo a psicologia, passa por três etapas principais:

a. a aquisição do conhecimento

b. tratamento da informação

c. a lembrança, quando a informação é transferida para o momento do uso.

O maestro Von Bülow sempre dirigia de memória e exigia que seus músicos o fizessem. Ele sempre afirmava que:

“mais vale a pena ter a partitura na cabeça, que ter a cabeça na partitura”.

O século XX tornou-se célebre que os grandes maestros dirijam seus concertos de memória, com a ascensão do maestro virtuose.

Muitos regentes gostam de dirigir seus concertos totalmente de memória e outros, como Mendelssohn-Bartholdy (1809-1847), usava a partitura apenas como apoio, não necessitando utilizar o texto para toda a direção. No entanto, alguns regentes podem possuir lapsos, déficits ou perturbações de memória que o impedem de dirigir sem a partitura.

Muitos consideram que dirigir de memória é um ato de exibicionismo e outros consideram que é um ato que demonstra o talento do maestro, no entanto não há uma unanimidade sobre o assunto. Cabe ao maestro considerar os riscos e os caprichos de dirigir com ou sem a partitura durante uma apresentação pública. De qualquer forma conhecer a obra de memória, com ou sem a partitura na sua frente no ato do espetáculo, é extremamente importante para o bom desempenho do maestro.Quando o uso da partitura for necessário, deve ser utilizada somente como apoio para eventuais consultas durante a execução.

O trabalho de memorização do regente é fruto de paciente e demorado estudo e perseverança ao trabalho anterior ao primeiro ensaio, ou seja o domínio absoluto da partitura. A prática contribuirá para o desenvolvimento artístico, contribuindo dessa forma para o domínio do gesto, da expressão, da comunicação e da concentração, ou seja, o regente sabendo a partitura de memória, com ou sem ela à sua frente, passará a dominar os aspectos visuais, táteis, musculares analíticos, rítmicos e auditivos de sua música.
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III) Percepção

A percepção do músico de um conjunto instrumental ou vocal, que está sempre em estado receptivo é bem complexa, determinada pela associação do senso de acuidade visual, estabelecida por sinais gerados pela fisionomia, gestual e atitudes do maestro, somados à percepção auditiva do coletivo, sem deixar de lado as informações da partitura, que este transformará em linguagem musical, na elaboração do senso musical coletivo.

Esse processo de percepção começa a partir do momento que se determina a afinação do conjunto, quando o maestro ergue os braços, chamando a atenção para o início do processo sonoro musical, seguido pelo principal sinal que se chama levare, do “i” ou seja, a preparação para a emissão do primeiro som do coletivo. A partir deste processo, o músico instrumentista ou cantor inicia a sua postura de receptáculo das informações. Todos os sentidos estão voltados para o maestro, e respondem as suas indicações, entrando num grau máximo de concentração.

O gesto deve conter todas as informações necessárias para a interpretação, entre muitas estão as seguintes:

a. Fazer todo o efetivo musical tocar ou cantar junto.

b. Indicar o tempo.

c. Indicar as principais entradas.

d. Indicar os andamentos.

e. Indicar as dinâmicas.

f. Controle dos planos sonoros entre os naipes.

g. Indicar acelerandos e ritardandos.

h. Qualidade sonora do instrumento ou cantor.

i. Indicações e saída de fermatas.

j. Dirigir os fraseados.

k. Linhas melódicas.

l. Manter a fidelidade na interpretação.

m. Indicar articulações diversas, entre muitas outras indicações.

Ao mesmo tempo em que se pede a concentração dos músicos cantores ou instrumentistas, se faz necessário à mesma concentração do maestro, pois não havendo, pode-se ter a sensação de vazio no podium, sem saber o que fazer podendo provocar um desastre artístico.

O maestro que não possui gestos claros, ou que possui gestos tencionados, que não olha para seus conduzidos, marcando apenas os compassos, perde a sua função como maestro, ou seja o músico não sente a necessidade de interagir com ele.

“A função de maestro não é só o marcar de compassos, ser maestro vai muito mais além, é a arte de se comunicar com as mãos, ou ainda saber utilizar a comunicação não verbal, saber inspirar seus músicos, controlar o som do seu grupo em cada detalhe, usar todos os recursos intuitivos para dominar a técnica e saber dosar a mente e o coração em partes iguais” são palavras de Arnold Schoenberg.

O maestro Lorin Maazel referindo-se ao desafio de ser um maestro, comenta:

“o desafio do maestro é o de dirigir um grupo, guiando-o, conduzindo-o, inspirando-o e coordenando-o, ao mesmo tempo em que modela, mede e dosa, nisso consiste a grandeza do maestro”.
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IV) Domínio da partitura

O estudo de uma partitura começa muito antes do primeiro ensaio. Os principais objetivos que o regente deve observar quando do estudo de uma partitura é a compreensão do caráter da obra, seu estilo, forma, técnica e meios de expressão. Cabe ao maestro conhecer os conteúdos temáticos, harmônicos, contrapontísticos, rítmicos e instrumentais da musica. Este estudo detalhado do contexto leva o regente a estabelecer uma visão global da obra através do que chamamos de “audição interna”, isto é a representação mental do som. É este processo que permite ao maestro ouvir sem o auxílio de instrumentos aquilo que, por exemplo Beethoven, escrevia e sentia em si próprio, sem jamais ter ouvido uma só nota delas externamente. O maestro deve ter a capacidade de obter pleno domínio da partitura, sendo capaz de recriar a imagem sonora. A audição interna deve ser tão perfeita quanto terá o próprio compositor ao escrevê-la.

Um outro ponto a ser estudado é o detalhamento do gestual, sinais de expressão, como esses sinais devem ser realizados, como traduzir os significados da obra através da mímica, com gestos simples, claros e eficientes. O gestual deve resultar da capacidade de traduzir a representação mental da audição interna da obra. Quando isso não acontece, o maestro passará a ser um “metrônomo gigante”, um marcador de compassos, abdicando assim de sua função de maestro.

“A obra musical deverá amadurecer em nós até que se torne parte de nós mesmos”. Karajan.

Uma obra, mesmo executada diversas vezes pelo maestro, esta deveria ser estudada a cada exibição, pois somente dessa forma o processo de aperfeiçoamento e maturidade musical da obra se concretiza na memória do maestro. Este estudo permanente sempre revela algum novo elemento.

Segundo Georg Solti,

"o processo mobiliza a concentração, paciência e tenacidade, preferindo não utilizar instrumento algum”.

Para ele o melhor método é sentar-se à mesa de trabalho e ler minuciosamente cada linha e detalhe da partitura. Ele assegura que o processo de estudo e a assimilação não acontece de um dia para o outro.

“O músico que diz não precisar desse processo é um mentiroso e não é um bom músico com toda a certeza”. Georg Solti.

O primeiro passo é conhecer a estrutura, em seguida examinar detalhadamente cada parte, decompondo as frases, iniciando pelas cordas, madeiras e por último metais e percussão.

Finalizando o processo, observar os mínimos detalhes de informações e expressões indicados pelo compositor. Havendo dificuldade em um trecho, o ideal é sentar ao piano e tocar as passagens, objetivando a imagem sonora do trecho.

Um outro ponto importante é que o maestro absorva de tal forma o conteúdo sem introduzir modificações próprias, ou seja, alguns dos maestros desejam tanto impor sua personalidade que introduzem elementos não especificados pelo compositor, como fermatas, acelerandos ou ritardandos, ou simplesmente alterar o movimento em detrimento do caráter ou indicação explícita do compositor. O mais fiel intérprete, é sem dúvida aquele que não dá a sua própria interpretação, e sim aquele que procura exprimir a intenção desejada pelo autor.

Hoje em dia com a facilidade dos recursos tecnológicos, é comum ver maestros copiarem o que os outros fazem, ou melhor, dependem de uma gravação para poder realizar seu estudo musical, refletindo a imaturidade ou pior, a falta de conhecimentos musicais necessários para ocupar a função de maestro.

O trabalho do regente é constituído pelas seguintes atividades básicas:

a. “A de decifrar e estudar a partitura no seu aspecto formal e estrutural, interiorizando-a nos seus elementos: linhas melódicas, fraseados, andamentos, estilos, caráter, personalidade do compositor, obtendo pleno domínio mental da partitura” Herman Scherchen.

b. Examinar isoladamente cada detalhe e problemas expostos na partitura, não só em seu caráter formal, mas também relacionando à instrumentação.

c. Compreender, identificar, observar as indicações do compositor e saber traduzir as intenções do compositor em cada momento da obra musical.

d. Desvendar os múltiplos e variados significados expressos pelos signos da partitura, sabendo direcionar a intenção do sentimento, expressão dramática, emocional, os climas de tensão e repouso, a natureza, os contornos melódicos de cada naipe, ornamentos, entre outros.

e. Definição da intensidade sonora da orquestra, equilíbrio dos naipes no plano sonoro do contexto, dosagem dos timbres e matizes, dominar a melhor sonoridade de cada instrumento da orquestra ou de cada voz de um coro.

f. “Saber moldar a obra, buscando um senso de equilíbrio e precisão rítmica, o elaborar de fraseados, domínio da linguagem”. Leonard Bernstein.
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V) Batuta

Usar ou não usar? Eis a questão! Muitos maestros não concebem a direção de um grupo instrumental ou vocal sem o auxílio de uma batuta. Para que serve a batuta?

A batuta foi utilizada pela primeira vez provavelmente por Louis Spohr (1784-1859), por volta de 1820, substituindo o barulhento e antimusical bastão que era utilizado nos séculos XVII e XVIII pela chamado marcador de compasso.

A batuta pode funcionar como um prolongamento da mão direita, um prolongamento ótico, mão esta que tem como principal função a marcação dos compassos, marcação rítmica, simboliza a ordem e clareza, podendo auxiliar a esquerda em suas funções inerentes, já a mão esquerda, com suas sutilezas, exprime nuances, fraseados, cores, indica as entradas dos instrumentos, suscita a expressão e indica nuances, entre muitas ouras funções. O maestro Charles Munch, dizia que “a mão direita representava a razão e a mão esquerda o coração” e dizia mais se referindo á mão esquerda, “o coração não deve ter razões que a razão não possa conhecer”. Ainda o maestro referindo-se ao uso da batuta, dizia ele:

“a batuta não é indispensável, mas serve para tornar mais visíveis e claros os movimentos do maestro, devendo integrar-se a ele como se fosse um só corpo”.

Às vezes, as duas mãos podem variar de funções ou até mesmo uma mão servir de espelho para outra, como numa passagem difícil ou que assim o exige a partitura. As mãos devem ser movimentadas de maneiras independentes, obedecendo a uma coerência e de forma integrada. A utilização de gestos simétricos nos dois braços, pode provocar confusão visual para os músicos, criando duas referências.

Toscanini sempre comentava com seus músicos que não olhassem a mão direita e sim a mão esquerda, porque ela realmente é a mais importante.Alguns maestros não gostam de utilizar a batuta, um dos primeiros a dirigir uma orquestra sem a batuta foi o maestro russo Vassily Safonoff (1852-1918). Outro maestro que se destacou também pela abstinência do uso da batuta foi o maestro russo Leopold Stokowski (1882-1977). Já o maestro italiano Arturo Toscanini (1867-1957) não dispensava a batuta, pois achava que suas mãos não eram suficientemente expressivas. Vários maestros acham que a batuta é um economizador de energia, outros acham que a batuta é uma necessidade expressiva, dá maior precisão á marcação de compassos, enquanto para outros a batuta inibe a expressão da mão, é um complicador, é um objeto que precisa ficar na mão o tempo todo, e alguns também acham que não há necessidade de um prolongamento ótico. Alguns maestros utilizam a batuta para movimentos de precisão rítmica e movimentos rápidos, já nos movimentos lentos preferem a utilização das mãos por ser muito mais expressivo. Os regentes antigos achavam que a batuta era um símbolo de poder e domínio.

A batuta deve ser utilizada como ferramenta, deixando que a mão esquerda seja mais comunicativa, caso deseje não utilizar a batuta, utilize as mãos com critérios, precisão, sinais objetivos, claros e sempre comunicativas.
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VI) Gestual

Para o público em geral, uma questão torna-se evidente: como o músico aprende as informações resultantes do gesto? Como eles podem tocar suas partes, traduzindo a leitura para o som do seu instrumento e ao mesmo tempo seguir as informações geradas pelo gestual das duas mãos do maestro?

Não podemos deixar de mencionar a habilidade do instrumentista. Ele deve ler a sua partitura, decodificar as informações contidas e associá-las ao mesmo tempo com as informações advindas do gestual do maestro traduzindo-as, convertendo-as em som musical, tocando corretamente seu instrumento. Não esquecendo que seu ângulo de visão é bastante limitado em relação ao maestro.

“É o poder de ver sem ver”, assim diz o maestro inglês Colin Davis, ainda o poeta francês Paul Claudel criou a expressão “o olho escuta”, para indicar que a visão e a audição se fundem como receptores cinestésicos buscando a tradução do significado musical.

É importante que o gestual do maestro seja claro, sintético e objetivo.

O maestro deve dizer o máximo com o mínimo de palavras e fazer o máximo com o mínimo de gestos.

O gesto deve ser sempre claro, evitando que o músico seja confundido pela ambigüidade de gestos impróprios. O gestual é o único canal de comunicação entre os músicos e o maestro. Por isso a capacidade de comunicação pelas mãos e olhos, associada á expressão do rosto e corpo, constituem qualidades essenciais.

“Quando o maestro não faz nada no gesto, deixa que cada um toque o que deseja. Os músicos estão abandonados à sua sorte... Os braços são o centro da vida emotiva do homem como ser, o centro de nossa fala como maestro, é o centro eufônico. Por isso o gesto deve sempre convergir para o centro, ao nos afastarmos desse centro, não podemos fazer música... O que eu faço na mão pode afetar o resultado sonoro que desejo obter .” Sergius Celebidache.

Meu professor em S. Paulo, o maestro Eleazar de Carvalho, sempre me dizia, quando meus gestos não diziam nada, ou quando fazia gestos demais sem sentido ou aleatórios:

"se não tem o que fazer com as mãos é preferível que elas estejam dentro do seu bolso",

numa alusão à utilização consciente e produtiva do gestual. Se vai usar um gesto, pergunte-se, para que serve?.

O regente pinta esse quadro partindo das informações contidas na partitura pelo compositor. Inegavelmente um só olhar pode servir de indicação de entrada para um determinado instrumento, ou mesmo para encorajar um músico em uma passagem importante ou difícil, aprovar ou reprovar. A indicação de entrada de um instrumento, deve ser vista como um convite a tocar e não uma imposição. Isto se reflete na maneira como nos expressamos a nossos músicos ou cantores.

O rosto também possui importância vital na comunicação e na expressão, por outro lado, deve-se cuidar para que esses sinais não se tornem inúteis, ou mesmo cacuetes que venham a desviar a atenção dos músicos.

É importante mencionar os cuidados que o maestro deve ter para que não desperdice energia supérflua com gestos excessivos. Muitos regentes utilizam-se de gestos extraordinários para expressar alguma coisa, desperdiçando suas energias, gestos esses que poderiam ser re-estudados de forma mais concisa e que produziriam maior efeito onde um simples olhar resolveria. A economia e a eficiência do gesto é fruto de um longo trabalho de estudo da comunicação não verbal. O gesto deve ser dinâmico, flexível e não estático, usar todas as possibilidades que o braço pode oferecer, da ponta dos dedos ao ombro. Quanto maior a complicação da partitura torna-se pertinente a utilização de gestos dominados, controlados, especialmente gestos precisos, o que ajuda a compreensão a um primeiro olhar ou a um olhar periférico. O gesto deve ser adequado ao contexto musical, como por exemplo, uma frase, ou um elemento rítmico. E ainda é pertinente que o regente dirija seguindo a topografia e a geografia do grupo que dirige.

O excesso do gestual pode levar ao caminho do exibicionismo, alguns maestros utilizam-se deste artifício para chamar a atenção do público sobre si, por vezes exibindo proezas mirabolantes. Essa atitude do maestro faz despertar uma reação negativa nos comandados, interferindo na qualidade interpretativa, anulando todo o potencial de receptividade, podendo criar um clima de tensão e de insegurança. Segundo o maestro Viegas Muniz Martins,

“a técnica regencial é tanto mais importante quanto mais realizada sem esforço, quando então o que se vê é a música”.

O maestro Benjamin Zander[1] esboça alguns pensamentos sobre a regência da seguinte forma:

“A música faz com que nos alinhemos a cada instante. Não é só tocar um instrumento, ou fazer que uma orquestra toque junto. Não é só isso, os compositores ao escreverem suas obras não se interessam apenas por fatores, mas também pela relação com a obra, como ela virá ao mundo”.

Num curso de regência não se ensina a dirigir... apenas aprendemos juntos, é um ato excitante. Quando se dirige o mais importante é ter uma idéia clara do conteúdo da obra, se a mente tem essa clareza as mãos seguem o pensamento. Este é o processo. Cada um tem seu próprio modo para dirigir. A base do gesto é igual para todos: dirigir 1, 2, 3 ou 4 é a única coisa comum a todos os dirigentes, a diferença está na maneira como cada um executa a obra. Gente diferente, música diferente.

A música é um idioma, uma linguagem e é uma das forças mais poderosas das emoções humanas. Nossa tarefa é dominar esse idioma em todos os detalhes, conhecer seu vocabulário, como tudo funciona, as diferenças entre, por exemplo, uma frase, onde temos compassos iguais e as formas da linguagem são bem diferentes. É isso que se deve aprender, estudar e, sobretudo entender. Uns podem levar vinte minutos para entender como uma frase foi criada e desenvolvida, e outros mais ou menos tempo para isso.Não conseguiremos fazer grande música se não tivermos partido nossos corações. É isso que devemos fazer, transcender a arte, elevar-nos do pessoal e do imediato para o universal. È uma das expressões mais gratas.

A inibição der ser sublimada, temos de ser crianças quando precisamos e um bailarino quando houver necessidade, de uma certa forma esquecer que as pessoas estão te olhando, sublimar e representar o que a música sugere, explorar o afeto, a contensão emocional da música, não somente compreender, mas demonstrar poder com as mãos, com o corpo, os olhos, todo o ser deve se expressar. Convencer o músico do seu desejo e intenção: sorte, triunfo, tristeza, melancolia, terror, o que for, e assim os músicos derramam sobre os seus instrumentos o que você lhe passou, por sua vez, passando essa informação ao público, que é o objetivo final, ou seja, como traduzir a minha música em gestos.

Do que trata a música? Podemos responder a essa pergunta? Então qual o gesto? Se não pode responder a essas indagações então só estarão marcando compasso ou abanando os braços e não causará nenhuma sensação a ninguém nem aos músicos, nem ao público, portanto a necessidade de verificar o que acontece na obra e sentir o corpo. Portanto em momentos mais enérgicos os movimentos são mais perto do corpo, se não veja o caso dos boxeadores, quando eles desejam maior concentração de força eles fecham os gestos perto do tórax para poder desfechar golpes com maior poderio de impacto. O gestual pode ter grande força. Quando os instrumentos de arco, exemplo os violinistas tocam perto da ponte, imprimem mais força e poderio sonoro, se fechando sobre o instrumento. É exaustivo, e deverá ser assim. Nos movimentos enérgicos, quanto mais claro o gesto, mais claro os músicos entenderão suas intenções.Tudo o que se fizer com as mãos, braços, olhos e corpo, deve sugerir o que vai e está dizendo, pensar a cada momento da música e tentar passar o máximo de informações com o máximo de concentração”.

Ainda comentando sobre o gesto, o maestro Sergius Celibidache falava o seguinte para seus alunos:

“O gesto grande o tempo todo, priva o maestro das possibilidades de expressão, o que o impede de chegar onde deseja. Esse tipo de gesto contradiz com o caminho natural do som para o gesto que se coloca entre o som e a música”.

A função primordial do maestro: da parte técnica, gostaria de enfatizar alguns pontos:

a. “Dirigir é estabelecer uma relação com o conjunto de seres humanos: quanto mais simples, mais verdadeira e intensa essa relação, mais compreensível e eloqüente será a mensagem, e os músicos, com bem estar e entusiasmo, poderão melhor reconstituir a execução como uma verdadeira obra de arte”. Hermann Scherchen.

b. “Transmitir à orquestra o mesmo controle fantástico de uma revoada de pássaros, eles não pensam se vão para a direita ou para a esquerda, apenas voam”. Karajan.

c. As entradas não começam com um golpe, mas nascem progressivamente do repouso. As indicações devem ser prévias, antes que elas aconteçam. O início deve merecer uma atenção especial do maestro, é um dos momentos mais importantes da regência.

d. O ato preparatório, é o grande segredo da boa regência. O modo preparatório determina a qualidade do som com uma exatidão absoluta. A precisão e a clareza do gestual são algumas das virtudes que deve acompanhar o maestro. Os gestos em nenhum momento podem se contradizer. As informações devem ser precisas, não exigir do músico um staccato, quando se demonstra um cantabile, um legato.

e. Não é possível provocar emoção, se não se está emocionado.

f. “Numa obra musical, tudo tem sua importância e cada detalhe tem sua razão de ser”. Feliz Weingartner.

Cuidar dos detalhes sempre pensando que não existe nada inútil.

g. “O maestro deve saber provocar no músico o desejo de tocar”. Leonard Bernstein. O que se deseja obter é que o músico seja sensibilizado a amar a música como você a ama, se necessário utilizar-se de todos os meios disponíveis para mostrar suas intenções.

h. Fazer tocar juntos qualquer quantidade de músicos ou cantores, como se fosse um só instrumento, cuidando das qualidades essenciais do domínio dos diversos planos sonoros, da variedade de cores e refinada delicadeza dos tons. Cuidar das variações das dinâmicas sejam elas de mudanças bruscas ou progressivas, das articulações em todas as suas formas, destacar um fraseado, precisão rítmica, observando as variações de andamentos ocasionais assim como todas as possibilidades de efeitos explícitos no texto musical.

i. Segundo Leopold Mozart, "a técnica do rubato é uma das mais difíceis. É mais fácil mostrar que falar sobre o assunto. No entanto o rubato pode ser logrado abreviando-se ligeiramente um determinado tempo para alongar um outro. Dessa forma atinge-se uma certa relação de andamento que não é a forma maquinal do compasso. Essa técnica exige muito estudo, pois é necessário muito tempo de dedicação para efetuar um rubato inteligente, é uma técnica perigosa que deverá estar a serviço do estilo".

j. “Quando o maestro não faz nada no gesto, deixa que cada um toque o que deseja. Os músicos ficam abandonados à sua sorte”. Sergius Celebidache.
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VII) Ensaios

São seções de trabalho que precedem a uma apresentação, neles, o maestro e os instrumentistas definem o espírito da execução, da interpretação da obra musical.

É no ensaio que a partitura é destrinchada, analisada nos seus mínimos detalhes e cabe ao maestro orientar os músicos a fim de atingir o máximo de perfeição na apresentação.Cabe ao maestro dividir a partitura em blocos para poder trabalhar por partes. Em geral as partituras estão marcadas com número ou letras de ensaio ou números de compasso, facilitando assim a localização por todas as partes do trecho a ser estudado.Num ensaio, entre muitas coisas, deve ser observado seguinte:

a. Afinação: afinação dos naipes e a afinação geral da orquestra, realizada pelo spalla.

b. Precisão Rítmica

c. Estudo: estudar a obra por sessões. Os trechos de maior dificuldade técnica em cada naipe, devem ser passados e repassados, não desistindo até que a passagem esteja de acordo com as intenções do maestro. Observar as estruturas, estilos e os diversos planos sonoros, levando em conta as características sonoras peculiares de cada instrumento e da obra. Nos instrumentos de cordas, cada um deles possui características próprias. Por exemplo, os contrabaixos são instrumentos mais lentos e as cordas graves não possuem grande brilhantismo, comparando com as cordas mais agudas. Com relação à precisão de ataques, cada instrumento tem características específicas que pode ser influenciada pela respiração. O gestual influencia no tipo de ataque.

d. Arcadas e articulações: em parceria com os chefes de naipe e o spalla definir as arcadas e as articulações não indicadas na partitura. Estabelecer acentos, articulações, tensões e dinâmicas, mudanças de andamentos.

e. Obter o melhor equilíbrio e melhor qualidade timbrística de cada instrumento ou naipe.

f. Determinar a quantidade ideal de instrumentistas, observando as características da obra, estilos, compositor e período inerentes à obra.

g. Observar o fluxo do tecido musical, estabelecendo o melhor fraseado; estabelecer a escala de intensidades e expressões para manter uma coerência no equilíbrio da execução musical; cuidar para que a interpretação não altere o caráter da obra, entre outras; controlar as mudanças e variações de andamento, como rallentandos e accelerandos.

h. O maestro deve observar para que suas orientações sejam anotadas na partitura, a lápis. Por quê lápis? Porque cada regente tem suas características e por isso se a orquestra toca uma mesma obra com vários regentes deverá anotar essas mudanças, podendo apagar e reescrever o que precisar. Usando anotações a tinta ou outro meio definitivo de indicação pode prejudicar a leitura da obra. Essas anotações podem ser as arcadas, dinâmicas, expressões, alterações na intensidade, mudanças de tempo, entre outras.

i. Observar as características de cada instrumentos. Neste trabalho artesanal, o maestro deve cuidar de forma especial, dos instrumentos de cordas, porque se as cordas forem bem o restante da orquestra irá bem. Não há necessidade de saber tocar os instrumentos, mas conhecer suas características e técnicas peculiares. Há instrumentos que tem características mais ligeiras que outros, como por exemplo, as cordas são mais ágeis que os instrumentos de sopro e percussão, por isso os tempi devem ser cuidadosamente escolhidos observando essas características. Por exemplo, as flautas são muito mais ágeis que as trompas e os violinos mais ágeis que os contrabaixos, e assim por diante.Quando se fala que o maestro deve falar, isso não significa que o maestro deve utilizar o tempo todo a linguagem verbal e sim, de forma especial a linguagem gestual da regência. O que o maestro faz é a lei? Não, se acha que não funciona, deve mudar sem constrangimento, e mudar quantas vezes for preciso. É óbvio que o maestro ao chegar em frente à orquestra deve saber exatamente o que deseja. Não deve deixar passar nada, nem mesmo uma entrada imprecisa, um erro, ou uma negligência, devendo parar e recomeçar as passagens que tiveram erros e recomeçar quantas vezes forem necessárias, mesmo que os músicos não demonstrem agrado por essas repetições. Para que isso possa acontecer com disciplina e qualidade, deve haver o máximo de concentração por marte do maestro e por parte dos músicos.

A preparação dos músicos para uma apresentação começa com os ensaios. São neles que o maestro pode experimentar mudanças, sonoridades, dinâmica, indicações, gestual, correção de problemas técnicos e disposição física. È no ensaio que as mudanças devem acontecer e nunca durante a apresentação, que é o momento sublime. O resultado de um bom concerto é conseqüência de bons ensaios.O respeito deve ser um ponto importante no relacionamento entre maestro e músicos. Não se pode esquecer que o músico é um ser humano, e por isso deve ser respeitado como tal. A troca de experiências também é fundamental, especialmente nos dias de hoje onde um bom número possui um grande cabedal de conhecimentos que pode vir a enriquecer a visão da obra.

O maestro funciona na orquestra como um músico, regente, organizador, psicólogo, pedagogo, entre outras funções, porque numa só vontade ele funde a vontade de todos os integrantes da orquestra.

O maestro deve ser flexível ás opiniões dos músicos, sempre atento a novas possibilidades, anotando-as na própria partitura. O maestro Stokowsky, é um dos maestros que utilizava dessa técnica. Ele oferecia opções mas também aceitava sugestões, e quando esta funcionava, anotava esta opção em sua partitura para poder utilizá-la numa outra oportunidade.
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Nota de rodapé

[1] Benjamin Zander: maestro e professor de regência inglês. Autor do livro: A Arte da Possibilidade - Editora Campus - ISBN 85-352-0753-8 - Edição Original - ISBN 0-87584-770-6

CONDUCTOR by Benjamin Zander

A música faz com que nos alinhemos sempre a cada instante. Nunca é só tocar um instrumento, ou que uma orquestra toque junta. Não é só isso, os compositores ao escreverem suas obras não se interessam apenas por fatores, mas pela relação com a obra, como a vão trazer ao mundo.Num curso de regência não se ensina a dirigir uma orquestra, não se pode ensinar a dirigir, apenas aprendemos juntos, em um ato excitante. Quando se dirige o mais importante é ter uma idéia clara do conteúdo da obra, se a mente tem essa clareza as mãos seguem o pensamento. Este é o processo. Cada um tem seu próprio modo para dirigir. A base do gesto é igual para todos. Dirigir 1 , 2, 3 ou 4 é a única coisa comum a todos os dirigentes, mas a diferença está na maneira como executamos a obra. Gente diferente, música diferente e distinta.A música é um idioma, uma linguagem e é uma das forças mais poderosas para as emoções humanas. Nossa tarefa é dominar esse idioma em todos os detalhes, conhecer o vocabulário, como tudo funciona, as diferenças entre, por exemplo, uma frase, onde temos compassos iguais e as formas são bem diferentes. É isso que se deve aprender, estudar e sobretudo entender. Uns podem levar vinte minutos para entender uma frase como foi criada e desenvolvida, e outros mais ou menos tempo para isso.Não conseguiremos fazer grande música se não tivermos partido nossos corações. É isso que devemos fazer, transcender a arte, elevar-nos do pessoal e do imediato para o universal. È uma das expressões mais gratas.A inibição deve ser sublimada, temos de ser crianças quando precisamos e um bailarino quando houver necessidade de uma certa forma esquecer que as pessoas estão te olhando, sublimar e representar o que a música sugere, explorar o afeto, a contensão emocional da música, não somente compreender, mas poder com as mãos, o corpo, os olhos, todo o ser e expressar. Convencer o músico do seu desejo e intenção: sorte, triunfo, tristeza, melancolia, terror, o que for, e assim os músicos derramam sobre os seus instrumentos o que você lhe passou, por sua vez, passando essa informação ao público, que é o objetivo final, ou seja como traduzir a minha música em gestos. Do que trata a música? Podemos responder a essa pergunta? Então qual o gesto? Se não pode responder a essas indagações então só estarão marcando compasso ou abanando os braços e não causará nenhuma sensação a ninguém nem aos músicos, nem ao público, portanto a necessidade de verificar o que acontece na obra e sentir o corpo, portanto em momentos mais enérgicos os movimentos são mais perto do corpo, se não veja o caso dos boxeadores, quando eles desejam maior concentração de força eles fecham os gestos perto do tórax para poder desfechar golpes com maior poderio de impacto. O gestual pode ter grande força. Quando os instrumentos de arco, exemplo os violinistas tocam perto da (ponte), imprimindo mais força e poderio sonoro, assim eles se fecham sobre o instrumento. É exaustivo, e deverá ser assim. Nos movimentos enérgicos, quanto mais claro o gesto, mais claro os músicos entenderão suas intenções.Tudo o que se fizer com as mãos, braços, olhos e corpo, deve sugerir o que vai e está dizendo, pensar a cada momento da música e tentar passar o máximo de informações com o máximo de concentração do gestual. Quanto maior for o nosso gesto, menores serão as possibilidades de expressão, quanto mais altos forem os gestos menor a possibilidade de expansão do gestual. Ao se dirigir não se pode pensar apenas na primeira fila e sim em todo o conjunto. A comunicação é com toda a orquestra. A última estante dos violinos tem de ser influenciada como se fosse a primeira. O maestro deve desvincular-se da partitura e se comunicar com todo o conjunto orquestral. A partitura deve ser apenas um guia, que o maestro consulta esporadicamente.Gestos expressivos devem ser horizontais, seguindo um movimento linear da melodia, e por que não pensar no movimento linear do arco das cordas? Assim ouvimos muito mais a música. A gama da emoção não pode ser limitada, tem de haver uma renuncia e se entregar realmente às emoções, sentir cada sensação provocada pela música: ritmos, elementos melódicos, elementos harmônicos, frases de ligação, temas que se sucedem, tudo enfim. Por exemplo, a raiva, angústia, tristeza, alegria, são sentimentos que temos de transparecer de forma diferente. Não é só uma boa direção de gestos, é entrar no âmago da música, entrar na composição musical, representar a arte através dos gestos, dos olhos, corpo, emoção, sentir as frases, sentir a respiração. Nossa função é convidar os músicos a participar, a tocar o melhor que possam e não que obedeçam. Pensar nas características de cada instrumento e nas características do que dirigimos com esse instrumento, induzir o músico, levar o músico a atingir o seu máximo. Cuidar para que quando dizemos “não” com a palma da mão, nos contrariamos dizendo sim com o rosto ou com a outra mão. Quando informamos algo, essa informação deve ser completa, com o rosto, com a mão com todo o corpo. A comunicação com os sopros e as cordas devem ser como um só, como se fosse um só corpo.A expressão do rosto é muito difícil. Uns demonstram mais e outros menos. Isso deve ser sujeito de um longo estudo e um árduo trabalho. Poucas nuances fazem a diferença.As dinâmicas devem ser bem claras. Os músicos de uma orquestra esperam conseguir o máximo. Se não os esclarecemos bem, eles apenas pensarão: está tudo bem assim, o que fizemos foi o suficiente. Na realidade o maestro quer algo mágico, então deverá demonstrar isso, de forma que possa ser entendido e notado por todos os músicos com absoluta perfeição.O maestro tem de pensar em tudo, tem de pensar na palavra como um todo, na frase como um todo e encarregar-se de tudo. Quando estamos regendo temos de nos certificar que as cordas, sopros e percussão, ouçam o que desejamos que eles ouçam por meio de nossos gestos. Não podemos duvidar de nossas solicitações, tudo o que pedimos tem de ter suas justificativas pessoais consistentes e não apenas eu estou fazendo porque eu acho... Não existe axômetro. Nossos gestos precisam ser, precisam falar, identificar cada momento de nossa música. Devemos ser tão claros que alguém que nos assista em um filme mudo possa saber de imediato que obra estamos dirigindo.Dirigir bem é importante, mas não é tudo, saber marcar compasso é importante, mas não é tudo. Dirigir bem não é marcar compasso. Dirigir é uma conversa, tem de ter tudo o que precisamos para representar nossa arte.A técnica da batuta, não existe, a não ser na música contemporânea que é muito difícil, exige muita precisão em virtude das constantes mudanças de compasso. No entanto, a batuta tem de funcionar como um órgão de nosso corpo, sensível, flexível e comunicativo. Então, quem somos nós? Quantas coisas temos de ser? Em dois minutos de música, somos tantos personagens. Quantos recursos numa frase musical! Quanta coisa. Não é a técnica da batuta que vai fazer ou dizer o que precisamos. Assim como os escritores de novela, os maestros tem de fazer de tudo para ser entendidos, e tudo o que fizermos tem de ser relevante. Temos de cantar, dançar, amar, odiar, chorar, rir, brigar, vivenciar cada instante e traduzir tudo isso em gestos, traduzir tudo isso em música.Quando dirigimos, por exemplo o violino, o público precisa sentir o que estamos fazendo, precisam entender o que estamos dizer a ele. Quando dirigimos precisamos ser lembrados, deve ser marcante, para que se lembrem do que fizemos daqui a 20 anos. Por isso fazemos música, e o mais incrível é que nos pagam para isso. Não pensamos como um trabalho que fazemos obrigatoriamente: tenho que fazer que todos toquem juntos. Isso não é ser um regente

A REGENCIA SEGUNDO SERGIUS CELEBIDACHE (pensamentos)

- Nada define a música. A música é a música.
- O que importa é a filosofia, de desejar fazer a música, objeto do pensamento.
- Há música dentro de da um de nós
- Quando o maestro não faz nada no gesto, deixa que cada um toque o que deseja. Os músicos estão abandonados à sua sorte.
- Os braços são o centro da vida emotiva do homem, o centro de nossa fala, é o centro eufônico. Por isso eles devem convergir para o centro. Ao se afastar desse centro, não podemos fazer música.
- Esta relação inequívoca entre o gesto e o som, será natural na interpretação? Não. Qual a natureza? É viva. O que eu faço na mão pode afetar o resultado sonoro que desejo obter. È necessário utilizar uma técnica manual fundada sobre a fenomenologia. Isto advém do braço. O “batere” depende do ponto do braço.
- O que transmite o diretor de orquestra? Impulsos e suas resoluções. Não o tempo como pensam alguns! Mas sim o tanto de impulsos e o tanto de resoluções, é isto que transmitimos para o conjunto de músicos, do contrário cada qual faz o arco que deseja, por exemplo, aí vira uma grande confusão. A unificação das arcadas, da coluna de ar, por exemplo, acontecem em função desta relação do impulso e da resolução do braço. Isso não é possível se deixarmos funcionar qualquer coisa de fundamental, a saber o próprio peso do braço.
- Nos fortes, a dinâmica dos sopros deverá ser o suficiente para não encobrir as cordas, ou seja, o máximo de força que as cordas permitam. Não tocar os instrumentos de sopro simplesmente, mas dirigir os sopros com os primeiros violinos, do contrário será uma sucessão de entradas sem sentido.
- Faça tudo como você ama, e veja que seja verdadeiramente compatível com suas idéias.
- O tempo para o maestro e para o compositor é diferente do homem normal. Para o homem normal o tempo é o que vem após o início da música, mas o tempo do processo é o que vem após o fim. O final apoteótico. A cada idéia, uma posição justa da técnica. Não será fácil um músico errar quando a idéia for clara e objetiva. Havendo algum problema, isso pode interferir no tempo, sobre a nitidez do gesto sobre a periodicidade, mas nunca na resposta, na reciprocidade direta e no som. Pode dar um pouco mais de trabalho, mas os braços estão lá e devem passar a idéia correta. Podemos ter uma idéia correta na teoria, mas o que importa é a música na prática. O que chamamos de interpretação é pura ignorância, otimizar só o que está escrito para não precisar utilizar nada mais. Deixar se levar pelo som, não ser mecânico, só isso.
- O que é vibrato afinal? É a maneira pessoal de dar vida a um som, que não pode ser imitado. O vibrato é a dimensão da expressão. O vibrato corresponde à situação, é um objetivo é o caráter do som.
- No começo da carreira, o regente pensa de forma muito intelectual, mas não é a realidade do som. O maestro jovem não vive exatamente o som, mas o reflexo do som na sua consciência. Aí está a discrepância inevitável, há a necessidade de um tempo para o ajuste. Tem de se abandonar o lado pessoal para poder caminha na trajetória de um Mozart, por exemplo.
- O gesto grande o tempo todo, priva o maestro das possibilidades de expressão, o que impede de chegar aonde você deseja. Esse tipo de gesto contradiz com o caminho natural do som para o gesto que se coloca entre o som e a música.
- O que o momento final tem a ver com o momento inicial? Os dois pólos são intocáveis. O que falta é a experiência direta do som, a compreensão, às vezes até difícil de aceitar, que o fim é ao mesmo tempo o início. Não se pode desvincular o fim do começo, tem de haver uma relação da ação do que acontece entre esses dois pontos.
- O que é um concerto? È um momento gratificante, é o momento de avaliar o trabalho que foi feito. O meu trabalho é igualmente uma atividade de criação, que dá a possibilidade de outros participarem deste momento lúdico. A riqueza da experiência de uma apresentação ao vivo nos faz ver e ouvir coisas que jamais serão ouvidas, como cores intermediárias que nunca existirão num CD.

ALGUNS APONTAMENTOS

I. ARTE E CIENCIA
A arte e ciência ao longo do tempo passaram por etapas claras, ou se opuseram e em outros há uma fusão, as partes se confundem.
A música é um trabalho, uma obra que não atende a nenhuma necessidade básica do indivíduo, como falar, comer ou dormir, mas possui uma natureza estética (belo ou feio), que se apresenta como uma linguagem específica, como um código de comunicação (linguagem), que atua como um projeto cultural”.
Na realidade a música é uma arte difícil de definir, por se tratar de algo em parte abstrato e em parte real, pois não podemos ver os sons e sim senti-los através de nossos órgãos sensoriais. O conceito de música vai se modificando à medida que se alargam os horizontes da composição musical, sobretudo no séc. XX com o aparecimentos de outras linguagens musicais como a música concreta, eletroacústica e a música serial.
A música se perpetua através da história, e a história existe em função do homem, através do sentido de destruição em oposição ao sentido de unificação, a música é uma aquisição que tem a necessidade de ser escrita, só assim ela se perpetuará incólume.
Na música, utilizamos basicamente sons, silêncios e ruídos, formando assim um leque que poderá ir da melodia a efeitos rítmicos, espectros ou harmônicos, que numa sucessão formam uma idéia musical, que poderá se tornar numa obra musical. Esses elementos podem ser associados, dissociados ou independentes na criação artística. Outros três elementos importantes integram a obra artística: a melodia, harmonia (num sentido amplo da palavra e não no sentido restrito utilizado comumente) e ritmo, não necessariamente utilizados concomitantemente, podendo ser utilizados separadamente ou ser combinados entre si, ordenados dentro de critérios estéticos peculiares a cada indivíduo criador, torna-se uma linguagem universal.
A criação segue basicamente um plano em que pesam dois critérios fundamentais:
1. Científico: aquele que utiliza elementos criados pelo homem, ou desenvolvidos por ele.
2. Natural: a utilização de leis as mais diversas, criadas pela própria natureza, e aliada aos esforços humanos nos proporciona uma grande variedade de opções nos mais diversos campos da arte.
Conceitos como harmonia, equilíbrio, proporção, simetrias estão presentes em muitas obras de arte às quais se associa beleza. No entanto, é a matemática que nos ajuda a encontra-los. Durante a renascença, Leonardo da Vinci (1452-1519)[1], Leon Battista Alberti (1404-1472)[2], Fra Luca Pacioli (1445-1514)[3] entre outros, consideravam o conhecimento como condição prévia necessária para qualquer tipo de ação, inclusive o da artística. Nesta época essencialmente pluridisciplinar, arte e ciência tinham muitos pontos de contato... Na obra em latim De Re Oedificatoria, publicada em Florença em 1485, Alberti expõe as condições necessárias à criação do belo, e defende que os intervalos musicais agradáveis ao ouvido – 8a,5a, e 4a – obtidos por divisão de uma corda (1/2, 2/3, 3/4), representam proporções que servem igualmente à arquitetura e às artes plásticas (citado por Freitas, 1977). Esta idéia vem mesmo da Antiguidade, e está presente em todos os aspectos da criação humana”.[4]
Diversos aspectos fundamentais diferenciam a avaliação científica da artística:
1. A reprodutibilidade das experiências e dos resultados.
2. A confrontação com a realidade, embora nem sempre é possível essa confrontação imediata, exemplo disso é Einstein que só pode confrontar com a realidade diversos anos depois de suas teorias estarem publicadas.
“Ciência e estética refletem atitudes distintas perante a realidade”:
1. O investigador tem a necessidade de a compreender,
2. O investigador tem maior intervenção da racionalidade
3. O investigador tem (a necessidade de seguir)[5] um percurso mais analítico.
4. Na investigação científica existem limites bem definidos impostos pelo conhecimento da realidade, pelas teorias em vigor, e através de um controle crítico rigoroso que é imposto pelas regras da própria cientificidade.
5. O investigador faz uma abordagem científica mas tem também uma parte verdadeiramente criativa, na visão de certos fenômenos e teorias.
”Já a estética artística reflete-se nas seguintes atitudes:
1. O artista tem a necessidade de a captar e com ela se comunicar
2. O artista tem uma maior intervenção da sensibilidade
3. O artista segue o percurso da razão do belo[6].
4. Na criação artística não há limites, pelo menos do ponto de vista estético.
5. A criação artística é uma forma de intuição, que pressupõe, contudo, uma base de conhecimentos sólidos.
6. O artista, embora não tenha uma atitude científica, tem uma base sólida de conhecimentos técnicos na sua área que correspondem a uma parte racional e científica.[7]
Para que o cientista desenvolva o seu conhecimento científico, deve envolver-se num procedimento que é constituído por três fases:
1). Observação;
2) formulação da teoria; e a
3) conseqüente constatação que é realizada com os diversos testes confirmando ou não a sua tese.
O investigador formula uma questão e tenta através de meios científicos obter a resposta a esta questão. Já o artista quando cria sua arte tem como finalidade o próprio ato da criação que se realiza nesse ato, assim como o ato se resume na finalidade da obra de arte. O artista não procura o belo, ele apenas se realiza artisticamente.
“... seria um erro encarar a ciência e estética como mutuamente hostis,... A estética não existe num domínio totalmente etéreo. Ela trata de impressões e sentimentos causados por objetos reais e acontecimentos reais, e a ciência pode certamente ajudar a definir esses objetos e acontecimentos com mais precisão. Por outro lado, os cientistas preocupam-se mais do que a maioria das pessoas se apercebe com os aspetos estéticos do seu próprio trabalho. Entre os seus métodos, experiências e teorias, os cientistas distinguem: alguns são belos, e outros não. Naturalmente eles preferem muito mais os belos. Por exemplo, no desenvolvimento da sua teoria da relatividade, Einstein foi guiado muito mais por uma procura de elegância, do que por fatos experimentais. Os cientistas apreciam especialmente a beleza das estruturas ordenadas e simétricas. Eles compreendem que mesmo que a ciência se construa com fatos, uma mera acumulação de fatos não é ciência, assim como uma pilha de tijolos não é uma casa”.[8]

II. SOM & SILÊNCIO
É tradicional classificar as características do som da seguinte forma:
1. Altura (freqüência).
2. Intensidade (força).
3. Timbre (espectro ou cor do som).
4. Duração (tempo).
Cientificamente essa classificação não é rigorosa porque mistura características psicológicas como a altura e o timbre, com características físicas como a intensidade e duração. A freqüência de um som é definida do mesmo modo que a freqüência de qualquer movimento periódico, pelo número de ciclos por segundo.
“Freqüência é um número de ciclos efetuados na unidade de tempo. Para a maioria dos movimentos oscilatórios, como unidade de tempo usa-se o segundo”.[9]
A altura dos sons está intimamente associada às vibrações de um corpo. Um certo corpo vibrando em alta freqüência produzirá sons mais agudos, ao inverso de um corpo em baixa freqüência produzirá sons mais graves. Agora, quando um corpo em vibração recebe interferência de outras vibrações ou de outros corpos, deixamos de ouvir esse som específico e sim ouviremos outro som, fruto da fusão dos dois que poderá não ter um freqüência nítida, sem sons definidos, ao qual chamamos de ruído.
“Isso mostra que um som musical é formado por vibrações simétricas, constantes, um ciclo regular da freqüência que se repete com as mesmas características, ou seja, neste período o movimento repete-se em intervalos de tempo iguais com as mesmas características cinemáticas, isto é, a mesma posição, a mesma velocidade e a mesma aceleração”.[10]
e o inverso, ou seja uma série de vibrações assimétricas, irregulares, inconstantes, obteremos uma sonoridade indefinida que é chamada popularmente de ruído. Um exemplo evidente disso é a utilização de uma régua tangida assente sobre uma mesa, quanto mais curta a parte de régua para fora da mesa, mais agudo será o som quando em oscilação, e o contrário voce perceberá que ao empurrar uma cadeira no chão, não haverá nenhum som definido, e cada vez que locomover a cadeira, outros sons surgirão diferentes do anterior.
Com a intensidade o som se propaga pelo ar, por ondas sonoras esféricas e por isso só se pode falar em intensidade de um som num ponto do espaço. A intensidade com que ouvimos um som é apenas uma pequena parte da potência sonora radiada pela fonte sonora. A intensidade é manifestada acusticamente pela maior ou menor amplitude das vibrações sonoras. Em outras palavras, está relacionada à força utilizada para emitir um som. Quanto mais força, mais forte é o som – maior a as intensidade; quanto menor for a força menor será a intensidade do som, provocando sons mais fracos. Quando se vibra uma corda é necessário um certo tempo para o estabelecimento do som. A passagem do estado de repouso ao estado vibratório não é instantâneo, devido ao ponto de inércia do elemento que provoca a vibração. É durante este período de estabilidade que se fixam a altura e a intensidade. O que se passa durante o período transitório resulta no reconhecimento do timbre do som. O início de qualquer som começa por um ruído mais ou menos acentuado. Isto acontece porque num intervalo de tempo muito curto existem vibrações irregulares que antecedem o período de estabilidade em que o som passa a ter regularidade. Este ruído, constitui o transitório do ataque, e é de tal modo importante na identificação do timbre do instrumento, que se for cortado, o instrumento ficará auditivamente sem classificação na maioria dos casos.
Segundo Pollard & Jansson[11], o domínio temporal de um som musical é constituído por três partes:
* Um transitório inicial de 5 a 350 ms, que corresponde a um processo em que há uma interferência complexa entre as vibrações livres dos modos vibratórios próprios do instrumento e o movimento forçado que é imposto pela fonte de energia. Além deste som, considera-se um certo ruído de fundo do instrumento, que é muitas vezes um elemento importante no som global.
* Um período mais ou menos estacionário cuja duração pode ir de 100 ms a alguns segundos, e corresponde ao movimento forçado do instrumento.
* O período que corresponde ao decaimento das vibrações livres dos modos próprios do instrumento quando o sistema forçado é removido.
“O instrumento musical como sistema pode oscilar em regime transitório ou em regime permanente, dependendo do tipo de excitação. Nos instrumentos em que a excitação é permanente, existe regime transitório e regime permanente; relativamente aos instrumentos de excitação localizada no tempo, em rigor não se pode falar de regime permanente, pois todo o som é um transitório desde que começa até que acabe. Os instrumentos de excitação permanente são os instrumentos auto-excitados, como os de corda friccionados e sopros. Os instrumentos de excitação localizada no tempo são os de percussão, corda beliscada e corda percutida. O regime permanente de um som é o estado estacionário em que as características do som se mantém invariáveis no tempo. Há instrumentos como os sinos, piano e instrumentos beliscados em que não chega mesmo a haver regime permanente porque depois do ataque o sm declina imediatamente, estando sempre em regime transitório. Um som musical possui um grande número de informações da qual o nosso ouvido tem capacidade de obter seletivamente. Entre as altura, intensidade, duração e timbre, há as seguintes:
1. o som pode ser liso ou com vibrato
2. Alterações de intensidade ou timbre
3. Tipo de ataque
4. Apreciação do som como um todo musical e reconhecimento do instrumento
5. O tamanho e as características da sala onde o som é produzido.Os sons puros são sinusoidais, constituídos de uma única freqüência, opostamente aos sons complexos que são formados por mais de uma freqüência. Cada uma das freqüências constitui um som complexo denominado componente ou parcial. O primeiro som parcial é designado pelos músicos de som fundamental, significado esse que não é igual ao dos físicos”.[12]
Outra característica do som é o timbre, é uma espécie de identificação de um instrumento, por exemplo. Vamos convencionar um som qualquer – um mi3 - se tocado num violino, num piano, na flauta, no violoncello, no trompete, no saxofone ou pela voz humana, ou por qualquer outro instrumento, facilmente notaremos a diferença de cor em cada instrumento, e será fácil reconhecer os instrumentos indistintamente do local onde se encontrem, mesmo que você não esteja vendo o instrumento. Quem sabe não conheça o instrumento em questão, mas saberá distinguir um instrumento do outro. Veja o exemplo das pessoas. Cada um tem sua característica vocal e será identificado pela voz. Hoje em dia com o advento da informática, dá para identificar várias gravações de voz a uma ou outra pessoa. Muitas vezes as pessoas sabem que fulano de tal está por perto, sem o ver, somente pela característica vocal da pessoa. Isso se chama espectro ou timbre. É a cor da voz. O que acontece é que reconhecemos as características peculiares de um som ou num instrumento ou numa pessoa.
Quando da emissão de um som, o tempo decorrido entre a emissão e a finalização desse som é chamada de duração.
“Duração, também pode se definir como o intervalo de tempo que leva para efetuar um ciclo”.[13]
O memo vale para o silêncio. O tempo de ausência de som também é caracterizado por uma duração. A duração ainda pode ser vista como físicas e psicológicas. Isto quer dizer, que a duração física do som pode ser medido por aparelhos de precisão, enquanto o tempo psicológico é a sensação que o tempo físico provoca em cada indivíduo de forma subjetiva porque varia de pessoa para pessoa e consoante cada circunstancia.Ao deixarmos cair um lápis no chão teremos o seguinte:
1. Quando ele atinge o chão o lápis pelo atrito do seu corpo sólido, ao tocar um outro corpo sólido – o chão – emite um som (som musical ou ruído).
2. De acordo com a altura da queda e o peso do lápis, o som emitido pelo atrito pode ser mais ou menos forte.
3. Vamos imaginar que não estivéssemos olhando a queda do lápis, ninguém confundiria o som provocado pelo atrito com um som emitido por uma tampa de panela. Todos nós identificaríamos que um lápis teria acabado de cair.
4. A duração do som provocado pelo atrito do lápis no chão tem uma certa duração e esta duração está associada ao tempo de vibração dos dois corpos – o chão e o lápis.
“A importância do silêncio na música é vital, pois passa largamente os limites da alternância de som e de ausência de som. Assim o silêncio é importante: o momento que antecede a execução musical, os espaços entre os andamentos ou as partes, os silêncios no meio da execução musical e o momento logo a seguir ao término da execução de uma obra”.[14]
Na realidade, o resultado do impacto de uma apresentação e da obra artística, está verdadeiramente vinculada à maneira como os músicos e o público sentem os silêncios antes, durante e depois da execução. Por exemplo, uma obra que termine em pianíssimo, o silêncio é imprescindível, mas quando o silêncio e cortado pelo aplauso, isso destrói totalmente a sensação que devia acontecer com esta pausa final.
O som pode assumir alguns significados consoante os fenômenos físicos ou os psicofísicos. Segundo a física, para existir som há a necessidade de uma fonte geradora que faz com que o som se propague através do meio, já o significado de som psicofísico refere-se à audição do som, ou seja, a sensação que ele provoca em cada indivíduo, ou seja, um músico pensa no som a partir do fenômeno físico da produção sonora, mas o ouvinte pensa no som pelo lado psicofísico, provocado a partir da sensação do som vindo do instrumento.

III. ONDAS SONORAS
A onda é uma perturbação que se propaga num meio elástico designando-se por um movimento ondulatório. Cada impulso origina uma onda e uma série de impulsos origina uma série de ondas.Leonardo da Vinci escreveu o seguinte:
acontece com freqüência que a onda foge do local onde foi criada, enquanto que a água não; do mesmo modo se passa com as ondas que o vento forma num campo de trigo: vemos as ondas correndo ao longo do campo, enquanto que o trigo permanece no mesmo lugar.
Todos os tipos de ondas fazem parte de nosso cotidiano, da nossa realidade física e muitas vezes nem nos apercebemos disso. A luz e o som são fenômenos envolvidos, vemos e ouvimos por meio de ondas, embora de natureza diferente, a luz é uma onda eletromagnética, que se propaga com velocidade mais elevada e a do som que é uma onda acústica. O som grave de baixa freqüência tem grande comprimento de onda, e inversamente, o som de alta freqüência tem comprimento de onda menor. A propagação do som faz-se através do movimento das partículas do meio.
A impedância acústica reflete o grau de resistência que o meio oferece ao movimento. O processo de transferência de energia nos instrumentos musicais estão relacionados com a radiação sonora e conseqüentemente com a qualidade do instrumento. No caso de um violino a vibração da corda transfere-se para o cavalete, que por sua vez vai para o tampo, alma e a barra, a alma por sua vez transfere para o tampo inferior (costas) e o tampo para o ar. Em todos os processos vibratórios há frações de energia que não são transferidas.
Quando duas freqüências são muito próximas acontece um procedimento acústico chamado de batimento. Este fenômeno é muito útil para a afinação dos instrumentos musicais. É um auxiliar precioso para levar dois sons ao uníssono e também para controlar o temperamento dos intervalos. Instrumentistas de cordas friccionadas, violonistas, harpistas e os instrumentistas de sopro, afinam seus instrumentos utilizando o recurso dos batimentos sonoros, eliminando o batimento entre os dois sons. A afinação do piano tem um procedimento diferenciado. No entanto há um outro fator que influencia na afinação: a diferença do vibrato de cada músico. Dez violinos tocando em conjunto simultaneamente, nunca pode ser igual a um único violino.
A energia acústica que é radiada por um instrumento musical chega até nós influenciado pelas características:
1. Direcionamento do instrumento
2. Dependendo do ar circundante
Para um instrumento radiar energia sonora com eficácia, é necessário que haja superfícies cuja vibração movimente zonas de ar consideráveis. Por exemplo uma guitarra elétrica, quando desligada produz um som de pouco intensidade, visto que ela não possui zona de movimentação de ar para o transporte do som ao meio. A radiação dos instrumentos de corda e sopro são bem diferentes devido à sua geometria e estrutura. Nos instrumentos de sopro a radiação é reforçada pelas ressonâncias acústicas do tubo.
Embora o som se propague em linha reta, quando a onda encontra um obstáculo, esta o contorna. Esses obstáculos, dependendo do tamanho e da sua constituição, podem provocar distorções das frentes da onda na propagação do som, fenômeno esse que se chama difração.

Notas
[1] Leonardo nasceu na pequena cidade de Vinci, perto de Florença, centro intelectual e científico da Itália. O seu talento artístico cedo se revelou, mostrando excepcional habilidade na geometria, na música e na expressão artística. Reconhecendo estas suas capacidades, o seu pai, Ser Piero da Vinci, mostrou os desenhos do filho a Andrea del Verrocchio. O grande mestre da renascença ficou encantado com o talento de Leonardo e tornou-o seu aprendiz. Em 1472, com apenas vinte anos, Leonardo associa-se ao núcleo de pintores de Florença. Não se sabe muito mais acerca da educação e formação do artista, no entanto, muitos autores afirmam que o seu conhecimento não provém de fontes tradicionais, mas sim da observação pessoal e da aplicação prática das suas idéias. Pintor, escultor, arquiteto e engenheiro, Leonardo da Vinci foi o talento mais versátil da Itália do Renascimento. Os seus desenhos, combinando uma precisão científica com um grande poder imaginativo, refletem a enorme vastidão dos seus interesses, que iam desde a biologia, à fisiologia, à hidráulica, à aeronáutica e à matemática. Durante o apogeu do renascimento, Da Vinci, enquanto anatomista, preocupou-se com os sistemas internos do corpo humano, e enquanto artista interessou-se pelos detalhes externos da forma humana, estudando exaustivamente as suas proporções. Os pensadores renascentistas viam uma certa perfeição matemática na forma humana. Da Vinci, recorreram a conceitos de geometria projetiva (centro de projeção, linhas paralelas representadas como linhas convergentes, ponto de fuga) para criar os seus quadros com um aspecto tridimensional. A obra prima «A Última Ceia» é um bom exemplo disso.
[2] Leon Battista Alberti, nascido em Florença em 1404, foi uma das figuras maiores da Renascença italiana: pintor, compositor, poeta e filósofo, autor da primeira análise científica da perspectiva. Ficou mais conhecido como arquiteto. Entre suas obras mais famosas está o Palácio Rucellai em Florença (1451), a Igreja de São Francisco em Rimini (1455) e a fachada da Igreja de Santa Maria Novella em Florença (1470). Desenhou a primeira Fontana di Trevi de Roma e foi autor do primeiro livro impresso sobre arquitetura, o "De Re Aedificatoria", o qual agiu como um catalisador na transição do desenho gótico para o renascentista. É também o autor de um tratado sobre a mosca doméstica e de uma oração fúnebre para o seu cão. Até cerca dos 40 anos passou a maior parte do tempo estudando as civilizações antigas da Grécia e Roma, tornando-se famoso como humanista e latinista erudito. Morreu em Roma em 1472.
[3] Luca Pacioli nasceu em Itália, em 1447, numa pequena localidade, Borgo de Sansepolcro, ,situada nos confins da Úmbria a da Toscânia, Província de Arezzo, não longe da nascente do Tibre, próximo do monte Fumaiolo. Luca Pacioli, Luca Paciolo, Luca Paciuolo, Luca di Borgo - são nomes por que é conhecido(3), viveu num período privilegiado. Foi contemporâneo dos Médicis. Nasceu numa época em que a florescência literária e artística, a curiosidade científica e a actividade comercial, eram intensas. Eram tempos propícios à revelação de vocações, ao desenvolvimento das personalidades e ao aproveitamento dos valores. Foi contemporâneo de Leonardo da Vinci, Camões e Cervantes, Santa Teresa a Copérnico, Shakespeare a tantos outros. Toda a sua vida decorreu num ambiente de estremada cultura. Na adolescência teve como mestre de ábaco o seu conterrâneo, o famoso Piero della Francesca a viveu alguns meses em casa de Leão Baptista Alberti, homem que se distinguiu pelos seus vastos conhecimentos e que veio a ter forte influência na obra de Pacioli. Aos 32 anos de idade, em 1477, ingressa na ordem de S. Francisco, onde tinha dois sobrinhos. Uma vez frade, começa a ensinar matemática e teologia em diversas escolas e universidades, tendo na sua actividade passado por cidades como Zara, Roma, Napoles, Pádua, Milão, Assis, Urbino. Em 1494 está em Veneza, revendo as provas da Summa. Fra Luca di Borgo, assim é chamado por alguns dos seus biógrafos, é uma verdadeira "catedra ambulante", de matemática e de teologia. Foi um homem do Renascimento. Nunca terá trabalhado como contabilista. Escreveu duas obras máximas: a Summa de Arithmética, Geometria, Proportioni et Proportionalita, da qual o Tratactus Particularis de Computis et Scripturis constitui um dos capítulos, e La Divina Proportione (em 1497). A parte principal do seu livro não era sobre contabilidade, mas sim aritmética, álgebra e geometria.
[4] Luis L. Henrique: Acústica Musical. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2002
[5] minha intervenção
[6] idem
[7] Luis L. Henrique: Acústica Musical. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2002
[8] Donald Hall: Mucical Acoustics (pag.443). Hall, 1991
[9] Luis L. Henrique: Acústica Musical. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2002
[10] Luis L. Henrique: Acústica Musical. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2002
[11] H. F. Pollard & E. V. Jansson: Analysis and assessment of musical starting transientes. Acustica 51 (pg.250 a 262)
[12] Luis L. Henrique: Acústica Musical. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2002
[13] idem
[14] Eric Émery: Le silence musical. Sciences et Avenir (nov e dez). Hors-séries, 1997